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por Rogério Coelho

 

Sentimento religioso: antídoto do suicídio
 

Além do desapontamento os suicidas encontrarão no outro mundo maiores e mais excruciantes dores.


“Eu andava cego e nada via; e a vaidade escolheu para meu guia a Ciência falaz, enganadora”. 
Anthero de Quental[1]

 

Por faltar Deus, Confiança, Fé, Religião e simplesmente por entronizar – única e exclusivamente – a Ciência em sua vida, (e sabe-se lá mais o quê), Anthero de Quental suicidou-se no dia 11 de setembro de 1891.

Sua situação de descrente só foi revertida depois que ele aportou no Mundo dos Espíritos, quando, então, passou a profligar a Ciência e louvar a Deus...

À Ciência chamou-a de: “A Grande Mendiga do Universo”, uma vez que em sua extrema parvidade e pobreza não logra iluminar a grandeza dos proscênios espirituais...

Sofrendo pertinaz doença[2], numa época em que ainda não existiam os abençoados antibióticos e outros medicamentos, esgotados todos os recursos da medicina em Portugal, onde os médicos diagnosticaram uma doença na espinha, viajou duas vezes a Paris, consultando vários médicos, inclusive o célebre dr. Charcot que lhe oferece o seguinte prognóstico[3]“on s`est trompé; vouz n`avez rien à l`épine.  Vous avez une maladie de femme, transporté dans un corps d`homme:  c`est l`hystérisme”.   E receitou-lhe hidroterapia...

O efeito psicológico do prognóstico de histerismo do dr. Charcot fê-lo melhorar, acenando-lhe com tão fácil tratamento, mas, em regressando a Portugal, em pouco tempo ei-lo definhando outra vez até ao estágio anterior:  Voltaram as dores, as fobias, as astenias musculares, o tédio com seu “plúmbeo capacete” e todo o cortejo implacável da nevrose.

Não suportando a pressão psicológica de tantos agentes nefastos, afastado de Deus e das orações, materialista por excelência, forma-se o miserável coquetel da sublevação contra o destino, o que determina, então, sua “fuga” pela porta enganosa do autocídio.  E para cúmulo do paradoxo, tal nefando ato foi por ele perpetrado no Campo de São Francisco, Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel (Açores), sentado num banco sobre o qual se lia em letras garrafais: “ESPERANÇA”, provavelmente simbolizando o derradeiro brado de alerta da Espiritualidade, na vã tentativa de sustar a tragédia iminente, já delineada em seu cérebro obnubilado pelo desespero sem conto...

No dizer do escritor Casais Monteiro, “enquanto viver a língua portuguesa, os sonetos de Quental permanecerão como a mais profunda expressão do drama de consciência que procura, em si própria, um sentido do Universo”.

Como encontrar, sem Deus, sem fé, sem religião, com base apenas no frio materialismo da Ciência, o sentido do Universo?!

Coerente com seu acendrado materialismo e, portanto, sem nem mesmo o consolo de apoucados descortinos espiritualistas, Quental, resolve, colocar um basta, de uma vez por todas, em suas angústias existenciais, de um modo trágico quão inútil: o suicídio!...

Ledo engano o dos suicidas!...  Encontrarão tão somente maiores e mais excruciantes dores além de superlativo desapontamento!...

Se tivesse tomado contato com o Espiritismo, que já existia no seu tempo, ele se capacitaria a entender as “causas atuais e anteriores das aflições” que eclodem para redimir o Espírito calceta de sua trajetória de pretéritos equívocos, na voz altissonante da Lei de Causa e Efeito, uma vez que é da Diretriz Divina que sempre colheremos o que semearmos.[4] 

Dos alevantados Cimos Espirituais, Anthero de Quental entroniza Deus e profliga a Ciência, já que de tal alcandorada perspectiva, um autoexame lhe varre a consciência, e ele vê com peregrina clareza que o plano de sua vida fora erigido por ele mesmo antes de reencarnar.  Assim, o suicídio cometido em decorrência de sua ignorância da transcendência espiritual da vida, nada mais foi que hedionda sabotagem à sua própria economia espiritual tão sobrecarregada de débitos cármicos.

Remoído pelo desapontamento como pela impiedade de soezes remorsos, consciente dos corolários das inúmeras defecções cometidas na última como nas pretéritas experiências palingenésicas, o vate português se rende, finalmente, em dorido desabafo, através das mãos luminosas e abendiçoadas de Chico Xavier: 

“Quisera crer, na Terra, que existisse /Esta vida que agora estou vivendo, /E nunca encontraria abismo horrendo, /De amargoso penar que se me abrisse. /Andei cego, porém, e sem que visse /Meu próprio bem na dor que ia sofrendo; /Desvairado, ao sepulcro fui descendo, /Sem que a Paz almejada conseguisse. /Da morte a Paz busquei, como se fora /Apossar-me do eterno esquecimento, /Ao viver da minh`alma sofredora; /E em vez de imperturbáveis quietudes, /Encontrei os Remorsos e o Tormento, / Recrudescendo as minhas dores rudes”.

Suas pazes com Deus, ele a expressa através da notável mediunidade de seu conterrâneo, o médium Fernando de Lacerda, num belíssimo soneto duplo no qual o vate esboça a sua maneira de ser terrena – e aquilo que deveria ter feito. Intitula-se:  DEUS.

“Largos anos passei, aí no mundo, /A pensar, meditando na existência /De Deus – o Ser de paz e de clemência, /Fonte de todo Amor puro e fecundo. /Eu fiz, na Sua busca, estudo fundo /Através toda a humana consciência, /E dos ínvios caminhos da Ciência /Pela Terra, no Mar, no Céu profundo. /Bem desejava achá-lO, amá-lO, vê-lO, /E servi-lO, adorá-lO e conhecê-lO, /Em doce crença inalterável, viva... /Mas não O vi jamais, porque, mesquinho, /Enveredei aí por mau caminho: - O trilho da Ciência positiva.

Eu devia buscá-lO onde Ele mora /Na suma perfeição da Natureza, /E no esplêndido encanto e na beleza, /Do Céu, do Mar, da Luz, da Fauna, e Flora. /Eu podia encontrá-lO em cada hora /Nessa vida: - no Amor e na Pureza, /Na Paz e no Perdão, e na Tristeza, /E até na própria dor depuradora. /Mas eu andava cego e nada via; /E a vaidade escolheu para meu guia /A Ciência falaz, enganadora! /Se o guia fosse a Fé ou a Bondade, /Vê-lO-ia daí na Imensidade, /Como, em verdade, O vejo em tudo agora”.

Ao focar sua extraordinária e sentida verve poética na Ciência, antes entronizada, sob o título: “Ciência Ínfima”, escreveu: “Onde o grande caminho soberano /Da Ciência que abriu a nova era, /Investigando a entranha da monera, /A desvendar-se no capricho insano? /Ciência que se elevou à estratosfera /E devassou os fundos do Oceano, /Fomentando o princípio desumano /Da ambição onde a força prolifera... /Ciência de ostentação, arma de efeito, /Longe da Luz, da Paz, e do Direito, /Num caminho infeliz, sombrio e inverso; /Sob o alarme guerreiro, formidando, /Eis que a Terra te acusa soluçando, /Como a Grande Mendiga do Universo!”.

Justiça seja feita ao humilde capelão, Jerônimo Filomeno Velloso, que promoveu a cerimônia de sepultamento do poeta.  De coração puro, votado à piedade cristã, em acintoso quão desassombrado rompimento com as normas canônicas tão impiedosamente rigorosas com os precitos suicidas, emociona-se e lavra, com beleza e sensibilidade o obituário que, transcendendo o estilo consuetudinário, transforma-se em formoso panegírico e sentida oração, ao registar com unção os versos do próprio poeta:

“Dorme o teu sono, coração liberto, /Dorme no seio de Deus eternamente!”

 


[1] - Vide livro psicografado por Fernando de Lacerda: “Do País da Luz” – vol. 3º, cap. XVI – 15.ed. FEB.

[2] - Para saber mais vide: “Parnaso de Além Túmulo” – 1º livro psicografado por Chico Xavier, e “Do País da Luz” – Psicografado por Fernando de Lacerda - vol. 2º, cap. IX – 15.ed. FEB.

[3] - Nós nos enganamos:  Nada tens na espinha, mas sim uma doença de mulher transportada para o corpo de um homem: O histerismo.

[4] - Mt., 16:27.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita