Internacional
por Ana Moraes

Ano 17 - N° 836 - 13 de Agosto de 2023

 


Lições e relatos comoventes compõem O Céu e o Inferno, obra que Kardec lançou em agosto de 1865


No dia 1º de agosto de 1865 apareceu em Paris uma das obras mais interessantes que Allan Kardec ofereceu ao mundo: O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo.

Em nossa edição 784, nosso colega Thiago Bernardes lembrou esse fato e apresentou-nos o plano geral e um sumário das matérias que compõem a citada obra. Para acessar o texto então publicado,  clique aqui

A obra, cujo principal objetivo é explicar como se opera a justiça de Deus à luz da Doutrina Espírita e mostrar a condição que usufruiremos no mundo espiritual como consequência de nossos próprios atos, divide-se em duas partes.

Na segunda parte, o livro reúne exemplos acerca da situação da alma durante e após a desencarnação e nos oferece depoimentos diversos dados pelos próprios Espíritos, entre os quais se situam criminosos arrependidos, espíritos endurecidos, espíritos felizes, medianos, sofredores, suicidas e em expiação terrestre.

 

A história de Max, o mendigo

Um desses depoimentos tem a assinatura do Espírito de Max, que faleceu em idade avançada em 1850 numa vila da Baviera. O caso integra o capítulo VIII da segunda parte da obra em foco.

“Max, o mendigo”, assim Kardec intitulou o comovente relato, que adiante reproduzimos.

Max não possuía família; pelo menos é o que se deduz de sua história. Não se sabia, pois, qual a sua origem. Ao falecer, fazia mais de cinquenta anos que ele se invalidara, sem outro recurso além da mendicidade para ganhar o próprio sustento, situação que dissimulava procurando vender, pelas herdades e castelos, almanaques e outras miudezas. Deram-lhe a alcunha de “conde Max” e as crianças o chamavam somente assim, fato que o fazia rir sem melindres.

Por que “conde Max”? Ninguém saberia dizê-lo, mas o hábito o sancionara. Talvez tivesse provindo de sua fisionomia, de suas maneiras, cuja distinção contrastava com a miserabilidade de suas vestes, melhor dizendo, seus andrajos.

Muitos anos depois da morte, o Espírito de Max apareceu em sonho à filha do proprietário de um castelo em cuja estrebaria ele era com frequência hospedado, visto que não possuía domicílio próprio. Nessa aparição, disse ele: “Agradeço o terdes lembrado do pobre Max nas vossas preces, porque o Senhor as ouviu. Alma caritativa, que vos interessastes pelo pobre mendigo, já que quereis saber quem sou, vou satisfazer-vos, ministrando, ao mesmo tempo e a todos, um grande ensinamento”.

 

Quem foi Max numa anterior existência

O próximo Max assim revelou: “Há cerca de século e meio era eu um dos ricos e poderosos senhores desta região, porém orgulhoso da minha nobreza. A fortuna imensa, além de só me servir aos prazeres, mal chegava para o jogo, para o deboche, para as orgias, que eram a minha única preocupação na vida. Quanto aos vassalos, porque os julgasse animais de trabalho destinados a servir-me, eram espezinhados e oprimidos, para proverem às minhas dissipações. Surdo aos seus queixumes, como em regra também o era com todos os infelizes, julgava eu que eles ainda se deveriam ter por honrados em satisfazer-me os caprichos. Morri cedo, exausto pelos excessos, mas sem ter, de fato, experimentado qualquer desgraça real. Ao contrário, tudo parecia sorrir-me, a ponto de passar por um dos seres mais ditosos do mundo. Tive funerais suntuosos e os boêmios lamentavam a perda do ricaço, mas a verdade é que sobre o meu túmulo nenhuma lágrima se derramou, nenhuma prece por mim se fez a Deus, de coração, enquanto minha memória era amaldiçoada por todos aqueles para cuja miséria contribuíra. Ah! e como é terrível a maldição dos que prejudicamos! Pois essa maldição não deixou de ressoar-me aos ouvidos durante longos anos que me pareceram uma eternidade. Depois, por morte de cada uma das vítimas, era um novo espectro ameaçador ou sarcástico que se erguia diante de mim, a perseguir-me sem tréguas, sem que eu pudesse encontrar um vão esconso onde me furtasse às suas vistas! Nem um olhar amigo! Os antigos companheiros de devassidão, infelizes como eu, fugiram, parecendo dizer-me desdenhosos: ‘Tu não podes mais custear os nossos prazeres.’ Oh! então, quanto daria eu por um instante de repouso, por um copo d’água para saciar a sede ardente que me devorava! Entretanto eu nada mais possuía, e todo o ouro a jorros derramado sobre a Terra não produzia uma só bênção, uma só que fosse... ouviste, minha filha?!”

E Max prosseguiu contando: “Cansado por fim, opresso, qual viajor que não lobriga o termo da jornada, exclamei: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim! Quando terminará esta situação horrível?’ Então uma voz — primeira que ouvi depois de haver deixado a Terra — disse: ‘Quando quiseres.’ Que será preciso fazer, grande Deus? — repliquei. — Dizei-o, que a tudo me sujeitarei. ‘É preciso o arrependimento, é preciso te humilhares perante os mesmos a quem humilhastes; pedir-lhes que intercedam por ti, porque a prece do ofendido que perdoa é sempre agradável ao Senhor.’ E eu me humilhei, e eu pedi aos meus vassalos e servidores que ali estavam diante de mim, e cujos semblantes, pouco a pouco mais benévolos, acabaram por desaparecer. Isso foi para mim como que uma nova vida; o desespero dava lugar à esperança, enquanto eu agradecia a Deus com todas as forças de minha alma. A voz acrescentou: ‘Príncipe!’ ao que respondi: ‘Não há aqui outro príncipe senão Deus, o Deus Onipotente que humilha os soberbos. Perdoai-me, Senhor, porque pequei; e se tal for da vossa vontade, fazei-me servo dos meus servos.’”

 

Em que condições Max reencarnou e viveu

Na sequência, Max relatou como foi sua derradeira existência: “Alguns anos depois reencarnei numa família de burgueses pobres. Ainda criança perdi meus pais e fiquei só no mundo, desamparado. Ganhei a vida como pude, ora como operário, ora como trabalhador de campo, mas sempre honestamente, porque já acreditava em Deus. Mas aos 40 anos fiquei totalmente paralítico, sendo-me preciso daí por diante mendigar por mais de 50 anos por estas mesmas terras de que fora o absoluto senhor. Nas herdades que me haviam pertencido, recebia uma migalha de pão, feliz quando por abrigo me davam o teto de uma estrebaria. Ainda por uma acerba ironia do destino, apelidaram-me Sr. Conde... Durante o sono, aprazia-me percorrer este mesmo castelo onde reinei despoticamente, revendo-me no fausto da minha antiga fortuna! Ao despertar, sentia de tais visões uma impressão de amargura e tristeza, mas nunca uma só queixa se me escapou dos lábios; e quando a Deus aprouve chamar-me, exaltei a sua glória por me haver sustentado com firmeza e resignação numa tão penosa prova, da qual hoje recebo a recompensa. Quanto a vós, minha filha, eu vos bendigo por terdes orado por mim.”

 

*

 

Comentando o relato de Max, o ex- mendigo da Baviera, Allan Kardec escreveu: “Para este fato pedimos a atenção de todos quantos pretendem que, sem a perspectiva das penas eternas, os homens deixariam de ter um freio às suas paixões. Um castigo como este do pai Max será porventura menos profícuo do que essas penas sem-fim, nas quais hoje ninguém acredita?”

Como diria Jesus, veja quem possua “olhos de ver” e ouça quem tenha “ouvidos de ouvir”. 


 
  


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita