Correio mediúnico

Espírito: Eça de Queirós

Julgando opiniões


Após a publicação do teu e nosso livro, abundaram as opiniões com respeito à tua personalidade. Embora já tão conhecidas as questões espíritas, não faltou quem te considerasse um sujeito anormalíssimo, apesar de constituir o teu caso de mediunidade um fato vulgaríssimo, portas a dentro da psicologia, definido pelos psiquiatras, entendidos na matéria, que classificam, sem admitir contestação, o problema mediúnico dentro do subconsciente como um cisto metido em álcool para estudo.

Alguns se abalançaram a crer que somos nós quem escreve através dos teus dedos; outros, porém, honraram a tua cabeça com uma privilegiada massa encefálica. Outros ainda, concedendo-te um extraordinário poder de assimilação e uma esquisita multiplicidade de característicos individuais, viram na tua faculdade uma questão simplíssima de inteligência, não obstante a acusação de outrem de que conseguiste apenas nos desfigurar e empobrecer. Tudo está bem.

Subconsciência, mediunismo, psicopatia, loucura, simulação, anormalidade, fenômeno, estupidez, ou espiritomania. O que é certo é que apreciaste os nossos desarrazoados e nós nos comprazemos na tua janelinha, através da qual gesticulamos e falamos para o mundo; e se almas caridosas têm vindo para espicaçar-lhe o desejo de uma beatitude celestial para cá da morte, aplicando sedativos às suas chagas purulentas, não me animam semelhantes objetivos. Não lhe darei consolações nem conselhos. Grande soma de desprezo pude acumular felizmente pela sua vida detestável onde a púrpura disfarça a gangrena. Deus não me deu ainda a funda de Davi para vencer esse eterno Golias da iniquidade. Não é porque eu tenha sido aí um santo, que o não fui. Ambientes existem que revoltam certas individualidades, sem amoldá-las ao seu modo e fora do abismo experimenta-se o receio de uma nova queda.

Crise de Gênios…

Os meus escritos póstumos são apenas sinônimos de amistosas visitas. E como há quem te assevere serem as nossas produções expressões da tua genialidade, quiçá da tua fertilidade imaginativa, resolvi prevenir-te para que não te amofinasses de orgulho como abóbora seca a chocalhar as suas pevides, porque os gênios hoje constituem raridades. Há crise deles atualmente. Crise oriunda do excesso como todas as crises hodiernas.

O ouro desaparece permanecendo somente na moeda fiduciária, em muitos países, por inflações de crédito ou por exuberância da produção. As nacionalidades estão depauperadas porque possuem demasiadamente; são vítimas da sua abundância e do descontrole.

A crise de gênios tem a sua origem na superabundância deles. As academias fabricam-nos às dúzias e a concorrência intensifica a vulgaridade.

Gênios e póstumos

Acompanhemo-los desde os seus pródromos. São crianças nervosas, irritadas. A mãe dá-lhes tabefes. Mas os amigos da família pontificam. Aquelas traquinadas são os prenúncios de uma genialidade sem precedentes e citam os casos de inteligência precoce de que são sabedores. Os fedelhos são como quaisquer outros. Mais tarde os rapazes cursam uma Academia que faz anualmente uma desova de celebridades. Aprendem lexicologia, esmerilhando clássicos, algo de geografia física, política, histórica, econômica e matemática, algumas noções gerais e os alfaiates ou o adelo rematam a obra. Inflados de sapiência, de estudos especializados, são Spinoza em filosofia, Harvey em medicina, expoentes máximos do Direito em ciências jurídicas. Não vivem, porém, polindo lentes para viver ou perseguidos pelos colegas. Andam com os estômagos reconfortados, uma quase homogeneidade pasmosa, aos magotes, exibindo títulos, à cata de comezainas, apadrinhados, tutelados, pois que geralmente são saídos do ventre rotundo e inchado da politicalha de ocasião. De posse dos seus diplomas os nossos heróis se sacrificam, com denodo, freneticamente. Por idealismo? Não. Buscam pouso na burocracia. E o conseguem. Abdicam então das suas faculdades de raciocínio e reclamam o azorrague de um político que os comande. Transformam-se em azêmolas indiferentes, passivas. Temos aí quase a totalidade dos gênios da época. À sombra da acolhedora máquina do Estado, engordam e apodrecem, pensando pela cavidade abdominal; gastrônomos e artistas têm o cérebro curto e o ventre dilatado, enorme.

São inteligências enciclopédicas que apenas sofrem de dispepsias e que daqui se nos afiguram como feiras de aptidões e consciências. Correm aí atrás de tudo o que signifique o seu mundaníssimo interesse e vivem segundo as oportunidades.

Idiotas, abandonam a vida material como suínos. E é de se ver os esgares e trejeitos desses patifes quando acordam na vida real.

Desejaria que houvesse um local isolado, circunscrito, conforme os tratados de teologia católica, onde Lúcifer com os seus sequazes lhes destilasse as gorduras envenenadas a fogo ardente. De qualquer forma, porém, temos aqui o serviço ativo de saneamento espiritual, sem infernos ou purgatórios literais. Graças a Deus.

E como a vida desse mundo é repleta de coisas transitórias, esperamos que o reconheças, desempenhando todos os teus deveres cristãos. Que outros se enriqueçam e se locupletem. Procura as riquezas da alma, os tesouros psíquicos que te servirão na Imortalidade.

Não busques ser o gênio. Sê o apóstolo.


(Mensagem recebida em Pedro Leopoldo em 1933.)


Do livro 
Palavras do Infinito, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita