No início da década de 1930, quando Chico Xavier, em
casa, efetuava a revisão de algumas páginas mediúnicas
que seriam inseridas no livro Parnaso de Além-Túmulo,
ele começou a sentir, de inesperado, no olho esquerdo, o
problema que haveria de acompanhá-lo a vida inteira.
Tendo ficado com a visão prejudicada e sofrendo muitas
dores, inclusive acompanhadas de constantes hemorragias,
o médium resolveu consultar um especialista em Belo
Horizonte, o qual, à época, diagnosticou uma espécie de
catarata inoperável, com o prognóstico de que, muito
provavelmente, ficaria cego daquele olho, ainda com o
risco de que o direito também se comprometesse. Então,
por orientação do mesmo oftalmologista, Chico,
periodicamente, passou a frequentar o consultório em
Belo Horizonte, com a finalidade de receber tratamento
preventivo, consistindo na aplicação, diretamente no
olho esquerdo, de injeções de corticoide. As dores,
segundo ele, eram terríveis! Repercutiam por toda a
cabeça, e, quando se faziam acompanhar por crises
hemorrágicas, ele praticamente ficava impedido de
caminhar sozinho, quanto mais de pegar o trem na estação
ferroviária de Pedro Leopoldo e dirigir-se à capital do
estado. Então, uma de suas irmãs se ofereceu para
acompanhá-lo ao consultório do médico, localizado numa
das avenidas mais movimentadas de Belo Horizonte. Quando
desciam do trem, Chico dava o braço à irmã e, quase
guiado por ela, os dois seguiam a pé, entrando, depois
de percorrido determinado trecho, num pequeno prédio de
dois ou três andares. O tempo correu e, certo dia, o
médium estava numa das reuniões semanais do Centro
Espírita “Luiz Gonzaga”, em Pedro Leopoldo, quando já
quase no encerramento foi interpelado por um grupo de
espíritas da Capital Mineira. Rodeado pelos demais, um
deles, que Chico preferiu deixar em piedoso anonimato,
tomou a palavra e disse-lhe sem rodeios:
— Chico, nós estamos aqui para lhe fazer uma fraterna
advertência. Você tem sido visto, praticamente toda semana, em
Belo Horizonte, em atitude suspeita e de muita intimidade com
uma mulher, que sequer sabemos se é casada ou não! Está certo
que você é solteiro, mas o que está acontecendo não fica bem
para a sua condição de médium. Em plena luz do dia, você
trocando sorrisos com uma mulher e, de braços dados com ela,
entrando num prédio de movimentada avenida!... Dizem que você,
quando sai de lá, depois de quase duas horas, certamente para
não ser reconhecido, tenta esconder o rosto com um lenço!
Constrangido com a situação, o jovem Chico, com pouco mais de 20
anos de idade, deixou que os confrades falassem à vontade, dando
ao fato a interpretação e o colorido que só a maledicência
humana sabe dar quando deseja. Quando, por fim, terminaram,
alguns deles fazendo girar nas mãos, pela aba, os chapéus bem
cuidados, imaginando terem-se desincumbido de um alto dever que
lhes fora, quiçá, conferido pela Espiritualidade Superior,
ouviram o médium dizer-lhes, candidamente:
— Meus irmãos, eu creio estar havendo um engano. O prédio a que
vocês se referem é onde fica o consultório do oftalmologista que
se ofereceu para tratar, de graça, deste meu olho esquerdo, do
qual, de algum tempo para cá, estou ficando cego. A senhora que
lhes disseram andar de braços dados com muita intimidade comigo
é simplesmente minha irmã, que me guia como alguém que guia um
cego pela rua. Quanto ao lenço com o qual eu cubro o rosto, um
deles é este aqui – disse, retirando do bolso da calça um lenço
todo amarrotado e manchado de sangue! – porque, depois das
aplicações com as injeções de corticoide diretamente no olho, as
hemorragias pioram muito. De modo que eu não sei do que os
senhores estão falando...
Da Apostila com histórias de Chico Xavier, do grupo de
estudo Allan Kardec.
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