Louise Labé 300 anos depois
Em
1858, depois de já haver lançado a primeira edição de O
livro dos espíritos, Allan Kardec começou a publicar
a Revista Espírita. Em edições mensais, trazia, além de
artigos e correspondências, uma seção de conversas com
os espíritos, de todos os graus de evolução, que eram
realizadas em sessões de evocação na Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, cujo conteúdo era
estudado, analisado e selecionado para compor as obras
que viria a publicar futuramente.
Em
dezembro 1858, “A Bela Cordoeira” foi uma das inúmeras e
interessantes histórias publicadas por Kardec na coleção
de 12 volumes da Revista (1858-1869), enquanto esteve
encarnado.
|
A história é de Louise Charly, a consagrada
Louise Labé ou simplesmente A Bela Cordoeira,
apelido que ganhou depois de haver se casado com |
Ennemond Perrin, um rico fabricante de cordas da
França. |
Louise nasceu em 1524, em Lyon, e desencarnou em 1566,
em Paris. Foi escritora, poetisa, tendo-se destacado
como um dos mais valentes combatentes, ao lado de seu
pai, no cerco a Paris, em 1542. “Com educação esmerada,
sabia grego e latim, falava espanhol e italiano
perfeitamente e fazia nessas línguas poesias que não
desabonavam os escritores nacionais”, escreve.
Tinha por hábito organizar em sua casa reuniões
literárias com brilhantes convidados da província e
deixou uma coleção de dezenas de poesias e também a peça
de teatro Débat de Folie et d'Amour (1555),
(“Debate sobre loucura e amor”).
A
evocação
Evocada por Kardec trezentos anos depois, na Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, Louise confirma a mais
importante característica a ser observada, no que se
refere à comunicação com os espíritos desencarnados: a
excelência da liberdade de escolha, determinando não
estarem eles à nossa disposição. Também revela a
perspicácia dos espíritos elevados em se afastarem de
tudo que não for útil, verdadeiro e caridoso.
Kardec realiza quatorze perguntas a Louise e conta com a
ajuda de um médium vidente da Sociedade, sr. Adrien, que
a descreve, conforme litografia, criada entre 1820 e
1830. (1)
Ela
diz se lembrar da época em que era conhecida pelo
apelido de A Bela Cordoeira e que o fato de haver
abraçado a carreira das armas agradava-lhe ao espírito,
“ávido de grandes coisas”. Seus gostos militares não
persistiram e deram lugar aos gostos femininos. “Eu vi
coisas que não desejo que vejais”, responde,
provavelmente ainda com recordações de guerra que
impressionaram sua sensibilidade.
Outro ponto interessante do diálogo se dá quando Kardec
pergunta se ela poderia dar sua opinião a respeito de
Francisco I e de Carlos V, seus contemporâneos à época.
“Não quero julgar. Eles tiveram defeitos, que conheceis;
suas virtudes são pouco numerosas: alguns traços de
generosidade e eis tudo. Deixai tudo isto de lado,
porque seus corações poderiam sangrar ainda: eles sofrem
bastante!”, esclarece.
Kardec comenta que lhe parecia que ela havia sido feliz
na Terra, desejando saber se ainda o era o bastante.
“Por mais feliz que se seja na Terra, a felicidade do
Céu é coisa muito diferente! Que tesouros e que riquezas
conhecereis um dia, e das quais não suspeitais!”.
Kardec quer saber: “Que entendeis por Céu?”
“Outros mundos, explica ela, dizendo ser habitante de um
que os participantes da reunião desconheciam.”
“É
Júpiter?”, perguntam-lhe. Ela confirma que Júpiter é um
mundo feliz, mas provoca outra reflexão: “Pensais que
entre todos apenas ele seja favorecido por Deus? Eles
são tão numerosos quanto os grãos de areia da praia”.
A
discrição de São Luís
Outro ponto interessante é que ela silencia ao ser
indagada sobre a qual classe estaria entre os espíritos.
Kardec então dirige a pergunta a São Luís, mentor
espiritual da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,
que responde:
—
Ela está aqui. Não posso dizer aquilo que ela não quer
dizer. Não vedes que ela é dos mais elevados entre os
espíritos que ordinariamente evocais? Aliás, os
espíritos não podem definir exatamente as distâncias que
os separam. São incompreensíveis para vós, mas são
imensas!
Pesquisador, Kardec ainda pergunta a Louise Charly sob
que forma ela se achava entre eles, uma vez que já se
encontrava em um mundo mais elevado que a Terra. “Adrien
acaba de me descrever. Me evocastes como poetisa. Eu vim
como poetisa”, assinala.
E,
mostrando que os espíritos têm vontade própria, ao ser
consultada sobre a possibilidade de ditar algumas
poesias ou um trecho literário, é simples e clara:
“Procurai os meus escritos antigos. Não gostamos dessas
provas, principalmente em público. Contudo, fá-lo-ei de
outra vez”.
Kardec escreve que, no dia seguinte, pelo mesmo médium,
a Bela Cordoeira escreveu:
“Vou ditar o que te prometi. Não são versos, que não os
quero fazer. Aliás, não me lembro dos que fiz, e deles
não gostaríeis. Isto será prosa das mais modestas. Na
Terra exaltei o amor, a doçura e os bons sentimentos;
falava um pouco daquilo que não conhecia. Aqui não é do
amor que trato, é de uma caridade larga, austera e
esclarecida; uma caridade forte e constante, que tem
apenas um exemplo na Terra.”
A mensagem de
Louise Charly
“Oh, homens! Pensai que depende de vós ser felizes e
fazer de vosso mundo um dos mais avançados do céu:
basta-vos fazer calar os ódios e as inimizades, esquecer
rancores e cóleras, perder o orgulho e a vaidade. Deixai
tudo isto como um fardo que cedo ou tarde é preciso
abandonar.
Esse fardo vos é um tesouro na Terra, bem o sei, por
isso tereis mérito em abandoná-lo e perdê-lo, mas no Céu
ele se torna um obstáculo à vossa felicidade. Crede-me,
pois: acelerai o vosso progresso. A felicidade que vem
de Deus é a verdadeira felicidade. Onde encontrareis
prazeres que valham a alegria que ela dá aos seus
eleitos, aos seus anjos?
Deus ama aos homens que buscam progredir em seu caminho:
contai, pois, com o seu apoio. Não tendes confiança
nele? Julgais que seja perjuro, que não vos deveis
entregar a ele inteiramente e sem restrições?
Infelizmente não quereis entender ou poucos entre vós
entendem; preferis o dia de hoje ao de amanhã; vossa
visão estreita limita os vossos sentimentos, o vosso
coração e a vossa alma e sofreis para avançar, em vez de
avançardes naturalmente e facilmente pelo caminho do
bem, por vossa própria vontade, pois o sofrimento é o
meio que Deus emprega para vos moralizar.
Não
eviteis esta via segura, mas terrível para o viandante.
Terminarei por exortar-vos a não mais olhar a morte como
um flagelo, mas como a porta da verdadeira vida e da
verdadeira felicidade.” - Louise
Charly (Revista Espírita, dezembro de 1858.)
(1) Segundo a
coleção de retratos gravados de Louis-Philippe no
Palácio de Versalhes, publicada na Revue des Musées de
France, “Revue du Louvre”, em 2009.
Nota da Redação:
Esta matéria foi publicada originalmente em 4 de outubro
de 2023 no Correio Fraterno, de São Bernardo do
Campo, SP.