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por Jorge Gomes

Sócrates e Platão: precursores do Espiritismo

(1.ª parte)


A percepção do tempo que caracteriza uma vida terrena está muito longe de ser certeira. Achamos que dez anos é muito, que 50 é uma enormidade e que em cem anos nem vale a pena pensar.

A verdade é que, na vertente da evolução espiritual, o mínimo de que faz sentido falar é de séculos e milhares de anos, sendo certo que, se quisermos aprofundar, aí a linha do tempo em perspetiva estende-se a milhões de anos, à boa maneira da história geológica da Terra.

Pensar na história deste modo leva a considerar que Jesus de Nazaré passou por cá há pouco tempo. Talvez por isso, somado à nossa evidente imaturidade espiritual, ainda estejamos verdadeiramente longe de compreender melhor as ideias que exemplificou. Ainda assim, estamos todos a caminho disso, devagarinho, à escala de tempo mais utilizada pelo homem da rua.

Tendo Sócrates vivido na antiga Grécia, cerca de 400 anos antes de Cristo, no mesmo fio de ideias compreende-se que na verdade não foi há tanto tempo como acreditamos. Será essa uma das razões pelas quais quem os estuda na academia, em filosofia, eivados da ideologia materialista em moda, ainda não quis perceber que ele era médium e o mundo das ideias de que falava era de facto o que se refere em doutrina espírita como Plano Espiritual.

Sócrates teve um discípulo especial, Platão: o mestre não escreveu, mas este discípulo deixou escritos fragmentos significativos do pensamento socrático. O referido sábio usava perguntas orientadas para esclarecer problemas: no final, o interlocutor chegava a conclusões lógicas.

É do conhecimento de todos que cheguem a ler Platão que Sócrates via por vezes o seu guia espiritual (“daimon” ou Espírito), com quem debatia pensamentos, e nem sempre ambos fraternalmente concordavam.

Segundo os escritos platónicos, Sócrates anteviu as ideias cristãs e, no que ficou escrito, também antecipou conceitos espiritistas. Os pontos estruturais são comuns: existência de Deus (não antropomórfico, mas como inteligência suprema, causa primeira de tudo), a imortalidade da alma, a comunicação dos Espíritos, as vidas sucessivas, a lei de causa e efeito, a pluralidade dos mundos habitados, a prática do eterno bem (caridade, tal como a entendia Jesus de Nazaré).


Precursores

Allan Kardec, na introdução do livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, deixou escrito: “As grandes ideias não irrompem de súbito. As que assentam sobre a verdade têm precursores que lhes preparam os caminhos. Chegado o tempo, vem alguém com a missão de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos”.

Foi o caso. Sócrates antecipou ideias cristãs e, no que ficou escrito, também se evidenciam ideias espíritas como seria de esperar. No referido livro de Kardec há muitas citações do pensamento socrático que espelham essa identidade de conceitos. Eis algumas, embora num caso ou noutro seja necessário lembrar a escala espírita que Kardec publicou em “O Livro dos Espíritos”:

- “O homem é uma alma encarnada. Antes da sua encarnação, existia unida aos tipos primordiais, às ideias do verdadeiro, do bem e do belo; separa-se deles, encarnando, e, recordando o seu passado, é mais ou menos atormentada pelo desejo de voltar a ele”.

- “A alma impura, nesse estado, encontra-se oprimida e vê-se de novo arrastada para o mundo visível, pelo horror do que é invisível e imaterial. Erra, então, diz-se, em torno dos monumentos e dos túmulos, junto aos quais já se têm visto tenebrosos fantasmas, quais devem ser as imagens das almas que deixaram o corpo sem estarem ainda inteiramente puras, que ainda conservam alguma coisa da forma material, o que faz com que a vista humana possa percebê-las. Não são as almas dos bons; sim, porém, as dos maus, que se veem forçadas a vagar por esses lugares, onde arrastam consigo a pena da primeira vida que tiveram e onde continuam a vagar até que os apetites inerentes à forma material de que se revestiram as reconduzam a um corpo. Então, sem dúvida, retomam os mesmos costumes que durante a primeira vida constituíam objeto de suas predileções.”

- “Se a alma é imaterial, tem de passar, após esta vida, a um mundo igualmente invisível e imaterial, do mesmo modo que o corpo, decompondo-se, volta à matéria. Muito importa, no entanto, distinguir bem a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimente, como Deus, de ciência e pensamentos, da alma mais ou menos maculada de impurezas materiais, que a impedem de elevar-se para o divino e a retêm nos lugares da sua estada na Terra”.

- “O corpo conserva bem impressos os vestígios dos cuidados de que foi objeto e dos acidentes que sofreu. Dá-se o mesmo com a alma. Quando despida do corpo, ela guarda, evidentes, os traços do seu caráter, de suas afeições e as marcas que lhe deixaram todos os atos de sua vida. Assim, a maior desgraça que pode acontecer ao homem é ir para o outro mundo com a alma carregada de crimes. (…) De tantas opiniões diversas, a única que permanece inabalável é a de que mais vale receber do que cometer uma injustiça e que, acima de tudo, devemos cuidar, não de parecer, mas de ser homem de bem”.

- “Nunca se deve retribuir uma injustiça com outra, nem fazer mal a ninguém, seja qual for o dano que nos hajam causado. Poucos, no entanto, serão os que admitem esse princípio, e os que se desentenderem a tal respeito nada mais farão, sem dúvida, do que votarem uns aos outros mútuo desprezo”.

- “É pelos frutos que se conhece a árvore. Toda a ação deve ser qualificada pelo que produz: qualificá-la de má, quando dela provenha mal; de boa, quando dê origem ao bem.”

- “Chamo homem vicioso a esse amante vulgar, que mais ama o corpo do que a alma. O amor está em toda a parte na Natureza, que nos convida ao exercício da nossa inteligência; até no movimento dos astros o encontramos. É o amor que orna a Natureza dos seus ricos tapetes; ele enfeita-se e fixa morada onde se lhe deparem flores e perfumes. É ainda o amor que dá paz aos homens, calma ao mar, silêncio aos ventos e sono à dor”.

Por haver professado esses princípios, integrantes do evangelho e do espiritismo, Sócrates foi ridiculizado no seu tempo como seria hoje, acusado em tribunal e condenado a beber cicuta, uma planta fatal.

 

(A 2.ª parte continua em próxima edição – Conceitos éticos universais.)

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita