A primeira medida formal
para coibir as sessões espíritas ocorreu há 160 anos
Em de agosto de 1863 fazia pouco mais de 6 anos que
havia sido publicado O Livro dos Espíritos, de
Allan Kardec, fato que se deu no dia 18 de abril de
1857. Com essa publicação nascera, então, a doutrina
espírita e a partir daí as ideias e as práticas
espíritas regulares se espalharam por todos os cantos do
planeta. Basta consultar as edições da Revista Espírita,
periódico mensal lançado em 1º de janeiro de 1858, para
vermos que tanto na Europa como na América e também na
África o Espiritismo havia conquistado milhares de
adeptos e simpatizantes em grande número.
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Foi isso que também ocorreu na Argélia, a ponto de
preocupar as autoridades da Igreja, |
como o monsenhor Bispo de Argel, que publicou no
dia 18 de agosto de 1863 um documento endereçado
aos párocos de sua diocese com o título de
“Carta circular e ordem sobre a superstição dita
Espiritismo”, numa tentativa, até então inédita,
de coibir as sessões espíritas não só na diocese
de Argel, mas em toda a Argélia. |
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Na edição de novembro de 1863 da Revista Espírita, Allan
Kardec reproduziu várias passagens da Carta pastoral,
seguidas de seus comentários a |
propósito do assunto. |
Lembrando o lamentável episódio, cujo resultado foi –
como sabemos – completamente nulo, porque não evitou que
o Espiritismo se propagasse na Argélia, transcrevemos
aqui, para conhecimento de nossos leitores, trechos do
documento:
"...Tínhamos o pensamento de juntar uma modesta página a
esses luminosos anais, desonrando, das alturas do bom
senso e da fé, como merece sê-lo, o Espiritismo que,
renovação da mais velha e da mais grosseira idolatria,
veio se abater sobre a Argélia. Pobre colônia! Depois de
tantas cruéis provas, lhes seria preciso ainda uma prova
deste gênero!”
"Mas diversas considerações, senhor cura, nos retiveram
até este dia. De início, hesitamos em revelar essa
vergonha nova, acrescentada a tantas misérias
exploradas, com uma amarga ironia, pelos inimigos de
nossa cara e nobre Argélia. De outra parte, sabemos que
o Espiritismo quase não penetrou entre nós senão em
certas cidades, onde os desocupados se contam em maior
número; onde a curiosidade, sem cessar excitada, se
nutre avidamente de tudo o que se apresenta com um
caráter de novidade; onde a necessidade de brilhar e de
se distinguir da multidão não fica sempre estranha,
mesmo para as inteligências de mais ou menos
importância, ao passo que o maior número de nossas
pequenas cidades e de nossos campos ignoram, e,
certamente, nada têm com isso a perder, até no nome
bizarro e pretensioso de Espiritismo. Pensamos, enfim,
que tais práticas não estão jamais destinadas a viver
uma vida muito longa, porque o desabuso vem depressa
para os escândalos de imaginação, que contundem quase
sempre com sua própria vergonha. Assim ocorreu com os
malabarismos de Cagliostro e de Mesmer; assim o furor
das mesas girantes acalmou-se, sem deixar atrás delas
senão o ridículo de seus arrastamentos e de suas
lembranças."
"Aprendemos, dizeis, a disso não duvidar, que os
verdadeiros cristãos, os sinceros católicos, pensam
poder associar Jesus Cristo e Belial, os mandamentos da
Igreja com os procedimentos do Espiritismo."
"Se se encontram em sua paróquia Espíritas, de alguma
condição que possam ser, em geral os descrentes, as
mulheres vaidosas, as cabeças fracas, formando sempre o
grosso dos cortejos supersticiosos, que o padre não
hesite em declarar-lhes que não há nenhuma transação
possível entre o catolicismo e o Espiritismo; que, em
suas experiências, não pode ali haver senão uma destas
três coisas: malabarismos da parte de uns, alucinação da
parte de outros, e, indo ao pior, senão uma evocação
diabólica."
"Estivemos lá, senhor cura, de nosso labor apostólico,
quando recebemos numerosos artigos de jornais,
brochuras, livros, e notadamente um discurso (o do Padre
Nampon), onde, salvo as ideias gerais, encontramos muito
claramente e muito nitidamente exposto o que iríamos vos
dizer em seguida, a propósito do Espiritismo. Como não
gostamos de refazer sem necessidade o que julgamos estar
bem feito, vos convidamos a vos proporcionar algumas
dessas obras, e ao menos um exemplar desse discurso, que
vos esclarecerá suficientemente sobre os procedimentos,
a doutrina e as consequências do Espiritismo."
"Antes de qualquer coisa, não seria deplorável encontrar
na Argélia cristãos sérios que hesitassem em se
pronunciar energicamente contra o Espiritismo; uns sobre
o pretexto de que há abaixo alguma coisa de verdade,
outros por esse motivo que viram os materialistas
forçados a retornarem, por meio do Espiritismo, à crença
na outra vida? Ilógica ingenuidade das duas partes!"
"Gosto mais que os incrédulos fiquem fora da Igreja do
que entrem para o Espiritismo. Não são inteiramente as
palavras do Cristo que disse: Gosto mais da misericórdia
do que do sacrifício. Ou esta outra, pronunciada
alhures: Prefiro ver os operários saírem bêbados do
cabaré do que sabê-los Espíritas."
"Que apesar da voz da consciência, os homens, educados
nos princípios do cristianismo e tendo-os infelizmente
esquecido, negado em seu coração, e combatido em seus
livros, tentem transigir com esses princípios, admitindo
uma imortalidade da alma, um purgatório e um inferno
tudo diferentes da imortalidade da alma, do purgatório e
do inferno dos Evangelhos, tiverem ganho, pelo
Espiritismo, alguma coisa para a fé e para sua salvação,
qual cristão poderá se imaginar, uma vez que não puseram
no lugar senão as mais sacrílegas blasfêmias da crença!"
“Far-se-lhes-á compreender igualmente que é a renovação
das teorias pagas caídas no desprezo dos sábios, antes
mesmo da aparição do Evangelho, que, introduzindo a
metempsicose, ou a transmigração das almas, o
Espiritismo mata a individualidade pessoal, e coloca no
nada a responsabilidade moral; que, destruindo a ideia
do purgatório e do inferno eternamente pessoal, abre o
caminho a todas as desordens, a todas as imoralidades.”
"Não será inútil acrescentar, senhor cura, que a paz das
famílias está gravemente perturbada pela prática do
Espiritismo; que um grande número de cabeças nisso já
perderam o sentido, e que os hospícios da América, da
Inglaterra e da França regurgitam, desde o presente, de
suas muito numerosas vítimas; de tal sorte que, se o
Espiritismo propagasse suas conquistas, seria preciso
mudar o nome de Petites-Maisons para Grandes-Maisons."
"A essas causas, e o Espírito Santo evocado, temos
ordenado e ordenamos o que segue:
Art. 1. A prática do Espiritismo ou a invocação dos
mortos é interditada a todos e a cada um na diocese de
Argel.
Art. 2. Os confessores recusarão a absolvição a quem não
renuncie a toda participação, seja como médium, seja
como adepto, seja como simples testemunha em sessões
privadas ou públicas, ou, enfim, em uma operação
qualquer de Espiritismo.
Art. 3. Em todas as cidades da Argélia e nas paróquias
rurais onde o Espiritismo se introduziu com algum
estrondo, senhores curas lerão publicamente esta carta
no púlpito, o primeiro domingo depois de sua recepção.
Por toda a parte, alhures, será comunicada em
particular, segundo as necessidades.
Dada em Argel, a 18 de agosto de 1863."
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Como dissemos, a cada passagem da Carta pastoral, Kardec
aditou seus comentários e observações, enfatizando o que
hoje todos sabemos, ou seja, que os ataques, as críticas
e os sermões feitos pelas autoridades da Igreja contra o
Espiritismo nada produziram, exceto a popularização de
uma doutrina cujo principal objetivo é o progresso moral
da Humanidade.
Na edição de dezembro de 1863, voltando ao assunto,
Kardec acrescentou aos comentários anteriores as
seguintes considerações:
I) O Espiritismo deve ser aceito livremente, atraindo as
pessoas para si pela força de seu raciocínio, sem jamais
violentar consciências.
II) Em todas as suas refutações, ele nunca visou os
indivíduos, porque as questões pessoais morrem com as
pessoas.
III) O Espiritismo vê as coisas mais do alto; liga-se às
questões de princípios, que sobrevivem aos indivíduos.
IV) O clero não é unânime na reprovação ao Espiritismo.
E, a propósito da posição do clero, relatou na Revista
Espírita dois fatos bastante curiosos envolvendo dois
padres favoráveis às ideias espíritas, que o leitor pode
ler consultando a edição de dezembro de 1863. (Cf. Revista
Espírita de 1863, edição publicada pela Edicel, págs.
360 a 363.)