Perdoados,
mas não limpos
Em nossas faltas, na maioria das vezes somos
imediatamente perdoados, mas não limpos.
Fomos perdoados pelo fel da maledicência, mas a sombra
que tencionávamos esparzir na estrada alheia permanece
dentro de nós por agoniado constrangimento.
Fomos perdoados pela brasa da calúnia, mas o fogo que
arremessamos à cabeça do próximo passa a incendiar-nos o
coração.
Fomos perdoados pelo corte da ofensa, mas a pedra
atirada aos irmãos do caminho volta, incontinenti, a
lanhar-nos o próprio ser.
Fomos perdoados pela falha de vigilância, mas o prejuízo
em nossos vizinhos cobre-nos de vergonha.
Fomos perdoados pela manifestação de fraqueza, mas o
desastre que provocamos é dor moral que nos segue os
dias.
Fomos perdoados por todos aqueles a quem ferimos, no
delírio da violência, mas, onde estivermos, é preciso
extinguir os monstros do remorso que os nossos
pensamentos articulam, desarvorados.
Chaga que abrimos na alma de alguém pode ser luz e
renovação nesse mesmo alguém, mas será sempre chaga de
aflição a pesar-nos na vida.
Injúria aos semelhantes é azorrague mental que nos
chicoteia.
A serpente leva consigo a peçonha que veicula.
O escorpião carrega em si próprio a carga venenosa que
ele mesmo segrega.
Ridicularizados, atacados, perseguidos ou dilacerados,
evitemos o mal, mesmo quando o mal assuma a feição de
defesa, porque todo o mal que fizermos aos outros é mal
a nós mesmos.
Quase sempre aqueles que passaram pelos golpes de nossa
irreflexão já nos perdoaram, incondicionalmente,
fulgindo nos Planos Superiores; no entanto, pela lei de
correspondência, ruminamos, por tempo indeterminado, os
quadros sinistros que nós mesmos criamos.
Cada consciência vive e evolve entre os seus próprios
reflexos.
É por isso que Allan Kardec afirmou, convincente, que,
depois da morte, até que se redima no campo individual,
“para o criminoso a presença incessante das vítimas e
das circunstâncias do crime é suplício cruel.”
Do livro Caminho espírita, obra
psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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