A sociedade e a ordem moral
Sabemos, através do Espiritismo, que estamos num mundo
de expiações e provas, onde o egoísmo predomina e o mal,
por isso mesmo, é presente no cotidiano das relações
humanas. Diante desse quadro, o Espiritismo promove uma
revolução ética ao propor a dinâmica social da caridade
para romper o individualismo egocêntrico que ainda nos
caracteriza, e que o movimento espírita abraça no
desenvolvimento das ações de promoção e assistência
social, tanto do ponto de vista material quanto moral,
pois o espírita compreende que não se vive apenas de pão
e agasalho. Isso fica bem claro na famosa passagem
evangélica quando Jesus informa que não veio ao mundo
para os sãos e sim para os doentes. O entendimento
espírita é que Jesus não se referia apenas aos doentes
do corpo físico, mas igualmente aos doentes da alma. Em
sua época eram doentes da alma os hipócritas, os
orgulhosos, os vaidosos, os sedentos do poder temporal,
todos representados pelos doutores da lei judaica e
pelos despóticos romanos. Os doentes da alma continuam
existindo, e requerem nossa compreensão e nosso auxílio
pela caridade, pois ela é o antídoto do egoísmo. Por
esse motivo Chico Xavier não cessava de recomendar sobre
a necessidade de orarmos pelos governantes e
legisladores, pelos grandes empresários, enfim, por
todos aqueles que têm o destino dos povos em suas mãos,
pois orar por eles é fazer a caridade.
Lembra-nos José Herculano Pires, em sua obra O
Espírito e o Tempo, que “o amor do próximo não
pode existir sem o amor de Deus, e vice-versa, porque o
apego ao mundo, aos bens materiais, aos valores
transitórios da Terra, aguça o egoísmo”. Viver no
mundo sem estar agarrado ao mundo é importante
aprendizado facultado pelo Espiritismo, que nos revela a
realidade da alma imortal e da vida futura. Estamos na
existência, mas somos Espíritos. Temos nossa
individualidade e personalidade, mas vivemos no
coletivo, que requer a prática da solidariedade e da
fraternidade, ou seja, do amor ao próximo; mas como amar
o outro sem amar a Deus? E como amar a Deus sem amar
nosso semelhante? É através da prática da caridade que o
ser humano alimenta e desenvolve o amor, tanto a si
mesmo, ao outro e a Deus.
Neste ponto, analisando com profundidade os ensinos dos
Espíritos Superiores, Allan Kardec conclui
magistralmente que a revolução social provocada pelo
Espiritismo requer um alicerce poderoso: a educação, mas
não simplesmente a educação intelectual, e sim a
educação moral. Isso porque “nenhuma transformação
pode efetuar-se e manter-se sem apoiar-se na educação”,
como nos lembra Herculano Pires no livro já citado.
Essa afirmação do ilustre filósofo, professor e escritor
espírita corrobora o que os Espíritos ensinam: a
verdadeira transformação moral e social da humanidade só
pode ocorrer e sustentar-se com a transformação dos
indivíduos, pois são eles que fazem a sociedade e,
portanto, esse processo é educacional, e, essencialmente
e prioritariamente, de educação moral.
Como o Espiritismo entende a educação e, em particular,
a educação moral? Encontramos essa elucidação em O
Livro dos Espíritos, particularmente nas questões
685-a e 917, com destaque para os comentários de Kardec
às respostas dadas pelos Espíritos: “Há um elemento
que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência
econômica não passa de teoria: a educação. Não a
educação intelectual, mas a moral, e nem ainda a
educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte
de formar os caracteres, aquela que cria os hábitos,
porque educação é conjunto de hábitos adquiridos” (685-a),
e também: “A educação, se for bem compreendida, será
a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de
manejar os caracteres como se conhece a de manejar as
inteligências, poder-se-á endireitá-los, da mesma
maneira como se endireitam as plantas novas (…) Que se
faça pela moral tanto quanto se faz pela inteligência e
ver-se-á que, se há naturezas refratárias, há também, em
maior número do que se pensa, as que requerem apenas boa
cultura para darem bons frutos” (917).
Educar, e devemos bem compreender isso, não se resume a
ensinar, lecionar ou transmitir conhecimentos nas
escolas. Educar é permitir o desenvolvimento em cada
indivíduo do seu potencial divino; é corrigir suas más
tendências; é dar a cada um meios de utilizar a
inteligência na promoção do bem comum, para todos.
Educar é trabalhar harmonicamente a inteligência e o
sentimento, como já compreendia e salientava o educador
Pestalozzi. Assim, a educação se reveste da missão de
orientar as novas gerações de tal modo que estas possam
elaborar um novo futuro, um futuro mais promissor,
vinculado à realidade espiritual da vida, combatendo o
egoísmo e exaltando a caridade.
A educação espírita, no lar e no centro espírita, até
que chegue à escola, deve ser promovida através da
palavra e do exemplo, numa luta para destruir o egoísmo
e privilegiar a caridade, e isso somente pode acontecer
se a educação espírita for entendida como educação moral
do espírito imortal e reencarnado, que tem por destino a
perfeição.
O Espiritismo é, essencialmente, doutrina de educação, e
o esforço a ser feito para transformação dos indivíduos
e da humanidade é gigantesco. O mundo de regeneração
depende dos esforços que estamos fazendo para a nossa
renovação moral, que por sua vez, pela força do exemplo,
renovará moralmente os outros.
Que os espíritas se conscientizem de que o Espiritismo
requer muito mais do que boa vontade e frequência ao
centro espírita por parte de seus adeptos, pois a
sociedade humana e sua nova ordem social e moral depende
inteiramente dos esforços que fazemos, como espíritas,
em conhecer e vivenciar a Doutrina em espírito e
verdade.
Marcus De Mario é escritor, educador,
palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo on-line de
estudo espírita; edita o canal Orientação Espírita no
YouTube; possui mais de 35 livros publicados.