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por Marcus De Mario

 

Kardec racista?


Surge no horizonte cultural humano a onda da revisão de conteúdo de clássicos da literatura mundial, com a justificativa não apenas de modernizar a linguagem do autor de uma época passada, mas de amenizar palavras e ideias para uma sociedade atual que combate o racismo, a misoginia, a discriminação de gênero e assim por diante. É um movimento delicado, com muitos defensores e também muitos críticos, ou seja, com muitos prós e contras

Aqui no Brasil já se tentou mudar os escritos de Monteiro Lobato, que seriam racistas. De nossa parte consideramos o escrito como território sagrado. Ninguém tem o direito de alterar, modificar o que o autor da obra escreveu. Agora, tanto o tradutor, quando se trata de obra estrangeira, ou a editora podem perfeitamente criar notas de rodapé contextualizando a fala do autor com sua época e com a época atual. O texto original fica preservado e explicado para o leitor. Acreditamos que esse seja o melhor caminho.

Uma obra que já esteja em domínio público pode ser publicada por várias editoras. Como vamos saber qual é o texto original se cada editora mudar o escrito a seu bel prazer, com a justificativa de estar amenizando termos e corrigindo conceitos do autor?

Bem, esse movimento cultural não deixou de fora o Espiritismo. Não é de hoje que vemos propostas de modernizar as obras da Codificação, ou seja, aquelas assinadas por Allan Kardec. Afinal, como opinam os críticos, os livros foram escritos no início da segunda metade do século dezenove…

E daí? – perguntamos. Por terem mais de cem anos devem ser consideradas obsoletas? E que dizer, então, das obras do filósofo grego Platão, que têm mais de dois mil anos?

Mas acontece que em vários trechos de seus livros Kardec – dizem então –mostra-se racista. Como? Kardec racista? Como pode ser isso se ele sempre representou com dignidade, ética e humildade o Espiritismo, que é uma doutrina que prega a fraternidade, a solidariedade, o respeito ao próximo e o amai-vos uns aos outros? Que proclama que os direitos entre homens e mulheres são iguais?

Os críticos de Kardec parecem que se esqueceram de contextualizar Kardec e sua época, e que ele sempre distinguia nos seus escritos o que provinha da universalidade do ensino dos espíritos, e o que era elaboração dele no terreno das hipóteses.

À época, e eis aqui um exemplo de nota explicativa ao texto original, o conhecimento europeu sobre a África e a Ásia era difuso, pouco confiável, baseado em narrativas de viajantes por esses continentes, relatos esses muitas vezes repletos de preconceitos, pois a Europa havia ficado fechada em si mesma durante séculos e o europeu considerava-se superior aos demais povos. Alguns exemplos utilizados por Kardec trazem essa cultura, mas não são ensinos dos Espíritos e, portanto, não fazem parte do edifício doutrinário.

Bastariam algumas notas explicativas para que tudo ficasse perfeitamente elucidado, esclarecido, mostrando que Kardec nunca foi racista, mas estava à mercê da cultura e conhecimentos da metade do século dezenove no mundo europeu.

Esse movimento de revisão e verdadeira adulteração das obras de Kardec está capitaneada pelo coletivo Espíritas à Esquerda. Eles possuem seu ponto de vista. Se acontecer um coletivo de Espíritas à Direita, qual será seu ponto de vista?

Serão, um e outro, apenas pontos de vista, suscetíveis de enganos e questionamentos.

No fundo, o que temos é ignorância doutrinária. Como dizia o saudoso e respeitado professor, filósofo e escritor José Herculano Pires, o Espiritismo continua sendo, por parte dos próprios espíritas, esse grande desconhecido.

Não precisamos de edições antirracistas das obras de Allan Kardec. Precisamos é deixar de lado pontos de vista para, diante do Espiritismo, nos transformarmos, nos melhorarmos, pois se assim não fizermos haveremos, com o tempo, de deturpar de tal modo a doutrina, que ela ficará irreconhecível, como fizemos ao longo da história com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Salvemo-nos dessa aberração histórica.


Marcus De Mario é educador, escritor e palestrante. Coordena o Seara de Luz, grupo de estudo online do Espiritismo, Publica o canal Orientação Espírita no YouTube, Possui mais de 30 livros publicados.

 

 

     
     

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