A assistência social seria uma tarefa das
casas espíritas?
“O ponto essencial é que o ensino dos Espíritos é
eminentemente cristão […].” (ALLAN KARDEC)
Pode ocorrer que alguns adeptos do Espiritismo entendam
que sua única função seja a de promover a assistência
espiritual aos que o procuram, não lhe cabendo a tarefa
de assistência material. Pior ainda, quando espíritas
saem à procura de pessoas para dar o “pão nosso de cada
dia” (1) ou alguma coisa que possa lhes proporcionar um
relativo conforto.
O interessante é que em nossa releitura de alguma obra
da Codificação, sempre nos deparamos com algo que não
vimos anteriormente. Não raro são coisas importantes que
estranhamos não as ter visto, mas é assim mesmo que
ocorre. À medida que vamos adquirindo mais
conhecimentos, nossa percepção se amplia e aí o que não
vimos passa a ser claro para nós, tão claro que é a
causa do espanto.
A mensagem intitulada “Fora da caridade não há
salvação”, registrada no cap. XV de O Evangelho
Segundo o Espiritismo, tem a assinatura de
Paulo, o apóstolo, ocorrida em Paris, no ano de 1860,
tem o seguinte teor:
10. Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não
há salvação, estão contidos os destinos dos homens,
na Terra e no Céu; […] Nada exprime melhor o
pensamento de Jesus, nada resume tão bem os deveres do
homem, do que essa máxima de ordem divina. O
Espiritismo não poderia provar melhor a sua origem, do
que apresentando-a como regra, pois ela é o reflexo do
mais puro Cristianismo. Com semelhante guia, o homem
nunca se transviará. Dedicai-vos, assim, meus amigos, a
compreender-lhe o sentido profundo e as consequências, a
buscar, por vós mesmos, todas as suas aplicações. Submetei
todas as vossas ações ao controle da caridade e a
consciência vos responderá. Não só ela evitará que
pratiqueis o mal, como também vos levará a praticar o
bem, já que não basta uma virtude negativa; é necessária
uma virtude ativa. Para fazer-se o bem, é preciso sempre
a ação da vontade; para não se praticar o mal, basta
muitas vezes a inércia e a indiferença.
Meus amigos, agradecei a Deus por haver permitido que
pudésseis gozar a luz do Espiritismo.
Não é que somente os que a possuem hajam de ser salvos;
é sim que, ajudando-vos a compreender os ensinos do
Cristo, ela vos faz melhores cristãos.
Fazei, pois, com que os vossos irmãos, ao vos
observarem, possam dizer que o verdadeiro espírita e
verdadeiro cristão são uma só e a mesma coisa, visto
que todos quantos praticam a caridade são discípulos de
Jesus, seja qual for o culto a que pertençam. – Paulo,
o apóstolo. (Paris, 1860.) (KARDEC, A. O Evangelho
Segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 2013, p.
206-207, itálico do original, negrito nosso)
Em várias oportunidades Allan Kardec (1804-1869) afirma
que essa frase de Paulo é a máxima ou bandeira do
Espiritismo.
Dito isso, vamos à novidade que encontramos. Na Revista
Espírita 1864, mês de janeiro, foi publicado o
artigo “Inauguração de vários grupos e sociedades
espíritas!”, do qual destacamos os seguintes parágrafos
finais:
Em Lyon, um novo grupo acaba de se formar em
condições especiais, que merecem ser assinaladas, como
encorajamento e bom exemplo. Essa reunião tem um
duplo objetivo: a instrução e a beneficência. Sob o
aspecto da instrução, propõe-se fazer uma parte menor do
que se não o faz, geralmente, nas comunicações
medianímicas, e disso fazer, em compensação, uma maior
às instruções orais, tendo em vista desenvolver e
explicar os princípios do Espiritismo. Sob o aspecto
da beneficência, a nova sociedade se propõe vir
em ajuda às pessoas necessitadas, por doações em
natureza de objetos usuais, tais como roupa branca,
vestuário, etc. Além disso do que poderia recolher, as
senhoras que dela tomam parte fornecem seu contingente
por seus trabalhos pessoais para a confecção, e para as
visitas aos pobres enfermos. Um dos membros dessa
sociedade nos escreveu a esse respeito: “Graças ao zelo
da senhora G..., Lyon vai logo contar com uma reunião
espírita a mais. Essa reunião alcançará o objetivo a que
se propôs? Será o futuro que isso decidirá. Se ela é
pouco numerosa ainda, encerra pelo menos elementos
devotados, cheios de fé e de caridade. Podemos fracassar
em nosso empreendimento, mas nossas intenções ao menos
são boas; nos bastará que a sociedade de Paris, sob a
égide da qual nos colocamos, nos aprove e nos ajude com
seus conselhos, para que perseveremos com a ajuda de seu
apoio moral.”
Este apoio não faltará jamais a toda obra fundada
segundo o verdadeiro espírito do Espiritismo, e
que tem por objetivo a realização do bem. A Sociedade
de Paris é sempre feliz de ver a Doutrina levar bons
frutos; não declinará de toda solidariedade senão a
respeito dos grupos ou sociedades que, desconhecendo o
princípio de caridade e de fraternidade sem o qual não
há verdadeiros Espíritas, veriam as outras reuniões com
mau olho, lançando-lhes a pedra ou procurando
denegri-las sob um pretexto qualquer. A caridade e a
fraternidade se reconhecem por suas obras e não por
palavras; é uma medida de apreciação que não pode
enganar senão àqueles que se cegam quanto ao seu próprio
mérito, mas não os terceiros desinteressados; é a pedra
de toque pela qual se reconhece a sinceridade dos
sentimentos; e quando se fala em caridade, em
Espiritismo, sabe-se de que não se trata somente daquela
que dá, mas também e sobretudo daquela que esquece e
perdoa, que é benevolente e indulgente, que repudia todo
sentimento de ciúme e de rancor. Toda reunião
espírita que não estivesse fundada sobre o princípio da
verdadeira caridade, seria mais nociva do que útil à
causa, porque tenderia a dividir em lugar de reunir;
levaria, aliás, em si mesma, o seu elemento destruidor.
Nossas simpatias pessoais serão, pois, sempre adquiridas
de todas aquelas que provarem, por seus atos, o bom
espírito que as anima, porque os bons Espíritos não
podem inspirar senão o bem. (KARDEC, A. Revista
Espírita 1864. Araras – SP: IDE, 1993, p. 25-26,
grifo nosso)
Julgamos, s.m.j., que a posição de Allan Kardec é clara
e objetiva quanto à tarefa de assistência material que
as casas espíritas devem incentivar os seus
frequentadores de praticar. Isso merece reflexão da
parte daqueles que são contrários a essa iniciativa,
tomando o teor dessas duas citações.
(1) Confira clicando aqui: LINK
|