Jovens “sem religião” formam um contingente maior que o
de católicos e evangélicos
|
No ano passado, uma pesquisa realizada pelo instituto
Datafolha a respeito da religiosidade do povo brasileiro
revelou que o |
percentual de jovens “sem religião” no Rio de
Janeiro e São Paulo é maior do que os
percentuais referentes a católicos e
evangélicos. |
No Rio de Janeiro, os dados divulgados pelo Datafolha,
relativos aos jovens de 16 a 24 anos pesquisados, foram
estes:
Sem religião - 34%
Evangélicos - 32%
Católicos - 17%
Espíritas - 4%
Adeptos do candomblé - 4%
Umbandistas - 2%
Outros - 7%.
Em São Paulo, os jovens de 16 a 24 anos que se dizem sem
religião formam 30% dos entrevistados, superando
evangélicos (27%), católicos (24%) e outras religiões
(19%). E em âmbito nacional, na mesma faixa etária, os
jovens sem religião perfazem 25%.
Para entender o fenômeno e suas causas
Sobre esses e outros dados revelados pelo Datafolha,
Thais Carrança, da BBC News Brasil, escreveu uma
excelente reportagem que vale a pena conhecer. Para
acessá-la, clique
aqui
Além de entrevistar inúmeros jovens, a BBC News Brasil
ouviu três cientistas sociais especialistas em religião,
com o objetivo de explicar o fenômeno.
A primeira informação concernente ao assunto é que,
segundo a reportagem, somente uma minoria dos "sem
religião" no Brasil são ateus ou agnósticos. Os ateus,
como se sabe, não acreditam na existência de Deus,
enquanto os agnósticos entendem que não é possível
afirmar com certeza se Deus existe ou não.
Um dado que comprova esse pensamento, lembrado na
reportagem: no Censo de 2010, dos 15,3 milhões de
brasileiros que se declararam “sem religião”, somente
615 mil (4% dos sem religião) se consideravam ateus e
apenas 124 mil se disseram agnósticos (0,8%). A causa,
portanto, do afastamento de mais de um terço dos jovens
de qualquer compromisso religioso não está na falta de
fé em Deus, mas na desconfiança com que a juventude vê
as religiões em geral.
O que dizem os especialistas
À reportagem da BBC News Brasil, assim se expressou
Silvia Fernandes, cientista social e professora da UFRRJ
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro): "A maior
parcela dos sem religião tem a ver com uma
desinstitucionalização, o que quer dizer que o sujeito
está afastado das instituições religiosas, mas ele pode
ter uma visão de mundo e até mesmo práticas pessoais
informadas por crenças religiosas. Então esse sujeito é
sem religião porque não está vinculado a uma igreja,
porque não frequenta, mas pode ter crenças relacionadas
a alguma religião que já teve ou ter uma dimensão mais
pluralista da religiosidade. Ele incorpora elementos de
uma espiritualidade mais fluida, pode fazer um
sincretismo, pode ter crenças muito associadas ao
universo do cristianismo — acreditar em Deus, em Jesus,
em Maria — mas seguir se declarando sem religião."
Silvia Fernandes, entre vários livros, é autora de Jovens
religiosos e o catolicismo — escolhas, desafios e
subjetividades (Quartet/FAPERJ, 2010) e Novas
Formas de Crer — católicos, evangélicos e sem-religião
nas cidades (Promocat, 2009) e organizadora de Mudança
de religião no Brasil — desvendando sentidos e
motivações (Palavra e Prece, 2006).
Outra especialista ouvida pela BBC, Regina Novaes,
pesquisadora do ISER (Instituto Superior de Estudos da
Religião), observa que a fase dos 16 aos 24 anos, onde
os "sem religião" são mais presentes, é uma fase de
experimentação. "Há uma trajetória de busca e
experimentação que foi colocada para as novas gerações
que não era colocada para as antigas", diz a
pesquisadora, que entende que, atualmente, muitos jovens
crescem em famílias plurirreligiosas, por exemplo, com
avó mãe de santo, pai católico não praticante e mãe
evangélica. Esses jovens não sentem a obrigação de
seguir uma religião de família e tendem a buscar uma
religiosidade própria.
Essa fase de experimentação pode seguir dois caminhos:
uma busca que resulta mais tarde na escolha de uma
religião; ou a construção de uma síntese pessoal, em que
a pessoa se diz "sem religião" por não pertencer a
nenhuma igreja, mas combina diversos elementos de fé.
"Isso é interessante, porque havia uma ideia de que, com
o passar do tempo e o avanço da secularização, haveria
um aumento das pessoas que se desvinculariam da fé, do
sobrenatural. Mas isso não está acontecendo. O que está
acontecendo são outros modos de ter fé", diz Regina
Novaes.
Para ela, esse é um fenômeno que vem desde a década de
1990, mas há outros dois processos mais recentes que têm
contribuído para o avanço dos "sem religião". O primeiro
deles é a emergência das religiões afro-brasileiras como
uma opção cultural, diante do fortalecimento da luta
antirracista no país. "Junto à questão racial, vem a
questão da ancestralidade. Então há muitos jovens que
deixam de ser católicos, protestantes, evangélicos e se
ligam a um terreiro, a uma mãe de santo ou pai de santo.
Mas há também uma parcela que não vai se ligar
institucionalmente, mas vai se sentir parte de uma
cultura. Então eles podem se dizer sem religião, mas
participar de festas, cultuar orixás, usar signos como
turbantes e colares, como parte de um processo
identitário."
Um segundo fenômeno são as novas gerações de
evangélicos, criados na igreja, mas que passam a ter
problemas com seus pastores, por questões morais,
comportamentais, por críticas políticas ou com relação à
maneira de conduzir a igreja. Muitos desses jovens vão
para outras igrejas, como as alternativas ou inclusivas.
Mas há um outro grupo que passa a se definir através de
uma palavra nova: são os "desigrejados", jovens que
seguem partilhando do mundo evangélico, mas que ficam
sem igreja. "Ao ficar sem igreja, muitos desses jovens
podem passar a se definir como sem religião. Porque,
diferentemente do catolicismo, em que o batizado
católico é fundamental, no mundo evangélico a frequência
à igreja é fundamental para a pessoa se definir",
concluiu a especialista.
Uma das causas: a perda de força do catolicismo
Para Ricardo Mariano, professor da USP (Universidade de
São Paulo) e autor do livro Neopentecostais:
Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Loyola,
1999), a perda de força da igreja católica é um dos
motivos que explicam o avanço dos "sem religião". Em
1950, quase 94% da população brasileira se dizia
católica, percentual que caiu a 65% no Censo demográfico
de 2010 e está em 49% entre os entrevistados do
Datafolha de 2022, enquanto, segundo a mesma pesquisa,
os evangélicos perfazem 26% e os sem religião, 14%.
"O forte declínio dos católicos em idade de reprodução
contribui para a redução no número de crianças educadas
em famílias católicas e, consequentemente, dos jovens
com formação católica", observa o sociólogo. "Além
disso, a igreja católica tradicionalmente tem um enorme
contingente de católicos ditos 'nominais', ou seja, que
não frequentam os cultos, não estão expostos às
autoridades eclesiásticas e nem às suas orientações
doutrinais, morais e comportamentais."
Para o pesquisador, outro fator que explica a maior
parcela de jovens sem religião é o fato de que esse
grupo tem redes de sociabilidade mais diversas —
diferentemente, por exemplo, dos idosos, cuja
sociabilidade muitas vezes é restrita à família e à
igreja — e está exposto a múltiplas fontes de
informação, como colégios, universidades, redes sociais
e veículos midiáticos. "Os jovens ocupam seu tempo
engajados em atividades de lazer e entretenimento — o
funk, o hip hop, blocos e escolas de carnaval, e por aí
vai — que muitas vezes entram em conflito com
orientações comportamentais e morais das igrejas cristãs
mais conservadoras", observa Ricardo Mariano.
Concluindo as opiniões, parece que, no final, todos
concordam em que o Brasil continuará sendo um país de
maioria católica e os evangélicos continuarão crescendo,
mas os “sem religião” passam a ser uma possibilidade que
terá de ser observada, ou seja, as religiões necessitam
rever seus métodos para que a juventude seja atraída e
consiga ver nelas algo que seja realmente importante
para o seu
crescimento moral e espiritual.