Metamorfose
Gostaria que fosse possível descrever a
descoberta da Doutrina Espírita sem o uso do
pronome pessoal “eu”, mas isso é impossível,
visto que ela ocorreu através de sugestões e
leituras que não podem ser separadas e se
encontram em perfeita simbiose. Para dar uma
visão mesmo que perfunctória terei que voltar no
tempo, o ano de 2012 da minha vida e mostrar,
passo a passo, esse novo despertar.
Nesse ano em novo relacionamento por motivo de
viuvez conheci Maria, também viúva, médium,
evangelizadora e palestrante desde muitos anos
nos Centros Espíritas da cidade, possuidora de
invejável biblioteca. Especializada na
Doutrina, tem-me oferecido para leitura livros
de Allan Kardec, Léon Denis, Joanna de Ângelis,
Emmanuel e outros Espíritos de Luz com as
psicografias de Chico Xavier, Divaldo Franco
dentre outros respeitados médiuns conhecidos no
Brasil e no exterior.
Na primeira leitura d’ O Livro dos Espíritos comecei
sentir em meu interior uma chamada aparentemente
estranha... Aos setenta e cinco anos e tendo ao
longo da vida professado sem muita convicção a
Doutrina Católica Romana, minha fé repousava nos
ensinamentos aprendidos na infância,
adolescência e idade adulta, que se mantinham
inalterados, pois as missas outrora em latim e
atualmente no vernáculo próprio, os sermões
repetitivos por dois mil anos, os rituais
promovidos pelo farisaísmo judeu com suas pompas
e riqueza dos altares pagãos; ajoelhar-se, as
confissões, beijar os anéis de padres, bispos e
demais purpurados, aceitar os dogmas sem
qualquer questionamento, envolvia em tudo e por
tudo em uma fé cega, longe, muito longe da fé
raciocinada que eu estava encontrando,
despertando meus desejos de leitura e mais
pesquisas na literatura espírita.
Lecionei por mais de quarenta anos em Faculdades
matérias da minha formação em Direito e também
Filosofia específica para os Cursos de Letras,
base do meu Mestrado em Educação, porém poucas
oportunidades para ministrar uma Filosofia de
sucesso quando o mundo à minha volta se
encontrava envolto em processos políticos
nacionais e internacionais; e as famílias,
bem... As famílias também em processo de
desintegração dos costumes grassando entre os
homens o chamado medo dos conflitos, do
desemprego e da pobreza.
Ao longo dos anos um permanente desafio...
Nascido no seio de família de roceiros, simples
no falar e nos costumes citadinos, trabalhar era
a primeira meta a ser alcançada e assim, ano
após ano, novas atividades como bancário,
militar, vendedor de pedras britadas, aluno de
Direito, gerente de treinamento, professor do
ensino médio e superior, Mestrado em educação,
casado com professora de notável educação
humanista, criar, educar e orientar três filhos
nos caminhos da correção de caráter e da
assunção de responsabilidades.
A parte chamada religiosa pelos motivos acima
foram sendo deixadas de lado. O tempo passou e a
aposentadoria chegou como chega para todos os
sobreviventes da longa marcha de suas vidas. Os
desafios foram vencidos juntamente com os medos
cultivados na alma, mas, ao final, vencidos
também.
E agora, o que fazer...? Filhos criados,
casados, residentes em cidades distantes. Um
novo desafio seria escrever crônicas, mas...
crônicas para quem? Qual seria o medo
remanescente? Não...! Não importa a inexistência
de leitores e, se houver, minha esperança é que
leve alento e esperanças.
Após a viuvez, olhei para a gaveta da
escrivaninha do antigo escritório e encontrei
aproximadamente 150 crônicas, algumas
empalidecidas pelo sufoco e da falta de ar....
A Maria, experiente orientadora e motivadora
para o enfrentamento de desafios, não deixou por
menos.
Disse-me ela:
- Roque, selecione suas crônicas, procure uma
gráfica, converse com um editor, faça um
orçamento, veja se é exequível, receba os
exemplares e distribua-os aos seus muitos amigos
e conhecidos, sem qualquer ônus para eles. Se
cair no gosto deles serão lidas suas crônicas e
caso contrário enfeitar escaninhos do imóvel.
Não tenha medo e siga em frente...
A sugestão recebida reformulou a minha vida por
completo e plantou em minha mente um desejo
ardente, que me orientou sem cessar. Todo tempo
livre passei a fazer leitura dos Livros
Espíritas e nessas pesquisas/leituras tive o
privilégio de estudar e encontrar uma “alma” que
inspirasse leitores na transposição de
obstáculos sem o medo do fracasso.
A “alma” adicionada às minhas crônicas encontrei
por ocasião da pandemia de 2020, que se alastrou
por todos os recantos do mundo, não sendo
diferente na minha cidade. Ora, como dar vida a
uma cidade fechada no seu comércio, com suas
indústrias paradas, cidadãos amedrontados,
distanciados uns dos outros nas suas próprias
casas, um disfarçado pânico entre os homens. Eu
mesmo, encolhido ao meu canto procurando sair do
estresse, sentar, analisar e partir para mais um
ou talvez derradeiro desafio.
Uma tarde qualquer saí para caminhar e já havia
percorrido uns dez quarteirões sem ver ninguém
pelas ruas. Assustado, parei... minhas
preocupações foram desaparecendo e recebi um
comando para pôr em prática meus objetivos da
escrita e publicação das crônicas. Procurei o
editor e hoje entreguei para a gráfica o sexto
exemplar de “Momentos Felizes”.
A Doutrina Espírita me proporcionou outras
descobertas: há uma solução para cada problema
legítimo, não importando quanto difícil o
problema pareça ser. Também descobri que para
cada experiência de derrota temporária, em cada
adversidade, existe a semente de um benefício
equivalente. A semente de que estou falando nem
sempre pode ser observada, mas com certeza irá
germinar um dia. A lei divina de “Causa e
Efeito” são frutos das nossas escolhas e
semeaduras.
A fé raciocinada trouxe um novo significado para
mim. A pandemia que se abateu sobre todos também
trouxe muitas bênçãos, a começar pelo
conhecimento de que há algo infinitamente pior
do que ser forçado a trabalhar, que é ser
forçado a não trabalhar, se analisadas à luz das
mudanças que trouxe para as mentes de todos que
foram afetados por ela. O mesmo é verdadeiro
para cada experiência que altera os hábitos dos
homens e os força a olhar para o seu “interior”,
para a solução dos seus problemas. É a lei
divina da destruição que precede a reconstrução
de um indivíduo e uma sociedade melhor, mais
espiritualizada.
Quando em oração procuro concentrar meus
objetivos e metas que deverão ser atingidos.
Acredito mesmo que meus desejos podem se tornar
realidade tendo por fonte a Inteligência
Suprema, que, por sua vez, conhece mais sobre os
planos do que aquele que está fazendo a oração.
Desejos esses que só serão atendidos, se não
prejudicarem nem a mim, nem ao meu próximo.
Desde quando me tornei próximo dos Autores dos
Livros Espíritas minha forma de orar
modificou-se. Tinha o hábito de ir à Igreja,
ficar lá por algum tempo somente quando encarava
dificuldades. Agora procuro orar, fazer minhas
preces antes das dificuldades, quando possível.
Hoje faço minhas orações agradecendo ao Pai
pelas bênçãos recebidas e por tudo que já
possuo, pois assim descobri a vasta riqueza de
que já dispunha e que não apreciava. Entendo ser
este meio de orar melhor do que o antigo,
repetindo frases sintonizadas ou não com Deus e
os bons espíritos. Agora procuro orar criando
sintonia, ligação dos meus pensamentos com Deus,
sem palavras. Uma das descobertas foi ter a
consciência de que, ao longo da minha vida, meu
organismo nunca foi seriamente danificado por
doenças e cirurgias; cérebro razoavelmente bem
equilibrado; imaginação inquieta e criativa com
a qual eu poderia prestar um serviço muito útil
às pessoas. Nutria um desejo ardente de ajudar
outros irmãos; seria através dos meus livros...?
A Doutrina Espírita, desde as primeiras
leituras, trouxe para mim a certeza para confiar
e ter a fé raciocinada, baseada na razão. Nada
dentro da razão é impossível para os homens.
Prece é a expressão do pensamento, algumas vezes
audível e outras silenciosa. Notei também que
o estado de espírito elevado de quem está orando
é o fator determinante para a oração resultar em
benefícios, ou não, com base nos merecimentos.
Por muitos anos venho mantendo o hábito de
fazer, em particular, um inventário de toda a
minha vida pessoal, aferindo quanto de minhas
fraquezas consegui ultrapassar ou eliminar, e
também para calcular quanto progresso consegui,
se é que tive algum, na minha contabilidade
humana, usando a coragem que o Espiritismo me
inoculou na alma, pelos seus postulados lógicos.