Zacarias, Isabel e João Batista:
algumas considerações iniciais
O nascimento de Jesus Cristo tem muitas
histórias fascinantes que instruem e que, muitas
vezes, se complementam. Algumas conhecidas por
meio dos livros sagrados da Bíblia. Outras, por
meio de relatos feitos por autores espirituais.
Por exemplo, o livro “Boa Nova” de Humberto de
Campos e “Primícias do Reino” e “Vivendo com
Jesus”, de Amélia Rodrigues. Há também os
escritos apócrifos, os quais não são
reconhecidos oficialmente pela igreja católica,
tais como o evangelho de Enoque, de Judas, de
Thomé, entre outros.
Dos quatro evangelhos oficiais, Marcos e João
são lacônicos nas informações sobre o nascimento
de Cristo. Em ambos, o aparecimento de Jesus
Cristo acontece quando ele está prestes a
receber o batismo através das mãos de João
Batista.
João era filho de Isabel, prima de Maria, e de
Zacarias, “um sacerdote respeitado e cumpridor
dos deveres religiosos, fiel seguidor da
tradição” (Rodrigues, 2013, cap.2). Para alguns
estudiosos, Maria e Isabel são primas de sangue,
enquanto que para outros, parentes ou pessoas
com fortes afinidades (Silva, 2019). O certo é
que o entrelaçamento da vida de João Batista e
Jesus é robusta e aparece nos quatro livros do
evangelho. Em todos eles, no primeiro capítulo,
é a vida de João Batista que ganha destaque, em
especial como o preparador de caminhos para o
Messias.
Neste pequeno artigo iremos explorar alguns
aspectos que parecem ser críveis e que podem nos
ajudar na expansão da compreensão dos anos
iniciais de Jesus. Todas elas são hipóteses de
trabalho, mas sem a possibilidade de
comprovação. Assim, sobrarão mais perguntas do
que respostas nesta exploração. A imaginação, a
criatividade e a lógica podem ser excelentes
ferramentas para auxiliar no estudo da Bíblia,
bem como de rastrear as pegadas do mestre
Nazareno, em especial com a ajuda do pensamento
abdutivo. Ou seja, tal como um legítimo
detetive, busca-se unir pistas e informações que
estão esparsas, mas que juntas, podem auxiliar
na expansão da compreensão. Não se espera fazer
um trabalho definitivo, mas de lançar certas
luzes na amizade entre as duas famílias.
João Batista foi concebido e nasceu primeiro que
Jesus. Para Lucas, em torno de seis meses antes:
“E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por
Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré,
uma virgem desposada com um homem, cujo nome era
José, da casa de Davi; e o nome da virgem era
Maria, entrando o anjo aonde ela estava, disse:
Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és
tu entre as mulheres. E, vendo-o ela, turbou-se
muito com aquelas palavras, e considerava que
saudação seria esta. Disse-lhe, então, o anjo:
Maria, não temas, porque achaste graça diante de
Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás
à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus”.
(Lucas 1:26-31)
Neste primeiro trecho em destaque, é possível
perceber que Maria recebe a notícia da gravidez
na cidade de Nazaré. Jesus pode ter sido
concebido e criado nesta cidade, apesar de não
ter nascido nela. A anunciação da gravidez é
feita pelo anjo Gabriel e que é o mesmo que
tinha anunciado para Zacarias a gravidez de sua
esposa. Isabel era alguém próxima de Maria e
também, de maior idade que ela. Além disso,
assim como Maria, não havia tido filhos antes.
“E não tinham filhos, porque Isabel era
estéril, e ambos eram avançados em idade”.
(Lucas 1:7)
Se Maria era virgem (Lucas 1:27), por sua vez,
Isabel era estéril (Lucas 1:7). Por outro lado,
se José era da casa de Davi (Mateus 1:1-17),
Zacarias era de Abias (Lucas 1:5), um dos
sacerdotes de Davi (1 Crônicas 24:10). Assim,
desde longa data havia esta afinidade, o que
parece ser reforçada pelo convívio cotidiano.
Por exemplo, logo que Maria recebe a notícia de
sua gravidez, ela vai para a casa de Isabel
contar a novidade. João Batista, mesmo estando
na barriga de sua mãe, ao escutar a voz de
Maria, alegra-se: “Quando Isabel ouviu a
saudação de Maria, o bebê agitou-se em seu
ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo”
(Lucas 1:41). Outra passagem importante: “E
Maria ficou com ela quase três meses, e depois
voltou para sua casa. E completou-se para
Isabel o tempo de dar à luz, e teve um filho”
(Lucas 1:56,57). Se ambas estavam grávidas,
Isabel com certa idade e seis meses de gravidez
antes que Maria, então, pela passagem,
percebe-se que Maria vem a auxilia-la, seja para
ajudar nos afazeres domésticos, seja pela
companhia e apoio emocional. Não seria de
estranhar então que o casal venha a conhecer o
filho recém-nascido de Isabel e que José e Maria
tenham pego o bebê no colo. Quem sabe até mesmo
o bebê, João Batista, e Jesus Cristo, no ventre
da mãe, trocaram afagos e vibrações para melhor
se prepararem para as devidas missões, as quais
não deveriam ser sem riscos. Segundo Humberto de
Campos (2013), houve “acontecimentos singulares
e cercada de estranhas circunstâncias” no
nascimento das crianças.
Por exemplo, pela sequência dos eventos
apresentados na Bíblia, a viagem de José e Maria
para Belém devido ao alistamento aconteceu
depois do nascimento de João Batista e da
profecia de Zacarias (Lucas 1:67-79).
Todavia, sobre o lugar de nascimento de Jesus
Cristo, há algumas divergências na literatura
especializada. Para os textos bíblicos (Mateus
2:1), o nascimento de Cristo ocorreu em Belém da
Judeia. Para outros, na Belém da Galileia
(Chagas, 2011). A primeira dista 150 km de
Nazaré, enquanto que a segunda, somente 7 km.
Estando Maria grávida de 3 meses ou mais, uma
longa viagem parece ser pouco provável. Talvez
houvesse algum imprevisto que tenha forçado este
parto na manjedoura. Por outro lado, se ocorreu
esta viagem planejada para a distante Belém da
Judeia, então aconteceu uma certa separação das
famílias por um tempo. Todavia, não seria de
estranhar que, quando as famílias voltassem a se
reunir, as crianças tenham brincando juntas em
determinado momento da vida. Quais pais não
seriam brindados com tamanha satisfação e a
região de Nazaré parece ser o local de moradia
das famílias, a qual tinha menos de 300 pessoas
na época (Slabbert, 2021). Um lugar pequeno,
protegido, mas certamente grande nos propósitos
e nos desafios.
Segundo relatos do evangelista Lucas, depois que
Maria deu à luz, e passando o período de
resguardo, o casal fez uma viagem até Jerusalém
(Lucas 2:22). Aqui fica novamente a questão. A
distância de Belém da Judeia ou da Galileia. A
Belém da Judeia fica próxima de Jerusalém, cerca
de 10 km, enquanto que Belém da Galileia 140 km.
Ou seja, em algum momento o casal fez uma viagem
mais longa. Pode ter sido quando Maria estava
grávida, ou quando ela já estivesse com o bebê
no colo.
Em Lucas parece haver a resposta. “E, quando
acabaram de cumprir tudo segundo a lei do
Senhor, voltaram à Galileia, para a sua cidade
de Nazaré” (Lucas 2:39). Assim, tiveram que
fazer uma longa viagem e, por isso, não seria de
estranhar que ambas as crianças, João e Jesus,
ficassem felizes ao se reencontrarem. Além
disso, com o passar dos tempos: “E o menino
crescia, e se fortalecia em espírito, cheio de
sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele”
(Lucas 2:40). O mesmo parece ter acontecido com
João Batista.
Neste ponto, é essencial relembrar tanto da
conduta irreparável de Zacarias, quanto da sua
condição de sacerdote. Uma pessoa com condições
mediúnicas favoráveis, assim como o conhecimento
e certamente, uma biblioteca disponível para as
crianças. Uma pessoa de idade, com filho único
parece ser uma visão prestimosa para a
complementação da formação que Jesus teria tido
em casa.
Apesar da descendência da casa de Davi, bem como
do seu caráter justo (Mateus 1:19), os livros
sagrados pouco apresentam sobre José. Um dos
poucos trechos é a preocupação dos pais com o
sumiço do menino Jesus durante três dias em
Jerusalém (Lucas 2:43-48). Além disso, José
seria carpinteiro e que o menino Jesus
provavelmente o ajudava (Mateus 13:55). Se com o
pai poderia aprender o lado pragmático da vida,
com o compadre Zacarias, o lado
teórico-abstrato, religioso, filosófico. Não
seria estranho se o fato relatado em Jerusalém
não tivesse sido a primeira experiência de Jesus
com o templo religioso, em especial com a
companhia e a facilidade de acesso promovida
pelo primo-tio.
Ademais, conforme Humberto de Campos (2013),
depois da famosa apresentação de Jesus em
Jerusalém aos doutores do templo, Isabel faz uma
visita para Maria em companhia de seu filho.
Nesta ocasião, ambas as mulheres trocaram
conversa, em especial, sobre as posturas de seus
filhos, as quais “trazem para a Humanidade a luz
divina de um caminho novo” (Campos, p.20). Eles
representam a encarnação da verdade e do amor,
apesar de que as mães tinham a impressão das
dificuldades e das dores que os aguardavam.
Nesta mesma ocasião, vindo o pôr do sol, “Maria
e Isabel avistaram seus filhos, lado a lado,
sobre uma eminência banhada pelos derradeiros
raios vespertinos [..] Quem poderia saber qual a
conversação solitária que se travara entre
ambos?” (Campos, p. 21). Provavelmente as
visitas tenham dormido na casa de José e Maria,
pois somente na manhã seguinte partiram de
viagem de volta.
Todavia, sabe-se que o convívio foi
enfraquecido, pelo menos temporariamente, com a
fuga da família de José e Maria para o Egito.
Não se sabe quantos anos tenha durado. Mas,
estima-se que boa parte da infância e juventude
de Jesus tenha ficado por lá. Tal viagem foi
empreendida pela família devido aos perigos
iminentes e as advertências feitas pelo Anjo do
Senhor à José: “Levanta-te, e toma o menino e
sua mãe, e foge para o Egito, e demora-te lá até
que eu te diga; porque Herodes há de procurar o
menino para o matar” (Mateus 2:13).
A viagem de volta da família de Jesus parece se
alinhar com o início das atividades de João
Batista. O que corresponderia então por volta
dos trinta anos (Lucas 3:23). Não se sabe se
José e Maria teriam encontrado o casal amigo
ainda em vida encarnada. Ou ainda, se eles
também não fizeram a famosa viagem para o Egito
ou algum outro lugar. Será que Herodes buscava
somente Jesus e não a João Batista que era
somente seis meses mais velho? Não se tem
notícias nenhuma. Estima-se, no senso popular,
que somente o primeiro casal tenha fugido, já
que Herodes procurava crianças da idade de Jesus
para menos (Mateus 2:16). O que se tem notícias
é que João Batista já estava em Jerusalém quando
do retorno do Messias. Assim, apesar do preparo
inicial de Jesus possa ter ocorrido com o
auxílio de Zacarias, parece que a parte final
não. Ele teria feito esta preparação no Egito,
bem como no deserto após o batismo (Mateus 4:1).
A Bíblia não revela se os pais de João Batista
estavam vivos após o fatídico pedido da filha de
Herodias (Mateus 14:8), mas certamente, há de se
pensar no apoio que receberiam da família de
Maria para consolar a tragédia. O mesmo pode
ser dito no caso de Maria.
Outra passagem entre os afins, agora com João
Batista já de volta na Pátria Espiritual, é com
a transfiguração de Cristo. “E transfigurou-se
diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o
sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a
luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias,
falando com ele. (Mateus 17:2,3). No caso em
questão, Elias e João Batista representam o
mesmo espírito em diferentes encarnações (Mateus
17:10-13; Marcos 9:11-13).
Se João Batista foi o maior dos homens nascido
de mulher (Lucas 7:28) e Cristo, o modelo
perfeito de ser humano, temos somente a
agradecer e imaginar tanto os desafios, quanto a
questão do preparo feito tanto por eles, quanto
pela espiritualidade amiga para dar apoio e
retaguarda em tais nobres missões. Imaginar que
os casais tenham se ajudado, não seria de se
estranhar. Compadre e comadre de missão e
coração, Zacarias e Isabel certamente foram
também, espíritos de escol, assim como José e
Maria, que auxiliaram a humanidade e que merecem
a nossa maior gratidão, reconhecimento e amor. .
Referências:
Campos, H. (2013). Boa Nova.
FEB: Brasília.
Chagas, T. (2011). Arqueólogo
afirma que Jesus nasceu em uma Belém diferente
da que a Bíblia conta. Confira: LINK-1
Rodrigues, A. (2002). Primícias
do reino. Salvador: Editora LEAL.
Rodrigues, A. (2013). Vivendo
com Jesus. Salvador: Editoral LEAL.
Silva, I. (2019). Era Isabel
prima de Maria? E João Batista primo de Jesus?
Confira: LINK-2
Slabbert, C. (2021). Nazareth:
The Significance in Jesus’ Time. Confira: LINK-3