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por Gebaldo José de Sousa

Lendo e comentando Hermínio C. Miranda


Hermínio Corrêa de Miranda elaborava suas obras com tal maestria e simplicidade que sinto haver certa cumplicidade entre o autor e o leitor. Há nelas um fio condutor que nos instiga a curiosidade e que nos favorece o aprendizado. Ele conseguia tratar assuntos complexos com extrema clareza.

Abaixo desta introdução, transcrevemos texto que contém ensinamentos preciosos para aqueles que participam de reuniões mediúnicas de esclarecimentos a Espíritos desencarnados, e, sobretudo, às(aos) médiuns esclarecedoras(es). Vejam que extraordinárias lições!

O fato motivou-me a transcrevê-lo na íntegra, para compartilhá-lo com eventuais interessadas(os).

Nele, o autor encanta-se com a habilidade da médium esclarecedora e a harmonia do pequeno grupo que coordenava. Atuavam em plena sintonia com os mentores e com os objetivos da reunião.

O tema me fascina e não há como esgotar o assunto, quando tratamos de Hermínio Corrêa de Miranda.

Por isso, limitei-me a esta breve introdução.

Passemos ao artigo desenvolvido por ele.

“REFORMADOR: Set/1975 Lendo e comentando Hermínio C. Miranda

(...) o notável artigo a que há pouco me referia. Intitula-se ‘Exorcism – but with a vital difference’ (Exorcismo – mas com uma diferença vital), e é de autoria de Jean Mathers. Não me lembro de ter lido outro trabalho dessa escritora; desejo, porém, render ao seu grupo minha homenagem pela sensibilidade e pelo tato no problema da desobsessão.

Jean Mathers conquista, logo de início, minhas simpatias, ao falar no trabalho excelente que pode desenvolver um pequeno grupo mediúnico:

– Um grupo (1) competente, bem treinado e disciplinado, operando harmoniosamente e compassivamente, torna-se instrumento pelo qual muitas almas que vivem num inferno de sua própria criação podem ser conduzidas, através do arrependimento e da compreensão, a um estado ante o qual sentirão forte desejo de abandonar seus erros passados e colocar firmemente os pés na trilha da evolução espiritual.

Para ilustrar seu comentário, com o qual estamos de pleno acordo, ela conta um caso ocorrido no grupo do qual faz parte, e que funciona há mais de 20 anos.

O Espírito manifestante chamava-se Tom e foi possível resgatá-lo das suas angústias ao cabo de meia hora de diálogo inteligente e esclarecedor. Outros, como reconhece a autora, desceram tão fundo nas suas ilusões, que exigem semanas, meses ou anos de paciente tratamento.

– ‘É muito importante – escreve a Sr.ª Mathers – que esse trabalho não seja empreendido sem orientação correta, e total proteção.’ (O destaque é do próprio original.)

Tom estava desorientado e atônito; podia, entretanto, sentir as vibrações de amor fraterno que envolvia o grupo mediúnico, mas que, não obstante, nele causava uma curiosa sensação de mal-estar, decorrente do próprio choque das vibrações.

O diálogo começa a desenrolar-se com extraordinário tato, paciência e afeição da parte da doutrinadora de nome Sheila. São esses primeiros momentos do contacto os mais difíceis. Ainda não sabemos a que vem o Espírito, nem qual é o seu problema, e, por isso, não estamos ainda em condições de lhe oferecer outra ajuda senão a amorosa paciência de ouvi-lo, mesmo que ele chegue gritando impropérios. A doutrinadora informa que ele está entre amigos, custando a convencê-lo disso.

De repente, ele dá um grito:

– Não se atreva a tocar no meu ouro! Ninguém vai tirá-lo de mim!

Aí está, pois, a primeira informação valiosa. Os médiuns clarividentes já haviam percebido o Espírito rodeado de pilhas de moedas de ouro, que ele tomava e fazia tilintar, contando-as e recontando-as, ‘com uma expressão de incrível avareza a sombrear-lhe a face’.

A doutrinadora informa que ninguém ali está interessado no seu ouro, e sim no seu bem-estar. O Espírito deseja ficar sozinho com a sua riqueza, mas as vibrações fraternas do grupo começaram a envolvê-lo, e a doutrinadora pede-lhe que fique um pouco mais, dizendo que o sente infeliz e que gostaria de ajudá-lo.

E ele:

– Você ganha para ajudar? Seja como for, eu não preciso de ajuda. Por que você quer me ajudar? Você nem me conhece...

Aos poucos a história vai se desdobrando. Tom só possuiu um interesse na vida: ganhar dinheiro. Não se casou. Para que família? Só para gastar o dinheiro dele. Não teve amigos, nem ninguém a quem se ligasse por sentimento de particular afeição. Não precisou de ninguém, e sentia-se perfeitamente feliz em ter todo o tempo disponível para ganhar mais dinheiro. Mas isso lhe dava felicidade?

– Felicidade? Pergunta ele, surpreso. Que é a felicidade? O que eu queria era segurança, não felicidade.

Tom passara fome e frio na infância. Seu pai, sempre doente, quase não podia trabalhar. Sua mãe não ganhava o suficiente para sustenta-los. Além de tudo, era uma imbecil, pois quando conseguia algum alimento, acabava partilhando o pouco que tinha com os vizinhos...

Tom começou a dedicar-se à tarefa de ganhar dinheiro. A princípio, viveu bem e com relativo conforto; depois, começou a temer que um dia o dinheiro se acabasse e ele recaísse na miséria. Foi essa a gênese de sua avareza. Quanto a ajudar o próximo, não havia como, nem porquê. Seus pais morreram na miséria, e, quanto aos outros, ninguém ligava para ele... E, assim, vivia Tom agora, ainda cercado pelo seu ouro, num ambiente estranho que ele não estava entendendo direito, porque ‘muitas coisas não estavam bem, ultimamente, e ninguém aparecia para ajudá-lo.’

Observem a sutileza da doutrinadora:

– Que tipo de coisas não tem estado bem? Você quer dizer na sua casa?

– É. As luzes não se acendem. Não consigo ver muito bem. Posso apenas sentir as coisas. E havia também alguns vizinhos que não vejo mais. Veja bem, não que eu deseje tê-los em minha casa xeretando, mas é que seria bom para mim um pouco de ajuda de vez em quando.

Estava claro, pois, que Tom não sabia que havia desencarnado.

O momento é de extrema delicadeza. A informação crua de que o comunicante é um Espírito desencarnado, em tais condições, pode provocar-lhe um choque de imprevisíveis consequências. A doutrinadora, porém, revela-se à altura da situação pelo seu preparo e carinho. Sua pergunta:

– Você acredita na vida depois da morte, Tom?

Ele confessa que nunca teve muito tempo para pensar nisso. Talvez... não sabia. Sua velha mãe acreditava. Em pequeno, levava-o à igreja, mas ele não gostava. Era mais fria ainda que sua casa, e, além disso, ‘ir à igreja não enche barriga’.

O diálogo prossegue. A inteligente doutrinadora diz-lhe que, ao que parece, ele não se tem alimentado bem ultimamente. É verdade, reconhece Tom, mas, se quisesse gastar algum dinheiro, poderia comer bem.

E ela:

– Você esteve doente?

Esteve, sim. Tosse e dor no peito, mal conseguindo respirar, às vezes. A sensibilidade da doutrinadora indica que o momento da revelação está chegando, e ela diz-lhe:

– Tom, nós acreditamos que a vida continua depois que a gente morre. Não achamos que a morte seja o fim.

Uma risada estrepitosa é a resposto de Tom.

– Você não quer dizer que eu esteja morto, quer?

– Não é isto que eu quero dizer. Eu digo que você está vivo, mas num mundo diferente.

Longo silêncio. Os componentes do grupo concentram-se em pensamentos de carinhosa afeição para ajudar o Espírito naquele momento de crise.

– Bem, diz ele, afinal, em voz pausada. Acho que isso explicaria uma porção de coisas que me confundem. Minha casa era a mesma e, no entanto, era diferente. Eu não podia compreender isso. E também os vizinhos. Não é de admirar que eles não estivessem aqui. Contudo, ainda estou na posse do meu ouro! Isso não é muito bom para mim, é? Mas, não quero perdê-lo. Como poderia me sentir em segurança sem ele? O que será que vai me acontecer? Estou com medo;

A doutrinadora fala-lhe, então, da mãe, pois, em casos como este, quase sempre estão presentes os Espíritos que mais de perto se interessam pelo que sofre. A esta altura, mesmo sem compreender direito o que se passa, Tom já está disposto a dar um pouco de seu ouro para que seus pais tenham, afinal, algum conforto.

– Tom, diz a doutrinadora, você acaba de dizer a primeira palavra que vai ajudar você a encontrá-los.

– Você quer dizer porque eu disse que vou dar-lhes algum dinheiro?

– Não, porque você usou a palavra ‘dar’. Essa é uma que você não está acostumado a empregar. Seus pais não precisam de dinheiro agora, mas ainda precisam de que você se doe a eles.

E ele, em voz baixa e, obviamente, comovida:

– Diga-me onde estão eles.

Ainda resta, porém, o problema do ouro que ele não quer abandonar. Sheila, com extrema habilidade, continua seu trabalho, pois Tom compreendeu também que, se o ouro não serve de nada para seus pais, certamente não servirá para ele. Sheila esclarece:

– Se você quiser, pode jogar fora esse ouro. Não vai ser fácil, porque você levou uma vida para juntá-lo. Somente nos últimos minutos você começou a entender que não são as coisas materiais que importam. Por muitos anos, você nem deu nem recebeu amor. Seu ouro impediu-o. Agora, se você puder perdoar a si mesmo pelos anos desperdiçados, aí estará a oportunidade de começar uma nova vida.

– Deus nunca me perdoará, diz ele.

Sheila prossegue, firme e carinhosa, a dizer que Deus perdoa sempre, mas, antes, ele deve perdoar-se. Se ele atirasse fora o ouro, aquela ferida interior provocada pela auto recriminação começaria a cicatrizar.

 

Referência bibliográfica:

1. REFORMADOR. Ano 93, n. 1.758, p. 21 a 23, set. 1975.   

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita