Artigos

por Rogério Coelho

 

O tríplice aspecto da alforria 


Arrependimento, expiação e reparação constituem as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e de suas consequências.


“(...) Quando o homem obedece aos Códigos Soberanos e às leis humanas, logra paz, sendo-lhe factível o triunfo espiritual e a felicidade terrena.” 
Joanna de Ângelis[1]


Para a completa erradicação de todo prejuízo causado à nossa economia espiritual por nossa própria incúria, ignorância e invigilância, faz-se necessário um longo processo, normalmente doloroso, do qual podemos distinguir três fases bem distintas:

1 – Arrependimento;

2 – Expiação;

3 – Reparação.

As duas primeiras fases do processo de alforria espiritual, isto é, o arrependimento e a expiação, só dizem respeito ao infrator, ao Espírito calceta, aquele que cometeu a transgressão às leis tanto divinas quanto humanas.  Por isso não bastam, pois não são suficientes...

Mas aí chegamos, finalmente, na terceira e última fase do processo redentor: a reparação.  A reparação já não diz mais respeito ao infrator senão àqueles que foram vitimados por seus equívocos passados. Portanto, a reparação será a pá de cal no processo de resgate.   É ela que nos dá a quitação dos débitos, conservando e refazendo o que destruímos.

Em várias perguntas[2] formuladas por Allan Kardec, os Espíritos elucidam para todos nós os aspectos do arrependimento e expiação como componentes básicos da alforria definitiva. Vejamos: “o arrependimento pode ocorrer tanto no estado espiritual quanto no estado corporal, e tal só se dará no momento em que compreendermos a diferença entre o bem e o mal.

Quando o arrependimento se dá no estado espiritual, o arrependido deseja uma nova encarnação para se purificar, porque compreende que as imperfeições o privam de ser feliz.   Quando o arrependimento se dá no estado corporal, o arrependido inicia, sem perda de tempo a reparação de suas faltas, vez que a consciência o exproba e lhe mostra a imperfeição que lhe cumpre alijar, visualizando, assim, a possibilidade de melhorar- se sem adiamentos.

Da mesma forma, a expiação se cumpre tanto no estado corporal quanto no espiritual:  no estado corporal, traduz-se nas provas a que o Espírito se acha submetido, e na vida espiritual pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do Espírito”.

Portanto, concluímos – com Kardec – que, já desde esta vida podemos ir resgatando as nossas faltas, reparando-as.

Ensinam os Espíritos Superiores: “(...) não creiais que as resgateis mediante algumas privações pueris, ou distribuindo em esmola o que possuirdes, depois que morrerdes, quando de nada mais precisais. Deus não dá valor ao arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no peitoA perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um serviço, apaga mais faltas do que o suplício da carne suportado durante anos, com objetivo exclusivamente pessoal.

Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem em seu orgulho, nem nos seus interesses materiais. De que serve ao Espírito humilhar-se diante de Deus, se perante os homens conserva o seu orgulho?!

Ao encarnado que reconhece suas faltas, mas não tem tempo de repará-las, já que a desencarnação está próxima, abre-se, à sua frente o futuro que jamais se tranca”.

O arrependimento apressa a reabilitação, mas não absolve. Vejamos isso na prática com a história de Joseph Maître[3]. De existência moldada em conduta exemplar, sua vida era um enigma de indagações sem respostas que só a Doutrina Espírita pode explicar: aos vinte anos perdeu a visão, aos quarenta a audição, tudo aceitando resignado, sem queixumes e desencarnou aos cinquenta anos.  Evocado após o decesso, contou o seguinte: “era a segunda vez que expiava a privação da vista.  Na minha precedente existência fiquei cego aos trinta anos, em decorrência de excessos de todo gênero que, arruinando-me a saúde, me enfraqueceram o organismo.   Anatematizei Deus, reneguei-O, acusei-O, acrescentando que, se acaso existisse, devia ser injusto e mau por deixar penar assim as Suas criaturas. Suicidei-me!...

Que despertar, então, no Mundo Espiritual!! Finalmente, fatigado, extenuado, pude analisar-me a mim mesmo, e compreendi o ascendente de um poder superior, que sobre mim atuava, e considerei que se essa Potência podia oprimir-me, também poderia aliviar-me. E implorei piedade. À proporção que orava e o fervor se me aumentava, alguém me dizia que a minha situação teria um termo.   Por fim se fez a luz e extremo foi o meu arroubo de alegria ao entrever as claridades celestes, distinguindo os Espíritos que me rodeavam, sorrindo, benévolos, bem como os que, radiosos, flutuavam no Espaço. Ao querer seguir-lhes os passos, força invisível me reteve. Foi então que um deles me disse: ‘o Deus que negaste teve comiseração do teu arrependimento e permitiu-nos te déssemos a luz, mas tu só cedeste pelo sofrimento, pelo cansaço.  Se quiseres participar desta felicidade aqui fruída, forçoso é provares a sinceridade do teu arrependimento e das tuas boas disposições, recomeçando a prova terrestre em condições que te predisponham às mesmas faltas, porque esta nova provação deverá ser mais rude que a outra’.

- Aceitei, pressuroso, prometendo não mais falir. Assim voltei à Terra na condição que sabeis. Não me foi difícil compreender a situação, porque eu não era mau por índole; revoltara-me contra Deus, e Deus me puniu. Reencarnei trazendo a fé inata, razão por que não murmurei, antes aceitei a dupla enfermidade, resignado, como expiação que era, oriunda da soberana justiça.

Tendo-me arrependido e expiado, ainda me faltava reparar.   A última encarnação só a mim aproveitou, pelo que espero recomeçar novamente por uma existência que me permita ser útil ao próximo, reparando por esse meio a inutilidade anterior”.

O código penal da vida futura[4], estipula o seguinte: “o arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação.

Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições básicas e necessárias para apagar os traços de uma falta e de suas consequências. O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa, do contrário o perdão seria uma graça, não uma anulação.

A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal.

Joanna de Ângelis recomenda[5]: “(...) paga em renovação interior, o gravame cometido.   Levanta-te e segue além. Reencontrarás, adiante, essa sementeira ingrata, que poderias ter evitado.  Recolhe os espinhos, resgata com alegria e te sentirás bem. Não somes, à queda, novas trombadas. Ergue-te e caminha.

Cada manhã é bênção da vida, após a noite assustadora, trazendo a beleza da claridade que dilui os fantasmas do medo e da insegurança.

Jesus é sempre o Amigo seguro dos equivocados e caídos que O buscam, pois que somente n`Ele encontram o apoio e a paz para a vitória que parece tardar.

Não desistas de buscar o triunfo, seja qual for a circunstância em que te encontres. Há leis que jazem desconhecidas e são responsáveis pelas ocorrências da vida. Dormem no inconsciente humano, aguardando ativação...

Programa um roteiro mental e passa a vivê-lo afirmando-o, mentalmente, até que se modele no mundo das formas. A mente plasma tudo. Bem conduzida, de maneira inteligente, alcança o triunfo. Este esforço resultará da oração e da certeza de que, sendo filho de Deus, não estás desamparado.  Pouco te importem todos os insucessos anteriores.  Renasce deles, afirma o bem e segue adiante!”


 


[1] - FRANCO, Divaldo. Momentos de alegria. Salvador: LEAL, cap. 6.

[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, questões 990 a 1002.

[3] - KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 51.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª parte.

[4] - KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 51.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 1ª parte – cap. VII, 16º e 17º.

[5] - FRANCO, Divaldo. Responsabilidade. Salvador: LEAL, 1987, cap. 14.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita