Entrevista

por Orson Peter Carrara

O perispírito, sua importância, seu papel e sua função na vida

Assistente social e psicóloga, Lígia Regina Velani (foto) nasceu e reside em São José do Rio Preto, no interior paulista. Com formação nas áreas já citadas, onde atua profissionalmente, vincula-se ao Grupo Espírita da Paz, em Mirassol, também no interior paulista e muito próxima da cidade onde reside, atuando como colaboradora da instituição.


Como se tornou espírita?

Venho de uma família católica, realizei toda catequese, aprendi teologia e tornei-me Ministra de Eucaristia aos 16 anos. Meu avô paterno era espírita e minha avó médium, lembro-me de ter ido ao centro espírita com eles na infância, na cidade de São José do Rio Preto SP. Na adolescência ganhei O Livro dos Espíritos de uma tia, mas como na época eu fazia parte de grupos de jovens católicos, deixei o livro à espera. Ao adentrar na universidade e tendo por habito permanecer longas horas na biblioteca da UNESP de Franca SP, encontrei os livros de Allan Kardec e tive a curiosidade de ler. A obra fez muito sentido para mim e, aos poucos, me interessei pelas obras de André Luiz, Emmanuel, Léon Denis, Camille Flammarion e gostei muito de me debruçar sobre a obra A Grande Síntese, de Pietro Ubaldi. Passei a frequentar o Grupo Espírita Esperança e Fé, na cidade de Franca, pois ficava na mesma rua da universidade. Com a mediunidade aflorando, em pouco tempo passei a frequentar o grupo mediúnico, trabalhando na câmara de Passes e nas reuniões de atendimento assistencial aos desencarnados. Tudo aconteceu de maneira muito natural e tranquila.

Como surgiu o interesse pelo estudo do perispírito?

As obras de Allan Kardec, André Luiz, psicografadas por Chico Xavier, de Hermínio C. Miranda, Jorge Andrea, Léon Denis, entre outras, me trouxeram muita clareza sobre os fenômenos da vida. Após tornar-me Assistente Social, entrei no curso de Aprimoramento na Faculdade de Medicina de Rio Preto - FAMERP e passei a trabalhar na área da saúde, nas equipes de Transplante de Órgãos e no Instituto do Câncer. Passei a ter contato muito próximo com os processos de saúde e doença, comecei a querer entender melhor os fenômenos da saúde que se ligam ao espírito e, naturalmente, os livros foram me conduzindo ao estudo do perispírito. Decidi adentrar na Faculdade de Psicologia e passei a estudar a Psicossomática no olhar da psicanálise. Não restou dúvidas de que o pensamento determina nossas criações materiais nos diferentes domínios da vida. Aprofundei os estudos sobre Psicossomática no Mestrado em Psicologia cursado na FAMERP e, paralelamente, realizei pós-graduação em Neuropsicologia. Nesse percurso tenho tentado aprofundar estudos sobre o Perispírito. 

Qual a conexão entre o perispírito e o fenômeno da influência da mente sobre o nosso corpo e saúde?

Esta é uma excelente pergunta. Na obra de Allan Kardec, encontramos fundamentais orientações sobre o perispírito e suas características. Na pergunta 135 de O Livro dos Espíritos, os espíritos respondem que o perispírito corresponde ao laço semimaterial que liga a alma ao corpo e que sua natureza é intermédia entre o Espírito e o corpo. É preciso que seja assim para que os dois possam comunicar um com o outro. Por meio desse laço é que o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente. É importante considerar, que antes das pesquisas de Allan Kardec e da nomenclatura utilizada para esse corpo semimaterial como Perispírito, ele já era conhecido e estudado há milênios pelos iniciados egípcios, pelos Indus e pesquisadores de diversos povos, que o nomearam conforme sua cultura e entendimento. Na Revista Espírita — Jornal de estudos psicológicos — Janeiro de 1865, Variedades, O Perispírito, vemos: 

“(...) lendo-se a obra científica do Sr. Pezzani sobre a Pluralidade das Existências, tem-se a prova de que o conhecimento do corpo espiritual remonta à mais alta Antiguidade, e que apenas o nome de perispírito é moderno. São Paulo o descreveu na primeira epístola aos coríntios, capítulo XV. Woetzel o reconheceu apenas pela força do raciocínio. (...)”

Na obra O Perispírito e suas Modelações (2011-Editora EME), Luiz Gonzaga Pinheiro apresenta uma pesquisa que identificou a existência do perispírito com diferentes nomes, observada por diferentes povos e tempos históricos, vejamos:

Egípcios: Khá

Pitágoras: Corpo Sutil da Alma

Aristóteles: Corpo Sutil e etéreo

Platônicos: Okhêma

Neoplatônicos: Aura

Budismo: Kama-rupa

Cabala: Rouach

Vedanta: Manu, Mãyã, kosha

Caldeus: coroa de fogo

Paulo de Tarso: Corpo espiritual

Cristãos primitivos: corpo glorioso

Católicos: Alma

Teósofos: Corpo causal

Leibiniz: Corpo fluídico

Rosa-crucianos: Corpo vital

Pesquisadores atuais: Corpo psíquico, corpo bioplasmático, psicossoma.

Por ser o elo de ligação entre o espírito (ser inteligente da criação) e o corpo físico, o Perispírito guarda íntima relação com os processos de saúde e doença. Allan Kardec no cap. XI do livro A Gênese, item 11, descreve que é o 

“(...) é o próprio Espírito que modela o seu envoltório e o apropria às suas novas necessidades; aperfeiçoa-o e lhe desenvolve e completa o organismo, à medida que experimenta a necessidade de manifestar novas faculdades; numa palavra, talha-o de acordo com a sua inteligência. Deus lhe fornece os materiais; cabe a ele empregá-los. (...)”

Diante dessas e outras considerações presentes na obra de Allan Kardec, sobre o pensamento, o espírito e o perispírito, observei que tais informações poderiam ser associadas aos estudos sobre o Inconsciente publicados por Sigmund Freud, ao descrever os processos de adoecimento físico em pacientes submetidas às sessões de psicanálise. O neurocientista austríaco identificou a existência de três instâncias psíquicas: Inconsciente, Pré-consciente e Consciente. Em sua obra ele define que os fenômenos do Inconsciente influenciam a dinâmica dos comportamentos no estado consciente da psiquê. Foi observado ainda, que traumas de infância por exemplo, podiam por mecanismos do inconsciente, influenciar a dinâmica da vida na fase adulta dos pacientes. Em sua vasta obra, Freud descreve diversos casos que correlacionam o pensamento aos sintomas físicos, como por exemplo os narrados em Estudos sobre a Histeria (1893-1895).

Sendo assim, o pensamento é fator chave para a compreensão da dinâmica de saúde e adoecimento. Se associamos essa informação ao conhecimento espírita no qual descreve em O Livro dos Espíritos que o pensamento é um atributo do espírito imortal e este, é responsável pela engenharia do Perispírito, que, por sua vez, modela o corpo físico, então saúde e doença iniciam-se no pensamento. 

Nesse sentido, o desenvolvimento dos conhecimentos sobre a Psicossomática, que foram desdobrados a partir do conhecimento do inconsciente e mais recentemente, aprimorados pelas pesquisas relacionadas ao estresse, hormônios como cortisol, dopamina e endorfina, descortina-se para nós um universo de possibilidades a serem exploradas. Parece nesse sentido, que o Perispírito pode ser a peça que preenche as lacunas de conhecimento que ainda a ciência material não pôde compreender. As memórias espirituais registradas no perispírito, os pensamentos inconscientes e os registros de programação cármicos também presentes no perispírito, podem auxiliar na compreensão e tratamento dos transtornos psicossomáticos e, também, das doenças físicas e psíquicas. Aliado a isso, deve-se considerar também, a influência benéfica ou maléfica que outra consciência (encarnada ou desencarnada), pode exercer no campo espiritual dos indivíduos, com registros no perispírito. Assim, de forma muito breve e resumida, podemos perceber que o pensamento, o perispírito e o corpo físico estão intimamente conectados e refletem o nosso estado íntimo, nossas fraquezas, fragilidades que geram doenças, mas também forças e potencialidades que promovem a saúde e bem-estar.

Fale-nos de seu mestrado em Psicossomática.

O mestrado em psicologia da saúde, surgiu como desdobramento do trabalho de conclusão de curso da graduação em psicologia e da experiência de trabalho junto aos pacientes do Hospital de Base, durante a pós-graduação em Serviço Social na Saúde pela Faculdade de Medicina de Rio Preto (FAMERP). O tema Psicossomática foi ficando cada vez mais atraente e cheio de sentido. Dessa maneira, com a supervisão do admirável e profundo conhecedor da psicanálise e da psicossomática, o Dr. Lazslo Antônio Ávila, tive a oportunidade de pesquisar junto aos pacientes da Clínica de Dor, do Instituto do Câncer de Rio Preto, o fenômeno da psicossomática e da alexitimia (1). Esta última corresponde a uma característica em alguns indivíduos, que apresentam dificuldade para reconhecer, nomear e falar das próprias emoções e sentimentos. Nessa pesquisa, foram estudados os sujeitos com dor crônica grave e aguda de difícil trato. O principal objetivo foi buscar a existência de correlação entre a dor crônica intensa com o processo psicossomático e a Alexitimia. Foi um estudo descritivo, de caráter quantitativo e análise qualitativa de conteúdo. A pesquisa analisou 40 sujeitos em um estudo correlacional entre doenças psicossomáticas, dor crônica e Alexitimia. Foram realizadas entrevistas e aplicados 4 testes psicológicos de investigação e rastreio. Os dados foram analisados com base no referencial teórico da psicossomática psicanalítica, e as informações quantitativas foram analisadas pela estatística descritiva.

Foi identificado que a maioria dos sujeitos apresentavam dificuldade para reconhecer e nomear as emoções e sentimentos e que, essa característica alexitímica, tem relação com os quadros de dor. Esta foi identificada como fator de risco para piora da qualidade de vida em todos os domínios, seu maior impacto guardou relação com a capacidade de trabalho. Observou-se uma importante dificuldade dos sujeitos em descrever os sentimentos aos outros e a dor também guardou estreita relação com a presença de sintomas depressivos. O trabalho chegou à conclusão de que sob o olhar da psicossomática psicanalítica, dentre as pessoas com dor crônica e intensa existe um significativo índice de características alexitímicas e essas pessoas são mais vulneráveis para a percepção de dor, apresentam sintomas depressivos e manifestação de transtornos psicossomáticos. A experiência com esse trabalho descortinou mais questionamentos sobre a função e determinação dos nossos pensamentos nas diversas áreas da vida e, isso tem sido motivação para a ampliação dos estudos nessa área, tanto no campo da psicologia quanto no que se refere aos conhecimentos trazidos pelo Espiritismo.

A partir desses estudos, que critério tem utilizado para transformá-los em palestras públicas?

O sofrimento humano desde muito jovem é algo que mexe muito comigo. Compreender a dor para auxiliar no alívio, entender o sofrimento humano em mim e nas pessoas que me cercam, para de alguma maneira, poder auxiliar na melhora, tem sido um roteiro de vida. Nesse sentido, esse pequeno aprendizado que a vida tem me proporcionado tento compartilhar com as pessoas, buscando falar de uma forma simples e leve, mas ao mesmo tempo com toda seriedade que o tema nos traz.  No trabalho como assistente social e como psicóloga tenho vivenciado complexos desafios, pois lido diariamente com sofrimento, doença, pobreza, miséria, violência, deficiência, ou seja, com uma variedade de vulnerabilidades humanas. É no Evangelho do Cristo e na oração que me abasteço, me alimento diariamente e, com a luz da doutrina espírita, tenho a cada dia iluminado um pouquinho minhas áreas internas. A compreensão da vida eterna, das leis que regem o processo de reencarnação, fundamentadas na Lei soberana do amor, favorecem uma fé raciocinada que nos fortalece a jornada.

O estudo da psiquê humana, o olhar para a psicologia psicossomática aprofundou a compreensão sobre a fundamental importância do autoconhecimento, conhecimento e domínio das nossas imperfeições, que é em certa medida, o exercício da caridade. Quando nos conhecemos melhor, nos tornamos mais compassivos e generosos com as misérias do outro, uma vez que nós as reconhecemos em nós também. Isso vai despertando um sentimento de benevolência e indulgência com as imperfeições dos outros. Percebemos que como dizia Jesus a Pedro: 

(...) Pedro, a tua inquietação se faz credora de novos ensinamentos. A experiência te ensinará melhores conclusões, porque, em verdade, te afirmo que esta noite o galo não cantará sem que me tenhas negado por três vezes. Julgai-me então, um espírito mal e endurecido a esse ponto? indagou o pescador, sentindo-se ofendido. Não, Pedro adiantou o Mestre, com doçura —, não te suponho ingrato ou indiferente aos meus ensinos. Mas vais aprender, ainda hoje, que o homem do mundo é mais frágil do que perverso. (Trecho do livro, Boa Nova, mensagem A Negação de Pedro, psicografia de Chico Xavier, pelo Espírito Humberto de Campos).

Assim, em cada palestra, compartilho minhas reflexões e experiências no aprendizado do evangelho, da doutrina espírita, sociologia, psicologia e vida vivida no cotidiano, com os companheiros de jornada.

Qual a ênfase da abordagem? Por quê?

Tenho por hábito sempre partir das lições do Evangelho de Jesus e, a partir de cada passagem, vão surgindo as reflexões baseadas nos ensinos de Allan Kardec, clareadas por exemplos que vou recolhendo das experiências que tenho tido no trato com as pessoas e com minhas próprias lutas e imperfeições. A bem da verdade, a palestra para mim é um encontro fraterno com companheiros de jornada, na qual compartilho do pão espiritual que tem me alimentado. Eu deixo mesmo o coração falar e as ideias vão surgindo. Me coloco como aquele instrumento rude e imperfeito nas mãos de Jesus, que atua através dos benfeitores espirituais. Tenho e tranquila e plena consciência da minha condição de criatura rude, grosseria, miserável, imperfeita e profundamente carente da misericórdia de Jesus. Eu aprendo com as palestras e há momentos que fico muito constrangida com as ideias que me surgem para serem transmitidas, pois sei que ainda estou muito longe de muitos atributos morais/espirituais. Mas ao mesmo tempo, os benfeitores são muito generosos, e tento transmitir a ideia como uma aprendiz em treinamento.

Qual é a receptividade do público?

Eu ainda tenho dificuldade para compreender tamanho carinho e generosidade dos companheiros por onde passo. Estou certa de que não mereço, mas fico muito grata com a oportunidade de conhecer tanta gente boa, fazer amigos pelo Brasil a fora e conhecer tantos companheiros que residem em outros países. 

Isso me faz refletir sobre o verdadeiro sentido do cristianismo redivivo, viver em comunidade fraterna, compartilhar com simplicidade e carinho os ensinos de Jesus e da doutrina espírita e receber tantas palavras afetuosas de incentivo. A caminhada não é fácil, mas quando caminhamos juntos, ela fica mais possível, mais leve. 

Considera que temos evoluído, como coletividade espírita, no entendimento dessa questão do peso emocional/psicológico? O que tem observado?

Tenho notado uma maior tendência na abordagem do campo psíquico e emocional. Mas acredito que há muito mais a ser explorado de forma que me parece muito necessário, que sejam estimulados grupos de estudos em todas as áreas que abrangem a doutrina espírita. Me parece que precisamos dar mais atenção à evangelização infantojuvenil, isso precisa ser mais focado no movimento espírita. Observo que outras frentes religiosas direcionam importante energia nesse departamento. Acredito que temos evoluído como coletividade no ideal espírita, mas não podemos perder o foco na fraternidade e simplicidade. A questão relacionada aos aspectos emocionais e psicológicos estão intimamente ligadas à reforma íntima. Vale lembrar que a teoria é de linda importância, mas a vivência prática no cotidiano é que alicerça as bases do nosso verdadeiro entendimento. Importa exercitar mais aquela convivência comunitária dos cristãos que se reuniam em Éfeso, Cafarnaum, Corinto, etc. Talvez cultivar um pouco mais aquele hábito de tomar um café quentinho com broa de milho e compartilhar em um bom espaço de conversa, nossas experiências e vivências no trabalho da reforma íntima, à luz do evangelho e da doutrina espírita. 

Há projeto de livro sobre a questão?

Tenho trabalhado em artigos para periódicos científicos, mas, paralelamente, tenho escrito algumas reflexões para transformar em livro mais acessível à comunidade não científica, ao público em geral.

De suas vivências, o que tem sido mais marcante?

Sem dúvida, o que há de mais marcante nessa trajetória é a transformação do meu coração e mudança de consciência. São tantas experiências compartilhadas com pessoas tão diversas, de diferentes culturas, idades, crenças, dores, talentos, que essa troca tem trazido mais benefícios a mim, do que tenho conseguido oferecer. Cada atendimento como assistente social, cada consulta na área de psicologia, cada atendimento fraterno, cada palestra, leitura, prece reflexão, marcam indelevelmente o espírito imortal. São parágrafos e capítulos registrados no perispírito como memória e patrimônio imaterial para a eternidade.

Suas palavras finais.

Agradeço de todo coração a oportunidade de compartilhar um pouco das experiências e reflexões que tenho reunido nessa jornada encantatória. Espero que possa auxiliar de alguma forma outros irmãos a seguirem em suas buscas em direção a consciência amorosa de Jesus, por meio da reforma íntima no trabalho incessante no bem.

 

(1) Alexitimia é um termo empregado no diagnóstico clínico de pessoas com acentuada dificuldade ou incapacidade para expressar emoções e significa sem palavras para as emoções

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita