Sócrates e Platão: precursores do
Espiritismo
(1.ª parte)
A percepção do tempo que caracteriza uma vida terrena
está muito longe de ser certeira. Achamos que dez anos é
muito, que 50 é uma enormidade e que em cem anos nem
vale a pena pensar.
A verdade é que, na vertente da evolução espiritual, o
mínimo de que faz sentido falar é de séculos e milhares
de anos, sendo certo que, se quisermos aprofundar, aí a
linha do tempo em perspetiva estende-se a milhões de
anos, à boa maneira da história geológica da Terra.
Pensar na história deste modo leva a considerar que
Jesus de Nazaré passou por cá há pouco tempo. Talvez por
isso, somado à nossa evidente imaturidade espiritual,
ainda estejamos verdadeiramente longe de compreender
melhor as ideias que exemplificou. Ainda assim, estamos
todos a caminho disso, devagarinho, à escala de tempo
mais utilizada pelo homem da rua.
Tendo Sócrates vivido na antiga Grécia, cerca de 400
anos antes de Cristo, no mesmo fio de ideias
compreende-se que na verdade não foi há tanto tempo como
acreditamos. Será essa uma das razões pelas quais quem
os estuda na academia, em filosofia, eivados da
ideologia materialista em moda, ainda não quis perceber
que ele era médium e o mundo das ideias de que falava
era de facto o que se refere em doutrina espírita como
Plano Espiritual.
Sócrates teve um discípulo especial, Platão: o mestre
não escreveu, mas este discípulo deixou escritos
fragmentos significativos do pensamento socrático. O
referido sábio usava perguntas orientadas para
esclarecer problemas: no final, o interlocutor chegava a
conclusões lógicas.
É do conhecimento de todos que cheguem a ler Platão que
Sócrates via por vezes o seu guia espiritual (“daimon”
ou Espírito), com quem debatia pensamentos, e nem sempre
ambos fraternalmente concordavam.
Segundo os escritos platónicos, Sócrates anteviu as
ideias cristãs e, no que ficou escrito, também antecipou
conceitos espiritistas. Os pontos estruturais são
comuns: existência de Deus (não antropomórfico, mas como
inteligência suprema, causa primeira de tudo), a
imortalidade da alma, a comunicação dos Espíritos, as
vidas sucessivas, a lei de causa e efeito, a pluralidade
dos mundos habitados, a prática do eterno bem (caridade,
tal como a entendia Jesus de Nazaré).
Precursores
Allan Kardec, na introdução do livro O Evangelho
Segundo o Espiritismo, deixou escrito: “As grandes
ideias não irrompem de súbito. As que assentam sobre a
verdade têm precursores que lhes preparam os caminhos.
Chegado o tempo, vem alguém com a missão de resumir,
coordenar e completar os elementos esparsos”.
Foi o caso. Sócrates antecipou ideias cristãs e, no que
ficou escrito, também se evidenciam ideias espíritas
como seria de esperar. No referido livro de Kardec há
muitas citações do pensamento socrático que espelham
essa identidade de conceitos. Eis algumas, embora num
caso ou noutro seja necessário lembrar a escala espírita
que Kardec publicou em “O Livro dos Espíritos”:
- “O homem é uma alma encarnada. Antes da sua
encarnação, existia unida aos tipos primordiais, às
ideias do verdadeiro, do bem e do belo; separa-se deles,
encarnando, e, recordando o seu passado, é mais ou menos
atormentada pelo desejo de voltar a ele”.
- “A alma impura, nesse estado, encontra-se oprimida e
vê-se de novo arrastada para o mundo visível, pelo
horror do que é invisível e imaterial. Erra, então,
diz-se, em torno dos monumentos e dos túmulos, junto aos
quais já se têm visto tenebrosos fantasmas, quais devem
ser as imagens das almas que deixaram o corpo sem
estarem ainda inteiramente puras, que ainda conservam
alguma coisa da forma material, o que faz com que a
vista humana possa percebê-las. Não são as almas dos
bons; sim, porém, as dos maus, que se veem forçadas a
vagar por esses lugares, onde arrastam consigo a pena da
primeira vida que tiveram e onde continuam a vagar até
que os apetites inerentes à forma material de que se
revestiram as reconduzam a um corpo. Então, sem dúvida,
retomam os mesmos costumes que durante a primeira vida
constituíam objeto de suas predileções.”
- “Se a alma é imaterial, tem de passar, após esta vida,
a um mundo igualmente invisível e imaterial, do mesmo
modo que o corpo, decompondo-se, volta à matéria. Muito
importa, no entanto, distinguir bem a alma pura,
verdadeiramente imaterial, que se alimente, como Deus,
de ciência e pensamentos, da alma mais ou menos maculada
de impurezas materiais, que a impedem de elevar-se para
o divino e a retêm nos lugares da sua estada na Terra”.
- “O corpo conserva bem impressos os vestígios dos
cuidados de que foi objeto e dos acidentes que sofreu.
Dá-se o mesmo com a alma. Quando despida do corpo, ela
guarda, evidentes, os traços do seu caráter, de suas
afeições e as marcas que lhe deixaram todos os atos de
sua vida. Assim, a maior desgraça que pode acontecer ao
homem é ir para o outro mundo com a alma carregada de
crimes. (…) De tantas opiniões diversas, a única que
permanece inabalável é a de que mais vale receber do que
cometer uma injustiça e que, acima de tudo, devemos
cuidar, não de parecer, mas de ser homem de bem”.
- “Nunca se deve retribuir uma injustiça com outra, nem
fazer mal a ninguém, seja qual for o dano que nos hajam
causado. Poucos, no entanto, serão os que admitem esse
princípio, e os que se desentenderem a tal respeito nada
mais farão, sem dúvida, do que votarem uns aos outros
mútuo desprezo”.
- “É pelos frutos que se conhece a árvore. Toda a ação
deve ser qualificada pelo que produz: qualificá-la de
má, quando dela provenha mal; de boa, quando dê origem
ao bem.”
- “Chamo homem vicioso a esse amante vulgar, que mais
ama o corpo do que a alma. O amor está em toda a parte
na Natureza, que nos convida ao exercício da nossa
inteligência; até no movimento dos astros o encontramos.
É o amor que orna a Natureza dos seus ricos tapetes; ele
enfeita-se e fixa morada onde se lhe deparem flores e
perfumes. É ainda o amor que dá paz aos homens, calma ao
mar, silêncio aos ventos e sono à dor”.
Por haver professado esses princípios, integrantes do
evangelho e do espiritismo, Sócrates foi ridiculizado no
seu tempo como seria hoje, acusado em tribunal e
condenado a beber cicuta, uma planta fatal.
(A 2.ª parte continua em próxima edição –
Conceitos éticos universais.)
|