Músico e empresário, Frederico Ponte Gouveia (foto), natural
de São Paulo (SP), atualmente radicado em Nova
York (EUA), é o nosso entrevistado. Criador do
canal Spirit Reflections, no YouTube, que
veicula apresentações, palestras, entrevistas,
inclusive espiritualistas, ele nos fala na
entrevista sobre essa experiência e sua vivência
espírita.
Como se tornou espírita?
Aos 21 anos, nos EUA, entrei numa depressão
profunda acerca da minha sexualidade e
autoaceitação. Vi que minha mediunidade
desequilibrada também contribuía para esta
crise. Tranquei a faculdade por um semestre após
um psicólogo recomendar que eu fosse internado
com indícios de esquizofrenia. Meus pais me
levaram para o Brasil para uma segunda opinião
médica. Em São Paulo, enquanto estava
conversando com minha mãe, entre um exame e
outro, do nada veio a pergunta na minha cabeça:
"quem é Allan Kardec?" Minha mãe sabia muito
pouco sobre o Espiritismo (ela foi criada como
católica não praticante). Mas aquilo não saiu da
minha cabeça. Fui a uma livraria e comprei "O
Livro dos Espíritos". Tive a nítida sensação de
que estava "lembrando" daqueles temas. Seis
meses depois, havia estabilizado meu quadro
mental, voltei para a faculdade, parei de tomar
os remédios antipsicóticos e comecei e
frequentar os estudos e palestras em uma casa
espírita em Miami, na Flórida.
O que mais lhe chamou atenção no conteúdo
espírita?
O fato de o conteúdo originar-se de uma fonte
extrafísica e descentralizada, bem como o lado
progressivo de explicar temas atuais e deixar
espaço aberto para dúvidas, diálogos e evoluções
orgânicas, sem se prender a dogmas.
Residindo em outro país, como sente essa
integração espírita entre os conteúdos
produzidos no Brasil e a realidade, que é bem
diferente, de outras pátrias?
Sinto que as ideias espíritas já fazem morada
abundante no coração e mente dos estrangeiros,
porém sem o rótulo familiar de "espírita".
Percebo que o Brasil culturalmente tem uma
abertura muito maior para temas espirituais,
místicos e transcendentais do que os EUA, por
exemplo. Ao mesmo tempo, o Brasil possui
exemplos que moldaram a base espiritual da
cultura mesmo para os que não professam o
Espiritismo, como Chico Xavier, Divaldo, Raul
Teixeira e centenas de outros expoentes. O que
mais diferencia a realidade espírita no Brasil
da do resto do mundo é a ênfase na caridade e no
trabalho voluntário gratuito, dentro e fora do
centro. Já em outros lugares, como nos EUA,
existe uma cultura muito mais voltada para a
valorização monetária do tempo das pessoas,
inclusive no campo espiritual. Isso dificulta a
expansão de obras sociais gratuitas e
iniciativas voluntárias no meio espírita fora do
Brasil, mas não as torna impossíveis.
Com sua formação em música, como encarou essa
formação com o conteúdo espírita, especialmente
considerando a mediunidade?
A música é como oxigênio para mim. E nesta
analogia, quando o "ar" de uma música é mais
límpido, fragrante, leve e purificado, ele
naturalmente vem acompanhado de inspiração
espiritual mais elevada. Sendo assim, as
melhores memórias e experiências durante a minha
formação como músico (toco violino, piano,
componho e sou regente) foram tocar em
orquestras. Estar ao redor de 50, 60, às vezes
100 músicos no mesmo palco com instrumentos
diferentes, liderados por um maestro inspirado
(e muitas vezes mediunizado) na execução de
melodias, harmonias e sons arrebatadores, é uma
experiência comunitária e coletiva
indescritível. No lado espírita, perdi a conta
de quantas palestras já ofereci sobre a
mediunidade dos grandes compositores e as obras
musicais que eles criaram através da inspiração
de seus mentores e espíritos afins.
No estudo dos grandes compositores da história,
que relação você vê entre a produção desses
gênios imortais, a mediunidade e a função
educativa da música, como instrumento de
evolução?
Como disse o espírito do compositor italiano
Rossini para Kardec (em Obras Póstumas), "a
música nos desmaterializa". Estas obras musicais
que atingem o patamar de "geniais" e se tornam
criações imortalizadas pelo tempo, quando as
examinamos, vemos que a maioria delas foi criada
por seres em meio a suor e lágrimas; estavam em
profunda dor, angústia, crise existencial,
depressão, euforia, devoção, êxtase etc. Esses
estados tendem a nos aproximar mais da divindade
que habita dentro de nós. E naturalmente, quando
já existe um talento, aptidão, habilidade
musical, torna-se um campo fértil para a
mediunidade manifestar criações de outros
mundos. E vale ressaltar aqui que "gênios
imortais" da música existiram e existem em TODOS
os estilos musicais, não só no estilo
erudito/clássico. Existe algo que aprendi com
Léon Denis, no estudo da sua obra "O Espiritismo
na Arte": há dois tipos de beleza, a Beleza
Moral e a Beleza Estética. A primeira é sentida
pelo espírito de forma universal, como a semente
que cai em solo fértil ou não. Esta beleza moral
é o que conduz o fio de inspiração do compositor
e determina a afinidade espiritual dele no
momento da criação com outras entidades. Então
podemos perguntar: qual foi a intenção do
compositor na hora de criar uma melodia, uma
canção? Foi de pacificar? Embelezar? Consolar?
Encantar? Esclarecer? Inspirar? Alegrar? Caso
sim, a composição fica naturalmente saturada de
Beleza Moral e se o compositor possui uma
habilidade musical avançada, uma técnica
abrangente, daí ele consegue "vestir" essa
beleza moral de uma rica Beleza Estética, dentro
do estilo musical com que ele tenha maior
afinidade. Quando isso acontece, temos as ditas
"obras-primas" na música e elas são
"silenciosamente" educativas por transmitirem de
forma misteriosa, através da linguagem universal
da música, ensinamentos e estados d'alma que nos
condicionam a ser mais "desmaterializados",
conforme explicou Rossini a Kardec.
Quando você canta ou usa instrumentos, como é a
percepção espiritual desses momentos?
Eu gosto de tocar violino de olhos fechados,
pois consigo desconectar-me do ambiente físico
mais facilmente e entrar num estado difícil de
descrever em palavras, mas similar ao de estar
rodeado da mais linda natureza e poder respirar
aquele ar límpido, leve e fragrante que
mencionei acima.
Você considera que a música continua exercendo
grande influência sobre as decisões humanas,
atenuando ou agravando as circunstâncias. Em
outras palavras, continua educando,
sensibilizando?
Sem sombra de dúvida. Não temos como fugir
disso, pois todo o nosso corpo vibra em ritmos,
sons e ondas que já são uma música. E vamos
entrar num momento inédito na história, no qual
a Inteligência Artificial vai mostrar-nos obras
geniais novas, recicladas e baseadas no estilo
triunfante de Beethoven, ou no estilo doce e
colorido de Tchaikovsky, ou no estilo
sensibilizante de um Roberto Carlos, ou nestes
três estilos juntos! Imaginemos essas
possibilidades.
De suas lembranças de vivência espírita, o que
sobressai na memória?
As inúmeras visitas musicais voluntárias que
realizamos em hospitais de veteranos de guerra
em Nova York, em clínicas de dependentes, em
casas de repouso e hospitais psiquiátricos, onde
a maioria dos que iam conosco eram espíritas.
Portanto, ao adentrar estes lugares, fazíamos
uma oração de preparo com pedidos para a
espiritualidade amiga nos acompanhar. Os efeitos
e resultados vistos, sentidos e relatados pelos
pacientes visitados, eu levarei comigo para
sempre no coração. O uso da música como veículo
de conexão entre os voluntários e os pacientes é
algo precioso.
Fale-nos de seu canal de youtube e deixe o link.
Ele se chama "Spirit Reflections"; para acessar clique
aqui /
Comecei esse trabalho durante a pandemia. São
conversas bilíngues (em inglês e português), ao
redor da fogueira sobre a jornada pessoal e
espiritual do convidado, as ferramentas que eles
encontraram no caminho e como essas ferramentas
moldaram quem eles são e o que realizam hoje.
Entrevistamos filósofos, artistas, cientistas e
religiosos de todas tradições para descobrir
mais sobre nós mesmos no processo através das
"reflexões espirituais" trazidas (o literal
significado da palavra Spirit Reflections que
deu nome ao canal). Também toco violino, piano e
componho minhas próprias músicas e as coloco lá
no canal.
Algo mais a acrescentar?
Convido todos a lançarem mão da tecnologia
disponível, para ela lhes ensinar a escutar e
sentir as ditas "obras-primas" dos compositores
já imortalizados. Perguntem os 'porquês' para
entender o contexto biográfico, histórico e
cultural e enriquecer sua experiência auditiva.
Criei uma playlist no Spotify destas
obras-primas no estilo erudito (que é um dos
meus favoritos) e deixo aqui como sugestão para
quem quiser diversificar o seu cardápio
musical: clique
aqui-2
Suas palavras finais.
Como lemos na introdução de "O Evangelho Segundo
o Espiritismo", desejo que aquele "concerto
divino" mencionado, vindo do Alto, possa
sensibilizar nossos ouvidos e corações cada vez
mais nesta vida, "que é bonita e é bonita", nas
palavras de Gonzaguinha.
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