Perfeição relativa
É comum no meio espírita afirmar-se que todos
seremos perfeitos: uns mais cedo, outros mais
tarde, dependendo de como enfrentamos as
diversas provas previstas no processo evolutivo
de cada qual. Este “destino” se delineia como
seguro resultado da inexorável Lei do Progresso.
Allan Kardec se expressa de diversas formas
quando faz referência à ideia da perfeição,
mencionando-a, pela primeira vez, em: “Os
Espíritos pertencem a diferentes classes e não
são iguais, nem em poder, nem em inteligência,
nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira
ordem são os Espíritos Superiores, que se
distinguem dos outros pela sua perfeição,
seus conhecimentos, sua proximidade de Deus,
pela pureza de seus sentimentos e por seu amor
do bem: são os anjos ou Espíritos puros.” (O
Livro dos Espíritos: Introdução VI)1 (negritamos)
Contudo, usa outras expressões: perfeição
absoluta (L.E.: Introdução VI);2 grau
supremo da perfeição (OLE: item 100),3 entre
outras.
Por outro lado, os Espíritos que ajudaram Allan
Kardec na execução de sua magna tarefa também
afirmam: “A razão, com efeito, vos diz que Deus
deve possuir essas perfeições em grau supremo,
[...]” (L.E.: q. 13).4
Por conta destas formas de se apresentar a
fatalidade da perfeição, muitos não percebem
que, de fato, só Deus pode ser perfeito,
enquanto as suas criaturas atingirão um estado
tal de evolução que precisaríamos possuir uma
outra palavra para bem caracterizá-lo, sob pena
de sermos levados a nos confundir com a
Divindade, no que tange à questão do atingimento
da nossa perfeição.
O nosso idioma não comporta gradações de
perfeições, é preciso adjetivá-la ou usar
advérbios quando desejamos, por exemplo, dizer
que uma coisa é quase perfeita de outra
que é totalmente perfeita; entretanto,
perfeição é uma coisa só, ou seja: “substantivo
feminino - Excelência; de teor elevado, supremo;
sem defeitos, falhas; o mais elevado grau de
exatidão: a peça foi ótima pela perfeição dos
atores. Justeza; alto nível de virtude, correção
moral: perfeição de caráter.”5
Esta pobreza de nossa linguagem na definição de
certos conceitos é que cria esta pequena
confusão a ponto de, quando se afirma que os
Espíritos alcançarão, em realidade, a perfeição
relativa, alguns não entendem, não aceitam,
e questionam, pois acostumados estão à ideia de
que seremos perfeitamente perfeitos,
atributo aplicado literalmente apenas ao
Criador.
Nenhuma surpresa, pois se pudéssemos alcançar a
perfeição, através de um progresso ininterrupto
e constante, isto é, já vivendo apenas no plano
espiritual, sem necessidade de tornar a
reencarnar, seríamos todos deuses, mais cedo ou
mais tarde, aliás já existiriam incontáveis
deuses, pois a criação de Espíritos nunca foi
interrompida. Havendo muitos deuses, poderia não
existir unidade na Criação e, se algum deles
fosse ligeiramente mais perfeito do que
os outros, então este seria o Deus único.
É oportuno informar que o próprio Allan Kardec
assim registrou: “Progredir é condição normal
dos seres espirituais e a perfeição relativa o
fim que lhes cumpre alcançar. Ora, havendo Deus
criado desde toda a eternidade, e criando
incessantemente, também desde toda a eternidade
tem havido seres que atingiram o ponto
culminante da escala.”6 (negritamos)
Observemos que o Codificador usou perfeição
relativa na última obra fundamental, ou
seja, já havia meditado profundamente sobre esta
questão, assim entendemos, e optou por
finalmente adjetivar a palavra perfeição como
relativa.
E, podemos destacar também que foi feita
referência a ponto culminante da escala.
Esta expressão indica claramente que os
Espíritos alcançam um ápice em seu processo
evolutivo, não progredindo indefinidamente, ou
seja, jamais atingirão a perfeição divina.
Referências:
1,2,3,4 O
Livro dos Espíritos. KARDEC, Allan. Tradução
Evandro Noleto de Bezerra. Brasília: FEB, 2007.
5 Dicionário
6 KARDEC,
Allan. A Gênese, os milagres e as predições
segundo o Espiritismo. Tradução Guillon
Ribeiro. Brasília: FEB, 2013. cap. XI. Gênese
espiritual. Princípio espiritual. it. 9.