Sentimento religioso: antídoto do
suicídio
Além do desapontamento os suicidas encontrarão no outro
mundo maiores e mais excruciantes dores.
“Eu andava cego e nada via; e a vaidade escolheu para
meu guia a Ciência falaz, enganadora”. Anthero
de Quental
Por faltar Deus, Confiança, Fé, Religião e simplesmente
por entronizar – única e exclusivamente – a Ciência em
sua vida, (e sabe-se lá mais o quê), Anthero de Quental
suicidou-se no dia 11 de setembro de 1891.
Sua situação de descrente só foi revertida depois que
ele aportou no Mundo dos Espíritos, quando, então,
passou a profligar a Ciência e louvar a Deus...
À Ciência chamou-a de: “A Grande Mendiga do
Universo”, uma vez que em sua extrema parvidade e
pobreza não logra iluminar a grandeza dos proscênios
espirituais...
Sofrendo pertinaz doença,
numa época em que ainda não existiam os abençoados
antibióticos e outros medicamentos, esgotados todos os
recursos da medicina em Portugal, onde os médicos
diagnosticaram uma doença na espinha, viajou duas vezes
a Paris, consultando vários médicos, inclusive o célebre
dr. Charcot que lhe oferece o seguinte prognóstico: “on
s`est trompé; vouz n`avez rien à l`épine. Vous avez une
maladie de femme, transporté dans un corps d`homme:
c`est l`hystérisme”. E receitou-lhe
hidroterapia...
O efeito psicológico do prognóstico de histerismo do dr.
Charcot fê-lo melhorar, acenando-lhe com tão fácil
tratamento, mas, em regressando a Portugal, em pouco
tempo ei-lo definhando outra vez até ao estágio
anterior: Voltaram as dores, as fobias, as astenias
musculares, o tédio com seu “plúmbeo capacete” e
todo o cortejo implacável da nevrose.
Não suportando a pressão psicológica de tantos agentes
nefastos, afastado de Deus e das orações, materialista
por excelência, forma-se o miserável coquetel da
sublevação contra o destino, o que determina, então,
sua “fuga” pela porta enganosa do autocídio. E
para cúmulo do paradoxo, tal nefando ato foi por ele
perpetrado no Campo de São Francisco, Ponta Delgada,
Ilha de S. Miguel (Açores), sentado num banco sobre o
qual se lia em letras garrafais: “ESPERANÇA”,
provavelmente simbolizando o derradeiro brado de alerta
da Espiritualidade, na vã tentativa de sustar a tragédia
iminente, já delineada em seu cérebro obnubilado pelo
desespero sem conto...
No dizer do escritor
Casais Monteiro, “enquanto
viver a língua portuguesa, os sonetos de Quental
permanecerão como a mais profunda expressão do drama de
consciência que procura, em si própria, um sentido do
Universo”.
Como encontrar, sem Deus, sem fé, sem religião, com base
apenas no frio materialismo da Ciência, o sentido do
Universo?!
Coerente com seu acendrado materialismo e, portanto, sem
nem mesmo o consolo de apoucados descortinos
espiritualistas, Quental, resolve, colocar um basta, de
uma vez por todas, em suas angústias existenciais, de um
modo trágico quão inútil: o suicídio!...
Ledo engano o dos
suicidas!... Encontrarão tão somente maiores e mais
excruciantes dores além de superlativo desapontamento!...
Se tivesse tomado contato
com o Espiritismo, que já existia no seu tempo, ele se
capacitaria a entender as “causas atuais e anteriores
das aflições” que eclodem para redimir o Espírito
calceta de sua trajetória de pretéritos equívocos, na
voz altissonante da Lei de Causa e Efeito, uma vez que é
da Diretriz Divina que sempre colheremos o que
semearmos.
Dos alevantados Cimos Espirituais, Anthero de Quental
entroniza Deus e profliga a Ciência, já que de tal
alcandorada perspectiva, um autoexame lhe varre a
consciência, e ele vê com peregrina clareza que o plano
de sua vida fora erigido por ele mesmo antes de
reencarnar. Assim, o suicídio cometido em decorrência
de sua ignorância da transcendência espiritual da vida,
nada mais foi que hedionda sabotagem à sua própria
economia espiritual tão sobrecarregada de débitos
cármicos.
Remoído pelo desapontamento como pela impiedade de
soezes remorsos, consciente dos corolários das inúmeras
defecções cometidas na última como nas pretéritas
experiências palingenésicas, o vate português se rende,
finalmente, em dorido desabafo, através das mãos
luminosas e abendiçoadas de Chico Xavier:
“Quisera crer, na Terra, que existisse /Esta vida que
agora estou vivendo, /E nunca encontraria abismo
horrendo, /De amargoso penar que se me abrisse. /Andei
cego, porém, e sem que visse /Meu próprio bem na dor que
ia sofrendo; /Desvairado, ao sepulcro fui descendo, /Sem
que a Paz almejada conseguisse. /Da morte a Paz busquei,
como se fora /Apossar-me do eterno esquecimento, /Ao
viver da minh`alma sofredora; /E em vez de
imperturbáveis quietudes, /Encontrei os Remorsos e o
Tormento, / Recrudescendo as minhas dores rudes”.
Suas pazes com Deus, ele a expressa através da notável
mediunidade de seu conterrâneo, o médium Fernando de
Lacerda, num belíssimo soneto duplo no qual o vate
esboça a sua maneira de ser terrena – e aquilo que
deveria ter feito. Intitula-se: DEUS.
“Largos anos passei, aí no mundo, /A pensar, meditando
na existência /De Deus – o Ser de paz e de clemência,
/Fonte de todo Amor puro e fecundo. /Eu fiz, na Sua
busca, estudo fundo /Através toda a humana consciência,
/E dos ínvios caminhos da Ciência /Pela Terra, no Mar,
no Céu profundo. /Bem desejava achá-lO, amá-lO, vê-lO,
/E servi-lO, adorá-lO e conhecê-lO, /Em doce crença
inalterável, viva... /Mas não O vi jamais, porque,
mesquinho, /Enveredei aí por mau caminho: - O trilho da
Ciência positiva.
Eu devia buscá-lO onde Ele mora /Na suma perfeição da
Natureza, /E no esplêndido encanto e na beleza, /Do Céu,
do Mar, da Luz, da Fauna, e Flora. /Eu podia encontrá-lO
em cada hora /Nessa vida: - no Amor e na Pureza, /Na Paz
e no Perdão, e na Tristeza, /E até na própria dor
depuradora. /Mas eu andava cego e nada via; /E a vaidade
escolheu para meu guia /A Ciência falaz, enganadora! /Se
o guia fosse a Fé ou a Bondade, /Vê-lO-ia daí na
Imensidade, /Como, em verdade, O vejo em tudo agora”.
Ao focar sua extraordinária e sentida verve poética na
Ciência, antes entronizada, sob o título: “Ciência
Ínfima”, escreveu:
“Onde
o grande caminho soberano /Da Ciência que abriu a nova
era, /Investigando a entranha da monera, /A desvendar-se
no capricho insano? /Ciência que se elevou à
estratosfera /E devassou os fundos do Oceano,
/Fomentando o princípio desumano /Da ambição onde a
força prolifera... /Ciência de ostentação, arma de
efeito, /Longe da Luz, da Paz, e do Direito, /Num
caminho infeliz, sombrio e inverso; /Sob o alarme
guerreiro, formidando, /Eis que a Terra te acusa
soluçando, /Como a Grande Mendiga do Universo!”.
Justiça seja feita ao humilde capelão, Jerônimo Filomeno
Velloso, que promoveu a cerimônia de sepultamento do
poeta. De coração puro, votado à piedade cristã, em
acintoso quão desassombrado rompimento com as normas
canônicas tão impiedosamente rigorosas com os precitos
suicidas, emociona-se e lavra, com beleza e
sensibilidade o obituário que, transcendendo o estilo
consuetudinário, transforma-se em formoso panegírico e
sentida oração, ao registar com unção os versos do
próprio poeta:
“Dorme o teu sono, coração liberto, /Dorme no seio de
Deus eternamente!”