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por Marcus De Mario

 

Viver para Deus é viver no mundo


Ainda nos dias de hoje temos ordens religiosas inteiramente divorciadas do mundo, em completo isolamento, com a justificativa que seus membros “vivem para Deus”, e assim trabalham para retirar de si qualquer resquício de paixões e vícios. Ficam em meditação, trabalhos manuais, orações, jejuns, cantos e silêncio, isolados da convivência social. Segundo essas ordens religiosas, as mais diversas, seus adeptos candidatam-se ao reino dos céus pelo virtuosismo que demonstram, mortificando o corpo, não se contaminando com as impurezas humanas e, assim, alcançando pureza espiritual.

Perguntamos: será que esse é o caminho para sublimação espiritual e conquista da felicidade após a morte? Será que o isolamento da vida social é sinônimo de autoconhecimento em plenitude?

O ser humano, por natureza, é um ser relacional, assim, a vida social é-lhe natural, pois com os outros ele tem a possibilidade de realizar aprendizados e de se desenvolver, enquanto sozinho, isolado, ele não encontrará oportunidades de desenvolver seu potencial divino, seja no campo intelectual quanto no campo afetivo. Mesmo na alegoria bíblica da criação da humanidade, temos um casal, Adão e Eva, que geram filhos, que por sua vez vão se relacionar com outros viventes. Desde a criação divina o homem convive com outros homens, e isso estudos antropológicos remontando ao início de nossa civilização demonstram. Das aglomerações pela sobrevivência, à formação da família, depois da tribo, chegando às vilas e cidades, sempre vemos o viver coletivo prevalecer sobre a vida isolada.

Tratando desse tema, Allan Kardec apresenta excelente raciocínio lógico, que sempre o caracterizou, no item 8, capítulo 3, de O Céu e o Inferno¹. Ao tratar da encarnação como necessária para o espírito realizar seu progresso intelectual e moral, ele afirma:

“O progresso intelectual é realizado pela atividade que é obrigado a desenvolver nos seus trabalhos. O progresso moral, pela necessidade das relações mútuas entre os homens. A vida social é a pedra de toque das boas e das más qualidades.”

Sem a vida social, sem o relacionamento com outros espíritos encarnados, como haveremos de nos desenvolver? Não é possível explorar a natureza, criar técnicas e ampliar conhecimentos vivendo isoladamente, sem contato com outro ser vivente. O trabalho ficará restrito ao necessário para a sobrevivência e o progresso se arrastará indefinidamente, o que não condiz com a grandeza e perfeição de Deus. Do ponto de vista moral, somente provaremos nossas virtudes e combateremos nossos vícios na relação com os outros. As qualidades morais que enobrecem o caráter não surgem sem esforços e sem as provas necessárias que somente podem acontecer na vida social, vivendo com os outros.

Como a vivência com os outros nem sempre é pacífica, muitas pessoas almejam um dia sair da cidade para ir morar no campo ou na praia, em local mais reservado, longe dos outros, sonhando com uma vida mais sossegada. Momentos de isolamento, de meditação, de reflexão íntima, de relaxamento são importantes e necessários, mas não devemos fazer desses momentos uma eternidade, um modo de vida, pois nos privaríamos das provas necessárias para nossa evolução, o que retardará chegar à finalidade para a qual somos destinados: a perfeição!

Ao final de suas considerações, Allan Kardec nos remete a uma séria reflexão:

“Para o homem que vive só não há vícios nem virtudes; se, pelo isolamento, ele se preserva do mal, também anula as possibilidades do bem.”

Essa é a razão pela qual o Espiritismo se coloca totalmente contrário ao isolamento do homem, mesmo quando utiliza como justificativa a necessidade de viver inteiramente para Deus. Essa justificativa não se sustenta diante da realidade da vida que, em todos os sentidos, é dinâmica, interativa, da natureza selvagem à sociedade humana. Tudo interage, tudo se completa. O desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento moral acontecem na dinâmica da vida social, da interação com os outros.

Quem foge da vida, isolando-se, está fugindo, em verdade, de si mesmo e da felicidade que tanto almeja, pois é ilusão achar-se feliz longe de tudo e de todos. Não é possível que a finalidade da encarnação seja estar no mundo sem estar com os outros, pois somos irmãos, filhos de Deus, e irmãos devem se relacionar, construindo laços afetivos e auxiliando-se reciprocamente.

Que as religiões compreendam a necessidade de transformar essas ordens religiosas isoladas em mosteiros, conventos e templos os mais diversos. Precisamos ser úteis ao próximo e à sociedade. O verdadeiro viver para Deus está em colocar em prática o amor ao próximo através da caridade, da solidariedade e da fraternidade. O atento estudo do Espiritismo nos tira dessa falsa ideia da vida isolada, levando-nos a compreender que é nossa ação na sociedade o motor de transformações que nos levarão para a moralização e espiritualização de nós mesmos e dos outros.


Bibliografia:

1 - KARDEC, Allan. Céu e o Inferno, O. Tradução de J. Herculano Pires. São Paulo: Lake, 2017.

 

Marcus De Mario é educador, escritor e palestrante. Coordena o Grupo Espírita Seara de Luz, na cidade do Rio de Janeiro. Edita o canal Orientação Espírita no YouTube.
 

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita