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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

All You Need Is Love


Estas breves linhas surgem de uma inspiração profunda, ouvindo a música dos rapazes de Liverpool All You Need Is Love, que surge incidentalmente no maravilhoso e distópico filme “Yesterday - A Trilha do Sucesso”, de 2019, dirigido por Danny Boyle, sendo para mim uma obra-prima recente, e que com linguagem poética mescla a complexidade e a simplicidade do mundo atual.

Essa supersimplificação das coisas em um mundo tão complexo é que instigou essa reflexão. Assustados com o mundo tão complicado, e que sempre esteve lá, mas que se vê descoberto e assimilado, em especial pela tecnologia, em toda a sua estranheza, buscamos simplificar as coisas, apresentando a nós mesmos soluções e explicações elementares para questões intrincadas, que envolvem nuanças e aspectos ocultos.

Assim, ouvimos nas ruas e nas redes que a culpa é do comunismo. Ou do capitalismo. E, ainda, que nos basta ter força de vontade, querer. Que tudo o que precisamos é de amor. Um desfile de soluções simples, pasteurizadas e superficiais para a vida e seus “Wicked Problems”, termo que designa tecnicamente, no campo das políticas públicas, problemas que têm muitos fatores interdependentes, tornando-os impossíveis de terem uma resolução rápida.

E a fé, aquela que o Espiritismo se propõe com o adjetivo de raciocinada, pode ser um subterfúgio para essas simplificações, com seus mistérios inquestionáveis e porta-vozes monotônicos. Mas, temos nós, os espíritas, também nossos mantras reducionistas das questões do ser, do destino e da dor. É a falta de Deus, é combater o orgulho e o egoísmo, é o sofrimento que purifica pela lei do Karma.

Simplificar é uma forma de digerir problemas grandiosos, antigos e um tanto indigestos. Um artifício, uma estratégia de sobrevivência em um mundo que se apresenta tão confuso e desesperançoso. Mas, também é uma forma de ignorar o que deve ser feito, com soluções fantasiosas e pouco efetivas frente ao que se poderia realmente fazer.

Chega-se assim ao tema central deste artigo. Uma simplificação que tem andado na moda entre os espíritas, diante dos acontecimentos desastrosos da vida cotidiana: a transição planetária. Uma ideia de que estamos passando de um mundo de provas e expiações em direção à classificação de mundo de regeneração, trazida, bem verdade, e com as devidas vênias, por Kardec em A Gênese, quando fala da “Geração nova”, mas em um sentido bem diverso do que se vê hoje, considerando-se ainda que o texto kardequiano tem mais de 150 anos.

Mas a coisa se acentuou mais ainda com o frenesi apocalíptico que tomou conta do mundo nos anos 2.000, com uma raiz no medo do flagelo nuclear da década de 1970 redesenhado, e com derivações de calendário maia, meteoros e outras coisas que fazem com que estejamos a duas décadas com esse papo de fim de mundo, em uma simplificação na visão de um mundo que muda em uma velocidade ciclópica.

E o espírita médio, imerso nesse caldo de promessas do fim que virá, reduz cada catástrofe, crime hediondo ou desastre que recebe pela imprensa e pelas redes sociais ao mantra anestésico de que é por conta da transição planetária. E volta aos seus afazeres domésticos, aplacada a sua consciência. Suprem-se assim debates, análises e soluções, que poderiam gerar ações, movimentos, no micro e no macrocosmo social, que resultariam em melhorias no mundo real, o sentido profundo da palavra evolução.

A transição planetária não pode ser uma venda que reduza a capacidade de análise dos espíritas, um traço marcante desse grupo, e que nos tire, consequentemente, a capacidade de agir. A ideia de fim de mundo mexe com medos ancestrais, presente em várias culturas, inclusive no cristianismo, e traz em si uma esperança imobilizadora de que nos basta esperar os acontecimentos inexoráveis, fruto de um Deus decepcionado com a sua criação.

Jesus nos ensinou que o reino de Deus é uma construção cotidiana, e problemas sociais gritantes que batem à nossa porta pelas notícias são avisos de que algo precisa ser feito, por cada indivíduo ou grupo, dentro das suas possibilidades, buscando reduzir a chance daquele quadro não se repetir, e não jogar tudo no diagnóstico simplificador da transição planetária ou qualquer outro chavão popular.

John Lennon e Paul McCartney estavam cobertos de razão ao dizer que tudo o que precisamos é de amor. Jesus, aliás, também disse isso. Nós é que subestimamos o amor, entendido como algo simples, e superficial, mas que na verdade é uma força complexa e profunda, que move homens e mundos, sendo a verdadeira essência divina. (*)

 

(*) A frase All You Need Is Love significa em português: tudo que você precisa é de amor.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita