Especial

por Marcus De Mario

O caráter progressivo das revelações espirituais

 
Atendendo à lei do progresso, lei divina que tudo rege no Universo, em geral os Espíritos somente fazem revelações quando encontram nos seres humanos condições para melhor absorver o novo ensinamento, o que não os impede, seguindo um criterioso planejamento sob comando de Espíritos Superiores, de nos propiciarem revelações parciais ao longo do tempo sobre determinado tema, como preparação prévia para informações mais completas e detalhadas que deverão acontecer a partir de determinado momento. É o caso das revelações sobre o mundo espiritual da humanidade terrena, ou seja, a parte espiritual que compõe nosso mundo, afinal, todos temos curiosidade em saber como é o depois da morte, como é essa dimensão de onde viemos e para onde vamos retornar, pois enquanto estamos encarnados temos o véu do esquecimento.

Seguindo a sequência histórica dos fatos, vamos encontrar as primeiras descrições sobre o mundo espiritual nas obras do vidente sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772), em pleno século XVIII. Ao descrever as esferas espirituais nos seus mais diversos graus, de acordo com a maior ou menor pureza dos Espíritos, verificou que “o cenário e as condições deste mundo eram reproduzidas fielmente, do mesmo modo que a estrutura da sociedade. Viu casas onde viviam famílias, templos onde praticavam o culto, auditórios onde se reuniam para fins sociais, palácios onde deviam morar os chefes” (História do Espiritismo, página 38). Em outras palavras, transportado para a dimensão espiritual através do fenômeno da emancipação da alma, Swedenborg viu toda uma organização social, como a existente aqui na humanidade terrena, descrevendo o que hoje chamamos de colônias espirituais, e que sabemos ser o original, pois a cópia, imperfeita, é o que temos aqui na dimensão material. Segundo Arthur Conan Doyle, na página 39 de sua obra História do Espiritismo, “não havia detalhes insignificantes para a sua observação no mundo espiritual. Fala de arquitetura, do artesanato, das flores, dos frutos, dos bordados, da arte, da música, da literatura, da ciência, das escolas, dos museus, das academias, das bibliotecas e dos esportes”. Com antecedência aproximada de cem anos do surgimento do Espiritismo, o respeitado cientista, teólogo e médium descreveu o mundo espiritual tal qual hoje o conhecemos através da literatura espírita de origem mediúnica.

Atravessando o Oceano Atlântico em direção às terras da América do Norte, mas já em pleno século XIX, vamos encontrar descrições detalhadas do mundo espiritual na obra do médium Andrew Jackson Davis (1826-1910), numa série de livros que receberam o nome de Revelações Divinas da Natureza. Numa de suas visitas ao mundo espiritual, ele conheceu o instituto educacional Summerland, dedicado principalmente às crianças. Ficou tão impressionado e encantado com a organização espiritual, que tempos depois inaugurou uma obra assemelhada para educação das crianças. É de notar-se que seus principais livros foram publicados antes de 1857, embora sua produção literária não tenha aí se esgotado. Segundo Conan Doyle, em seu livro História do Espiritismo, à página 68, “em suas visões espirituais, Davis viu uma disposição do universo que corresponde proximamente à que foi apresentada por Swedenborg, adicionada pelo ensino posterior dos Espíritos e aceita pelos espíritas. Viu uma vida semelhante à da Terra, uma vida que pode ser chamada semimaterial, com prazeres e objetivos adequados à nossa natureza, que de modo algum se havia transformado pela morte”.

Agora, adentrando o século XX, na Inglaterra, temos que destacar o Reverendo George Vale Owen (1869-1931), pastor da Igreja Anglicana, que tinha excelente mediunidade, embora duvidasse dela, pois sua crença religiosa não admitia a comunicação das almas dos mortos. Contudo, as manifestações espirituais foram tão patentes, que, depois de muito relutar, aceitou a veracidade dos fenômenos, passando a receber comunicações de sua mãe, que lhe descreveu a vida no mundo espiritual. Essas descrições foram publicadas no livro A Vida Além do Véu, no ano de 1918, e republicadas entre 1919 e 1920 através de um jornal semanal. As descrições revelam sociedades bem organizadas, com sistemas de transporte, meios especiais de comunicação e assim por diante. Vale Owen desconhecia o Espiritismo e nunca houvera estudado sobre a possibilidade da existência de vida futura e de um mundo espiritual organizado.

 

Em terras brasileiras

Continuando no século XX, mas agora em terras brasileiras, destaquemos as revelações espirituais recebidas pela médium Yvonne do Amaral Pereira (1900-1984), que na década de 1920 recepcionou os relatos do Espírito Camilo Castelo Branco, acerca da realidade espiritual de um suicida, no caso ele próprio, dando ensejo a que posteriormente fosse lançado o livro Memórias de Um Suicida, onde encontramos descrições pormenorizadas da vida no mundo espiritual, com a descrição, por exemplo, de imponente cidade universitária, onde os desencarnados estudam, realizam o autoconhecimento e se preparam para suas futuras encarnações.

Chegamos, agora, ao médium Francisco Cândido Xavier (1910-2002), carinhosamente conhecido por Chico Xavier, que recepcionou os textos do Espírito André Luiz, vindo a público o primeiro livro, Nosso Lar, no ano de 1944. Antes de abordarmos essa obra, e as demais que vieram compor a Coleção A Vida no Mundo Espiritual, ou Coleção Nosso Lar, ressaltemos a progressividade do ensino dos Espíritos, na medida em que fomos amadurecendo o conhecimento, apreensão e vivência do Espiritismo. Os primeiros relatos, antecedendo a Doutrina Espírita, estão lá no século XVIII com Emmanuel Swedenborg, depois corroborados durante o século XIX por Andrew Jackson Davis, ainda antes do surgimento do Espiritismo, e na primeira metade do século XX temos as descrições recebidas por George Vale Owen, que não conhecia a Doutrina Espírita, e por Yvonne do Amaral Pereira, esta sim, conhecedora do Espiritismo.

Como vemos, o médium Chico Xavier não foi o primeiro a receber dos Espíritos descrições sobre a vida na dimensão espiritual, sendo que à época, ele, que somente tinha cursado o primário na escola, e que era oriundo de família pobre, sem recursos financeiros, nunca tinha ouvido falar dos seus antecessores. Não poderia, como é óbvio, inventar tudo o que é descrito nas obras assinadas por André Luiz, assim como carece de base a afirmação que ele não sabia o que estava psicografando, pois era o próprio Chico Xavier quem revisava os textos e os datilografava, sempre com a supervisão atenta de seu mentor espiritual Emmanuel, que lhe dissera ficar sempre com Kardec diante de qualquer dúvida.

O conteúdo descritivo do livro Nosso Lar está de acordo com as descrições anteriormente recebidas por outros médiuns, assim como está de acordo com os princípios que formam a Doutrina Espírita.

 

O Livro dos Espíritos?

As pessoas que criticam as obras do Espírito André Luiz, classificando sua literatura de ficção, alegam que as descrições de cidades, colônias etc. não existem em O Livro dos Espíritos, obra básica e fundamental do Espiritismo. Nem poderiam existir. Na metade do século XIX, lembrando que ele foi lançado em 18 de abril de 1857, se ele trouxesse esse tipo de conteúdo, receberia o anátema geral, seria motivo de chacota da imprensa, assim como de desprezo pelos cientistas. Tratava-se de lançar as bases de uma doutrina filosófica, científica e de consequências morais profundas (religiosas), e os Espíritos Superiores, sabiamente, não entraram em detalhes que seriam prematuros e poderiam confundir as pessoas. Tudo tem seu tempo certo, não esqueçamos disso, mas a base para compreensão da realidade do mundo espiritual está ali firme, no magistral diálogo realizado por Kardec junto aos Espíritos.

Atentemos para uma publicação a que nem sempre é dado o devido valor, mas importantíssima para a elaboração do edifício doutrinário do Espiritismo: a Revista Espírita. Publicada mensalmente, serviu de laboratório às obras posteriores da Codificação Espírita, onde Allan Kardec publicou diálogos com os Espíritos das mais diversas categorias, além de estudos preciosos sobre a realidade espiritual que nos aguarda. No seu vasto conteúdo temos relatos e observações que corroboram as descrições recebidas pelos médiuns que citamos neste texto, embora Kardec, com sua prudência, não tenha publicado algo do porte das obras que esses médiuns recepcionaram, o que é perfeitamente compreensível, pois era tempo de estabelecer as bases, com segurança, e não de desenvolvimento de todos os temas que o Espiritismo comporta.

 

Concluindo

Obedecendo a lei divina do progresso, as revelações espirituais nunca são precipitadas, aguardando o amadurecimento intelectual e moral dos homens, surgindo aqui e ali, progressivamente, sem se desmentirem, formando pouco a pouco um rico manancial de informações que podem ser observadas, estudadas e aceitas ou não principalmente se, diante do Espiritismo, ferirem a universalidade do ensino dos Espíritos e/ou se choquem com os princípios básicos da doutrina. Não é o caso das descrições acerca da vida no mundo espiritual, que em tudo se complementam e se agregam. Pela sua importância, deixamos aqui um alerta: nem tudo que vem dos Espíritos pode ser aceito de boa-fé, sem antes passar pelos crivos da lógica, do bem senso, da razão, da universalidade do ensino e do estudo em relação aos princípios espíritas. Feita essa ressalva, que provém dos Espíritos Superiores e de Allan Kardec, não vemos base para as críticas à obra do Espírito André Luiz, e muito menos para o médium Chico Xavier, pois seu trabalho não é apenas o de descrever como se vive depois da morte, e sim trazer lições, ensinamentos de profundo teor moral, que não podem ficar em segundo plano, sob pena de desviarmos o foco da essência mesma do Espiritismo, doutrina de educação que nos conclama para a transformação moral nossa e da humanidade.

 

Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube; possui mais de 35 livros publicados.

   

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita