Brasil
por Thiago Bernardes

Ano 16 - N° 811 - 19 de Fevereiro de 2023

 

 

Jovens “sem religião” formam um contingente maior que o de católicos e evangélicos


 

No ano passado, uma pesquisa realizada pelo instituto Datafolha a respeito da religiosidade do povo brasileiro revelou que o
percentual de jovens “sem religião” no Rio de Janeiro e São Paulo é maior do que os percentuais referentes a católicos e evangélicos.

No Rio de Janeiro, os dados divulgados pelo Datafolha, relativos aos jovens de 16 a 24 anos pesquisados, foram estes:


Sem religião - 34%

Evangélicos - 32%

Católicos - 17%

Espíritas - 4%

Adeptos do candomblé - 4%

Umbandistas - 2%

Outros - 7%.


Em São Paulo, os jovens de 16 a 24 anos que se dizem sem religião formam 30% dos entrevistados, superando evangélicos  (27%), católicos (24%) e outras religiões (19%). E em âmbito nacional, na mesma faixa etária, os jovens sem religião perfazem 25%.


Para entender o fenômeno e suas causas

Sobre esses e outros dados revelados pelo Datafolha, Thais Carrança, da BBC News Brasil, escreveu uma excelente reportagem que vale a pena conhecer. Para acessá-la, 
clique aqui

Além de entrevistar inúmeros jovens, a BBC News Brasil ouviu três cientistas sociais especialistas em religião, com o objetivo de explicar o fenômeno.

A primeira informação concernente ao assunto é que, segundo a reportagem, somente uma minoria dos "sem religião" no Brasil são ateus ou agnósticos. Os ateus, como se sabe, não acreditam na existência de Deus, enquanto os agnósticos entendem que não é possível afirmar com certeza se Deus existe ou não.

Um dado que comprova esse pensamento, lembrado na reportagem: no Censo de 2010, dos 15,3 milhões de brasileiros que se declararam “sem religião”, somente 615 mil (4% dos sem religião) se consideravam ateus e apenas 124 mil se disseram agnósticos (0,8%). A causa, portanto, do afastamento de mais de um terço dos jovens de qualquer compromisso religioso não está na falta de fé em Deus, mas na desconfiança com que a juventude vê as religiões em geral.


O que dizem os especialistas

À reportagem da BBC News Brasil, assim se expressou Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro): "A maior parcela dos sem religião tem a ver com uma desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito está afastado das instituições religiosas, mas ele pode ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais informadas por crenças religiosas. Então esse sujeito é sem religião porque não está vinculado a uma igreja, porque não frequenta, mas pode ter crenças relacionadas a alguma religião que já teve ou ter uma dimensão mais pluralista da religiosidade. Ele incorpora elementos de uma espiritualidade mais fluida, pode fazer um sincretismo, pode ter crenças muito associadas ao universo do cristianismo — acreditar em Deus, em Jesus, em Maria — mas seguir se declarando sem religião."

Silvia Fernandes, entre vários livros, é autora de Jovens religiosos e o catolicismo — escolhas, desafios e subjetividades (Quartet/FAPERJ, 2010) e Novas Formas de Crer — católicos, evangélicos e sem-religião nas cidades (Promocat, 2009) e organizadora de Mudança de religião no Brasil — desvendando sentidos e motivações (Palavra e Prece, 2006).

Outra especialista ouvida pela BBC, Regina Novaes, pesquisadora do ISER (Instituto Superior de Estudos da Religião), observa que a fase dos 16 aos 24 anos, onde os "sem religião" são mais presentes, é uma fase de experimentação. "Há uma trajetória de busca e experimentação que foi colocada para as novas gerações que não era colocada para as antigas", diz a pesquisadora, que entende que, atualmente, muitos jovens crescem em famílias plurirreligiosas, por exemplo, com avó mãe de santo, pai católico não praticante e mãe evangélica. Esses jovens não sentem a obrigação de seguir uma religião de família e tendem a buscar uma religiosidade própria.

Essa fase de experimentação pode seguir dois caminhos: uma busca que resulta mais tarde na escolha de uma religião; ou a construção de uma síntese pessoal, em que a pessoa se diz "sem religião" por não pertencer a nenhuma igreja, mas combina diversos elementos de fé. "Isso é interessante, porque havia uma ideia de que, com o passar do tempo e o avanço da secularização, haveria um aumento das pessoas que se desvinculariam da fé, do sobrenatural. Mas isso não está acontecendo. O que está acontecendo são outros modos de ter fé", diz Regina Novaes.

Para ela, esse é um fenômeno que vem desde a década de 1990, mas há outros dois processos mais recentes que têm contribuído para o avanço dos "sem religião". O primeiro deles é a emergência das religiões afro-brasileiras como uma opção cultural, diante do fortalecimento da luta antirracista no país. "Junto à questão racial, vem a questão da ancestralidade. Então há muitos jovens que deixam de ser católicos, protestantes, evangélicos e se ligam a um terreiro, a uma mãe de santo ou pai de santo. Mas há também uma parcela que não vai se ligar institucionalmente, mas vai se sentir parte de uma cultura. Então eles podem se dizer sem religião, mas participar de festas, cultuar orixás, usar signos como turbantes e colares, como parte de um processo identitário."

Um segundo fenômeno são as novas gerações de evangélicos, criados na igreja, mas que passam a ter problemas com seus pastores, por questões morais, comportamentais, por críticas políticas ou com relação à maneira de conduzir a igreja. Muitos desses jovens vão para outras igrejas, como as alternativas ou inclusivas. Mas há um outro grupo que passa a se definir através de uma palavra nova: são os "desigrejados", jovens que seguem partilhando do mundo evangélico, mas que ficam sem igreja. "Ao ficar sem igreja, muitos desses jovens podem passar a se definir como sem religião. Porque, diferentemente do catolicismo, em que o batizado católico é fundamental, no mundo evangélico a frequência à igreja é fundamental para a pessoa se definir", concluiu a especialista.


Uma das causas: a perda de força do catolicismo

Para Ricardo Mariano, professor da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Loyola, 1999), a perda de força da igreja católica é um dos motivos que explicam o avanço dos "sem religião". Em 1950, quase 94% da população brasileira se dizia católica, percentual que caiu a 65% no Censo demográfico de 2010 e está em 49% entre os entrevistados do Datafolha de 2022, enquanto, segundo a mesma pesquisa, os evangélicos perfazem 26% e os sem religião, 14%.

"O forte declínio dos católicos em idade de reprodução contribui para a redução no número de crianças educadas em famílias católicas e, consequentemente, dos jovens com formação católica", observa o sociólogo. "Além disso, a igreja católica tradicionalmente tem um enorme contingente de católicos ditos 'nominais', ou seja, que não frequentam os cultos, não estão expostos às autoridades eclesiásticas e nem às suas orientações doutrinais, morais e comportamentais."

Para o pesquisador, outro fator que explica a maior parcela de jovens sem religião é o fato de que esse grupo tem redes de sociabilidade mais diversas — diferentemente, por exemplo, dos idosos, cuja sociabilidade muitas vezes é restrita à família e à igreja — e está exposto a múltiplas fontes de informação, como colégios, universidades, redes sociais e veículos midiáticos. "Os jovens ocupam seu tempo engajados em atividades de lazer e entretenimento — o funk, o hip hop, blocos e escolas de carnaval, e por aí vai — que muitas vezes entram em conflito com orientações comportamentais e morais das igrejas cristãs mais conservadoras", observa Ricardo Mariano.

Concluindo as opiniões, parece que, no final, todos concordam em que o Brasil continuará sendo um país de maioria católica e os evangélicos continuarão crescendo, mas os “sem religião” passam a ser uma possibilidade que terá de ser observada, ou seja, as religiões necessitam rever seus métodos para que a juventude seja atraída e consiga ver nelas algo que seja realmente importante para o seu crescimento moral e espiritual.



 
  


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita