Imaginemos o sentimento de amor genuíno que nós, cuidadores,
temos para com nossas crianças; um amor que nos estimula a sair
de nosso egoísmo e orgulho pelo bem-estar dos pequenos e,
incansavelmente, buscar as melhores escolhas em nossos dias. Tal
sentimento atua como um catalisador da nossa própria
transformação pessoal, que é capaz de promover a educação
infantil – ou, em verdade, a educação humana – ao se utilizar do
amor e do exemplo.
Remetendo-nos ao pedagogo da Humanidade, Jesus, observamos que
sua superioridade moral, aliada ao seu amor genuíno por todo ser
vivente, nos legou o mais sublime exemplo educativo. É a partir
do seu exemplo que podemos visualizar a potencialidade que a
educação terrena possui. Há milênios, seu exemplo nos educou e
nos educa no amor, sendo Ele a prova viva e indelével do que
devemos almejar a alcançar em diversos âmbitos, em especial no
da educação humana.
Entretanto, compreendamos a realidade de nossa posição
espiritual frente ao Mestre: ainda andamos na senda dos
Espíritos imperfeitos. São inúmeras, ainda, as limitações e
imperfeições, que nos impossibilitam de aplicar, em nossa
práxis, o Seu exemplo educacional. Podemos, porém, refletir,
ainda, que, mesmo estando nesse estágio, Deus, infinitamente bom
e misericordioso, nos permite, a cada dia, receber mais
Espíritos para tutelar e amar segundo a nossa capacidade.
Frente ao reconhecimento de nosso estágio imperfeito e, também,
da misericórdia de Deus em nos conceder, mesmo estando nele, tão
bela missão, chegamos ao nosso ponto de reflexão principal: como
ser, pois, um cuidador melhor para meus tutelados e honrar essa
missão recebida? E a reflexão inicial também se torna nosso
primeiro passo. Em frente, temos o trabalho árduo, mas também o
caminho libertador.
Quando adentramos o âmbito da educação infantil, muitas são as
linhas de abordagem presentes hoje para estudo, cada uma
trazendo ferramentas a serem utilizadas com as crianças. Dentro
desse amplo espectro de abordagens, observamos a diversidade das
ferramentas disponíveis, que visam: a disciplina, a autonomia
infantil, o contato com a natureza, a simplicidade, o
desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento motor, dentre
tantas outras. Entretanto, gostaríamos de dar um passo para trás
nesse momento.
O lugar comum nesse grande cenário é a utilização de tais
propostas pedagógicas para com as crianças. Compreendamos,
porém, anteriormente, quem é o intermediário que as irá aplicar:
o adulto cuidador. É nele que iremos focar a nossa reflexão
educacional. Consideremos, a título exemplificativo, um adulto
cuidador, que mesmo diante do indiscutível amor por seu filho,
lida, em sua vida pessoal, com lutas emocionais. Temos, nesse
exemplo, um obstáculo à aplicação de qualquer ferramenta
escolhida, pois, a saúde emocional dos filhos está intimamente
relacionada à de seus cuidadores.
Falemos, agora, da linha educacional da educação positiva, que
se aproxima de nosso objetivo de reflexão, pois faz uma proposta
dando esse passo para trás: ela propõe a educação emocional do
adulto cuidador. A partir dessa ação, então, ele adquire a
segurança e a confiança para repassar uma educação saudável aos
seus filhos, independente de qual ferramenta escolha.
Maya Eingenmann é escritora e educadora parental que, hoje,
conscientiza e educa os pais acerca desse olhar respeitoso para
si mesmos e para seus filhos. Ela diz, em um artigo veiculado na
seção Mães e Filhos da revista digital Marie Claire
(2023): “A educação positiva salvou os meus filhos de mim mesma.
Precisava cuidar de mim para poder cuidar dos meus filhos”.
Transportando essa fala profunda e significativa para a Doutrina
Espírita, educar a nós, adultos cuidadores, é continuamente
cuidar da nossa própria reforma íntima, sempre nos conhecer mais
a fundo, vigiar nossos impulsos e orar por auxílio. Salvar
nossos filhos de nós mesmos é não projetar neles as sombras e as
más inclinações que, ainda, carregamos em nossa bagagem
espiritual. Imperfeitos, ainda, sim; mas mais conscientes e
menos reativos também, nos esforçando para subir pequenos
degraus na conquista de nós mesmos.
“Conhece-te a ti mesmo”, a memorável frase de Santo Agostinho
(Espírito) presente na resposta dada à questão 919 d’O Livro
dos Espíritos, frente a essa discussão, adquire novas cores
e uma nova aplicabilidade. Colocar luz em cima de nossas
limitações nos permite vê-las com mais clareza quando elas
emergem de nós em direção ao nosso próximo. Esse primeiro passo
nos permite conhecê-las para, em seguida, aceitar sua presença
e, eventualmente, educá-las para o Bem. O autoconhecimento é a
linha de partida; a educação respeitosa e amorosa, a linha de
chegada. E o trajeto, portanto, é nossa reforma íntima e nossa
educação pessoal.
A educação pessoal, caminhando de mãos dadas com a reforma
íntima, passa por uma das bases da educação respeitosa infantil:
o acolhimento. Acolher a criança em suas emoções é imperioso,
mas tanto quanto é o acolhimento a nós mesmos em nossas emoções
e sentimentos. Compreender que somos frágeis, despertando em nós
a virtude da humildade, nos permite abraçar os efeitos dessa
fragilidade. Venha ela por meio da irritação, da impaciência, da
intolerância, da apatia, ou de qualquer outra limitação; ainda
assim, ela não mais se esconderá ou passará despercebida aos
olhos da autoeducação.
Ao se tornar evidente, qualquer ação – ou reação – perde o peso
do desconhecimento e da ignorância. E é uma questão de tempo,
até que ela gere o incômodo irreversível para a mudança.
Incomodados que ficamos com a presença constante, nossas
limitações começam a se enfraquecer e, aos poucos, se curvar
frente ao Homem novo que toma espaço, rememorando a carta do
apóstolo Paulo aos Efésios. O Homem novo passa a ter voz ativa e
escolher, de forma racional, sua ação e sua reação, não mais se
permitindo dar vazão às escolhas emocionais não raciocinadas.
Khalil Gibran, poeta libanês, em seu livro O Profeta (2019),
nos apresenta uma bela imagem mental sobre este tema: os pais
são o arco, os filhos são as flechas e o arqueiro é Deus. Nós
somos os instrumentos de atuação d’Ele na vida de nossos filhos,
e tal instrumento, como o arco, deve curvar-se frente à vontade
do arqueiro, facilitando seu direcionamento para essas flechas.
Nossa atenção deve dividir-se entre nossa própria calibração
emocional e espiritual e a orientação emocional e espiritual dos
nossos tutelados.
“Amar o próximo como a si mesmo” foi a orientação, sabendo Jesus
que estaríamos cerceados por nossa capacidade limitada frente ao
que Ele fez. Porém, ainda assim, amar. O caminho, o verbo, o
agir foi a mensagem; de onde, por sua vez, podemos inferir ser
fundamental não estacionar e não desanimar. No capítulo XVII d’O
Evangelho Segundo o Espiritismo, lemos: Reconhece-se o
verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos
esforços que emprega para domar suas inclinações más”, ou seja,
honraremos a missão que nos foi dada por Deus pelo nosso esforço
no caminho da autoeducação, utilizando-nos das vivências morais.
Nessa caminhada temos para onde olhar, pois temos o exemplo do
Cristo e suas orientações. Pela misericórdia divina temos,
ainda, a Doutrina Espírita a nos consolar e esclarecer; e todos
os seus enviados, com a Espiritualidade superior a nos intuir e
por nós interceder.
Recordando-nos do sentimento sublime de amor pelos filhos,
citado no início desta reflexão, que não o associemos somente ao
sentimento de que poderíamos morrer pelos nossos filhos, mas
sim, que o liguemos ao sentimento de que iremos viver, nos
esforçando no caminho do Bem, por eles.
Pelo exemplo e pelo amor, eles farão o mesmo. (*)
Referências:
ALLAN KARDEC. O Livro dos Espíritos. Questão 919.
ALLAN KARDEC. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Página
235, Item 4 – Os bons espíritas).
KHALIL GIBRAN. O profeta. São Paulo – SP, Editora Planeta
do Brasil LTDA, 2019. Página 31.
BÍBLIA. Carta de Paulo aos Efésios, capítulo 4, versículos de 22
a 24.
REPORTAGEM. Maya Eigenmann fala sobre como educação positiva
'salvou' sua família: 'Não sabia acolher nem a mim mesma'.
Revista digital Marie Claire, 2023. Disponível em: LINK-1 Acesso
em: 23 de setembro de 2023.
(*) Artigo contemplado no Concurso A Doutrina Explica 2023,
promovido pelo Jornal Brasília Espírita, em parceria com a
Revista Eletrônica O Consolador e a Web Rádio Estação da Luz.