Domingo de maio
Para Adelmo Café
No domingo o sol era o senhor da manhã de céu azul,
límpido e belo, onde uma nuvem solitária velozmente
singrava os ares, perdida naquela imensidão de anil. No
ar havia uma como conspiração de beleza.
No clube, o rebuliço e o burburinho de crianças a
brincar, pular e gritar, sob o olhar preguiçoso dos
pais, burocratas em recesso. A vida se manifestava em
todos os extremos.
Em meio aos brinquedos e a sua volta, inúmeras árvores,
viçosas e verdes, abrigavam borboletas de várias
colorações e abelhas diligentes. O vento bulia com as
ramagens, levando-as ora para um lado, ora para outro; e
os galhos, suavemente, vergavam-se ao receber suas
leves, suaves carícias.
Espalhados pelas sombras, aqui e ali, bancos de cimento,
para o cansaço dos adultos.
Em um deles, uma senhora de seus oitenta anos, de cabeça
aureolada por brancos cabelos, cuidava, agilmente, de um
tricô, a cruzar duas agulhas, que se bicavam numa
disputa sem fim.
Meus filhos se encantaram com a avozinha laboriosa, de
faces cuidadas e coradas. Emanava de seu vulto uma
beleza serena de quem se cuida e se enfeita
discretamente, pois sabe-se bela.
Também eu me pus a admirá-la: seu porte ereto e digno de
quem não se entrega aos queixumes do tempo e de mazelas,
conservando a lucidez e ganhando sabedoria com a longa
existência.
Imagino como foram de trabalhos seus dias, pois que até
hoje se aplica e é útil. Atravessou o século e muito
viveu, muito viu. Quanta coisa a contar! Quantas
histórias!
Ao ver tanta ternura, aproximei-me de um colega que por
ali brincava com os filhos e indaguei:
– Quem é essa matrona linda que ali está? Você a
conhece?
E ele, surpreso, respondeu-me, emocionado, com voz
embargada e os olhos brilhantes:
– Conheço sim. É minha mãe!
Em mais de trinta anos vividos não me lembro de
galanteio mais puro e espontâneo, mas que me haja
deixado tão constrangido e embaraçado!
Fatos assim nos ocorrem e nunca mais se apagam de nossa
lembrança! (*)
(*) Publicado em jan./1983, no opúsculo
“Rua do Sapo e outras crônicas”, com o pseudônimo João
Ternura.
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