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por Vladimir Tomczik

 

A Santa Morte


Durante os dias 1 e 2 de novembro, a população mexicana comemora o Dia dos Mortos e festeja a Santa Morte, com festas, bailes, comilanças, altares domésticos com fotografias, imagens, alimentos e bebidas, inclusive alcoólicas, que oferecem aos seus mortos; e, ornamentando com flores e velas seus túmulos, lotam os cemitérios dia e noite. Para o povo mexicano que mantém essa tradição secular, originária dos povos Maias, Astecas, Olmecas, Zapotecas e Mexicas, os mortos descem ao submundo para, depois, ascenderem aos planos mais elevados. A morte seria um passo para a transcendência, para ir a um lugar melhor do que o plano físico, por isso a morte é reverenciada e bem-vinda por ser uma passagem de elevação. De acordo com os costumes dos povos originários e transmitidos até os dias atuais, a morte é uma transformação gradual, por isso deve ser bem tratada e os seus parentes que já morreram devem ser mantidos juntos de suas casas e da família, e nesses ritos os familiares dizem que realmente percebem as suas presenças junto a eles.

De acordo com Arthur Conan Doyle, no livro História do Espiritismo, o mundo espiritual para onde vamos após a morte consiste de várias esferas representando outros tantos graus de luminosidade e de felicidade; cada um de nós irá para aquela a que se adapta a nossa condição espiritual.

Em o livro Nosso Lar (cap. 12, O Umbral, psicografado por Chico Xavier), Lísias explica ao espírito André Luiz que a vida continua mesmo após o desencarne, e a grande maioria passa pelo Umbral, uma zona de contato e passagem entre a Crosta em que estamos situados no plano físico e o mundo espiritual. Essa zona de queima de resíduos mentais se inicia em nosso mundo e se eleva em três camadas ao redor do Orbe (Cidade no Além, Chico Xavier e Heigorina Cunha). O Umbral começa na Crosta Terrestre, é a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano de erros numerosos. Muitos espíritos próximos de reencarnarem prometem cumprir o programa de serviços, entretanto quando se efetiva a sua reencarnação buscam somente a satisfação de seu egoísmo e suas paixões. É neste ponto que se inicia o Umbral, quando passamos a contrair novos débitos, além de não cumprirmos os nossos compromissos reencarnatórios, advindo daí todas as consequências de nossas atuais escolhas, assomando-se ao fato de que o programa que traçamos antes de reencarnarmos está pendente de ser resolvido. O Umbral não é o inferno espírita, não é local de castigo divino, de zona de sofrimento, de julgamento final, mas sim de esgotamento de resíduos mentais, por isso há uma estreita relação entre vivos e mortos. Ainda para Lísias, o Umbral se caracteriza por grandes perturbações em face da concentração de desejos e tendências gerais, repletos de desencarnados e formas-pensamentos dos encarnados desequilibrados nas faixas do mal ou flagelados em sofrimentos retificadores, mas todos vivos, espiritualmente falando.

Quanto ao uso de alcoólicos aos espíritos desencarnados, Lísias nos informa que a Colônia Nosso Lar (Nosso Lar, cap. 9, Problemas de Alimentação) lutava com dificuldades para adaptar os seus habitantes às leis da simplicidade. Queriam mesas lautas, bebidas excitantes, dilatando velhos vícios terrenos. O Governador lutou durante 30 anos consecutivos expondo pessoalmente as objeções aos adversários que provocavam perigosos distúrbios, provocando cisões e dando ensejos ao assalto das multidões obscuras do Umbral que tentaram invadir a cidade. Não logrando êxito junto aos recalcitrantes, determinou que funcionassem todos os calabouços de regeneração com os seus devidos isolamentos e após 6 meses a cidade voltou ao normal, isto é, todo o serviço de alimentação passou a obedecer a inexcedível sobriedade, como medida de elevado alcance para a libertação e elevação espiritual, sem a utilização de etílicos.

Allan Kardec nos exorta em O Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap.3, Diferentes Estados da Alma) que, conforme se ache o Espírito mais ou menos depurado e desprendido dos laços materiais, variarão ao infinito o meio em que ele se encontre, o aspecto das coisas, as sensações que experimente, as percepções que tenha. Enquanto uns não podem se afastar da esfera onde viveram, outros se elevam e percorrem o espaço e os mundos.

Emmanuel, no prefácio de Obreiros da Vida Eterna, nos afirma que o Espiritismo começou o inapreciável fenômeno natural do caminho de ascensão. Esferas múltiplas de atividade espiritual interpenetram-se nos diversos setores da existência. A morte não extingue a colaboração amiga, o amparo mútuo, a intercessão confortadora, o serviço evolutivo. As dimensões vibratórias do Universo são infinitas, como infinitos são os mundos que povoam a Imensidade.

Em O Livro dos Espíritos, na questão 234, pergunta-se se há de fato mundos que servem de estações ou pontos de repouso aos Espíritos errantes. Kardec, por meio dos espíritos, esclarece que sim, há mundos particularmente destinados aos seres errantes que lhes podem servir de habitação temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem de uma longa erraticidade.

 De acordo com a Doutrina Espírita existe somente a morte do corpo físico, que se exaure por meio de doenças, acidentes ou esgotamento físico proporcionado pela senectude fisiológica, no entanto não existe verdadeiramente a morte lato sensu, pois o espírito permanece vivo e obedecendo às Leis Divinas aplicáveis a cada caso. Segundo o médium espírita Divaldo Franco: “o Espiritismo matou a morte, comprovando que ela não existe e o Espírito é eterno”.

Portanto, conclusivamente não existem fatos que justifiquem beatificar a Santa Morte, uma vez que o fato de desencarnarmos não nos eleva ou nos torna melhores ou superiores, bem como não isenta o espírito de suas responsabilidades e de atos praticados enquanto no vaso físico. Por conseguinte, o fato de homenagear nossos entes queridos, sem excessos, restringe-se ao aspecto cultural de cada povo, mas tentarmos manter acorrentados a nós os nossos familiares após o decesso tumular não seria o ideal pelo risco de se configurarem processos de obsessões, haja vista que estamos fadados à evolução espiritual e a buscar outras esferas evolutivas, tais como colônias espirituais, mundos ditosos, etc., e não ficarmos fixados em zonas umbralinas por retenções de orgulho, vaidade, materialismo, paixões, vícios e obsessões, o que denotaria estarmos atrasando a nossa marcha espiritual segundo nos ensina os Evangelhos do Cristo na caminhada em direção a Deus.

 

Bibliografia:

XAVIER, Francisco Cândido, livro Obreiros da Vida Eterna, ditado pelo Espírito André Luiz, Prefácio de Emmanuel, 33 ed., 4ª reimpressão, 2011, FEB.

XAVIER, Francisco Cândido e Heigorina Cunha, Cidade no Além, ditado pelos Espíritos André Luiz e Lúcius, Instituto de Divulgação Espírita-IDE, 1999.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Matheus Rodrigues de Camargo, Editora EME, Capivari - São Paulo, 22ª reimpressão, fevereiro/2018.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap.3, parte 2, Diferentes Estados da Alma na Erraticidade. Tradução de Guillon Ribeiro, 124 ed. Rio de Janeiro, 2006, FEB.

XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar, ditado pelo Espírito André Luiz. 59 ed. Rio de Janeiro, 2007, FEB.

DOYLE, Arthur Conan, História do Espiritismo, Editora O Pensamento, 488 páginas, 1926.

THE HISTORY CHANNEL 2, O Peregrino, Repórter Jorge Said, https:/www.history.com.

 

*Artigo selecionado pelo concurso A Doutrina Explica 2023, promovido pelo Jornal Brasília Espírita em parceria com a revista O Consolador e a Web Rádio Estação da Luz.


 

 

     
     

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