Artigos

por Maria de Lurdes Duarte

 

Perante a dor: vantagens do Espiritismo


É nos momentos em que, inesperadamente a dor nos bate à porta de forma mais intensa e, de certo modo, assustadora, que somos acometidos por reflexões mais profundas sobre o sentido da vida, do nosso destino e até do sentido da própria dor.

Não tenho por costume escrever sobre assuntos muito pessoais, mas acho que há alturas na vida em que sentimos que as nossas reflexões mais íntimas podem também servir aos outros e ser fonte de esperança para quem passa ou possa vir a passar por algo que de alguma forma se assemelhe. Damos conta que os nossos sentimentos, tristezas, frustrações, como também as alegrias e contentamentos, são tão comuns a tanta gente, em qualquer parte do mundo, que parece que já não são exclusivamente nossos, mas pertencem ao mundo, porque são marcas da nossa humanidade.

Por outro lado, apesar dessa realidade, a dor é algo de profundamente íntimo. É de todo impossível saber o que o outro sente, sentir em nós a dor do outro, ou passar a outro a nossa dor. Por esse motivo, a dor é qualquer coisa de solitário, única, que se entranha no âmago de cada ser. Todos, na Terra, sofrem. Faz parte da nossa realidade, é a forma de nos ajustarmos e crescermos, de desenvolver a sensibilidade do ser, de equilibrar as variáveis que nos fazem evoluir. Como diz Léon Denis, “Fundamentalmente considerada, a dor é uma Lei de equilíbrio e educação” (O problema do ser, do destino e da dor, Terceira Parte, Potências da Alma; XXVI, A Dor). Deixará de existir um dia, quando nos tornarmos espíritos menos materiais e fizermos parte da realidade de outros mundos mais evoluídos, ou habitarmos uma Terra que já não seja de provas e expiação. A dor não é para sempre, mas é uma realidade atual de todos os seres terrenos, sejam humanos, animais ou plantas. A dor é de todos nós, mas, mesmo perante situações semelhantes, cada um de nós tem sua forma de lhe reagir, de assimilar os seus aspetos mais íntimos.

Fui, recentemente, há pouco mais de um mês, diagnosticada com um cancro (câncer em português do Brasil) do pulmão. Foi algo que me surpreendeu. Nunca pensamos que nos vai acontecer, pensamos, tão erradamente, que só acontece aos outros. Quando entra na nossa realidade pessoal, sentimos um “perder do chão” completo, entramos em choque e somos impactados de uma maneira tão profunda que não é explicável para quem nunca passou por algo semelhante. Depois, passado o primeiro impacto, vem em catadupa todo o género de reflexões: Por quê? Por que eu? Não sou fumadora; nunca fui. Por que logo o cancro do pulmão? O que vai acontecer comigo? Terei forças para superar? Pelo menos para enfrentar a dor? E depois? Se não superar, o que virá depois? E, às vezes, quase como se nunca nos tivéssemos dado conta antes, percebemos, finalmente, que não somos imortais aqui na Terra. Que há de chegar o fim desta existência e que até poderá não estar tão longe como

desejaríamos. Que, uma coisa é certa, não sabemos quando será e a qualquer momento poderá surgir, da forma mais inesperada, como um ladrão que nos assalta a casa pela calada da noite. Então, a ideia da morte deixa de ser uma coisa vaga, torna-se uma realidade quase palpável. Surge o medo.

O medo não é uma coisa errada. Nem mesmo para quem alimenta uma Fé fortalecida pela crença, ou melhor, pela certeza espírita. O medo torna-nos mais humanos, é uma forma, consciente ou inconsciente, de defesa da vida; é o nosso instinto mais remoto a fazer-nos lutar pela preservação da vida. É algo com que Deus nos dotou para que nos agarremos à existência e possamos levar os objetivos desta reencarnação avante. Sem o medo, na certeza da continuidade da vida e das oportunidades, tornar-nos-íamos descuidados, desleixados da nossa saúde, da preservação do corpo, templo santo do espírito, e passaríamos a eternidade num vaivém inútil entre “a Terra e os céus”, como se estivéssemos em passeio. E a morte, mesmo apesar de já termos passado um imenso número de vezes por ela, graças ao esquecimento temporário das vidas passadas, continua a ser um salto no desconhecido.

Sou espírita desde a minha juventude. Já lá vão trinta e sete anos, desde que entrei em contacto com a Doutrina abençoada e, pelo estudo das obras da codificação e outras que o Espiritismo nos oferece, aprofundei conhecimentos que me têm sido valiosos para entender a vida e o seu sentido. O conhecimento espírita, que continuo a tentar aprofundar de todas as maneiras que consigo, tem-me fortalecido, tem sido o meu esteio perante as circunstâncias e desafios que a vida me oferece. Tem-me ajudado também a levar algum consolo a outras pessoas, que de outra forma não saberia como ajudar. Já passei por alguns momentos dolorosos e tenho conseguido manter um equilíbrio e tranquilidade de espírito que só uma Fé fortalecida pelo raciocínio poderá explicar.

Mais uma vez, agora de uma forma inesperada e mais acentuada, estou a ser desafiada por entraves que põem à prova a minha capacidade de resiliência, e se consigo manter-me em equilíbrio e sentir-me feliz, devo-o ao Espiritismo. Ser espírita não é estar isento de sofrimento. Deus não tem filhos e enteados. A dor visita a todos de igual forma, ou das formas mais variadas e intensas, mas sem que ninguém fique isento dela. Ser espírita não é receber favores dos Espíritos Superiores, não é esperar mais ajuda da Divindade do que o que é oferecido aos outros. Mas é ter capacidade para entender e perceber que nada acontece por acaso, e, assim, ter a possibilidade de não ser acometido pela revolta, tendo maior capacidade de aceitação e superação da infelicidade. É ser capaz de ser feliz onde os outros poderão só encontrar contradições. Como diz Léon Denis, na obra mencionada acima, “O prazer e a dor estão muito menos nas coisas externas do que em nós mesmos; incumbe, pois, a cada um de nós, regulando suas sensações disciplinando seus sentimentos, dominar-lhe umas e outras e limitar-lhes os efeitos”. Esta é uma aprendizagem que fazemos com o auxílio da dor, que nos torna mais sensíveis e capazes do autoconhecimento. Com isso tornamo-nos mais capazes de olhar dentro de nós mesmos e despreocupamo-nos paulatinamente do que é puramente material, fútil, supérfluo. O conhecimento é poder. Da minha parte, sinto que estou em grande vantagem pelo facto de ter sido abençoada pelo conhecimento da Doutrina antes que as maiores dores me batessem à porta.

Segue-se, de tudo isso, que o espírita ame a dor? Que o Espiritismo faça a apologia do sofrimento? Que busque a dor como forma de superação? Certamente que não. Nenhum espírita é masoquista. Todos desejamos, acima de tudo, ser felizes. Deus criou-nos para a felicidade. A dor é o resultado do desequilíbrio, do afastamento das Leis Divinas que gerem a vida física, da Natureza, e morais. Daí que também a dor pode ser de natureza física ou moral. O sofrimento é uma chamada de atenção da Lei para que tentemos reequilibrar-nos e caminhar em direção à felicidade, que tem de ser construída por nós, através dos ajustes necessários. Uma das formas mais fortes de conseguir esse equilíbrio, essa capacidade de aceitação interior e tornarmo-nos fortes perante os desafios mais dolorosos da vida é, precisamente, o sintonizar com as Potências Divinas, que são os Espíritos Superiores que nos amparam e fortalecem, se nos ligarmos a eles pela prece, buscando no seu Amor a força de que necessitamos. E tornarmo-nos mais sensíveis à dor alheia, fortificar a nossa capacidade de empatia, porque, se é verdade que a dor, como já referi, é algo íntimo e muito pessoal, podemos sempre ligar-nos a quem sofre e praticar o grande ato de caridade que é o consolo e o auxílio moral ou material. Porque também, e principalmente, perante a dor, tornamo-nos mais humanos, mais irmãos.


Maria de Lurdes Duarte reside em Alvarenga, Arouca, Portugal.


    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita