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por João Márcio F. Cruz

 

“Eu não sou um monstro”, pode falar quem for fruto de um estupro


“...qual monstro sairá do ventre dessa mulher? ...” – a fala do presidente Lula durante uma entrevista no dia 16/06/2024 causou mais uma celeuma no Congresso. O presidente tentava criticar a PL que equipararia o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples.

Para mulheres que passaram por violência sexual e engravidaram, gerar o filho de seu agressor é um grande receio. É frequente ouvirmos notícias relatando casos de estupros contra mulheres. De acordo como o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213 (Lei 12015, de 2009), estupro é “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. O estupro é considerado um dos crimes mais violentos, por isso é um crime hediondo

O termo monstro é uma maneira de rotular aquele indivíduo que cometeu crimes bárbaros. Geralmente, o exército oficial rotulava de “bárbaro” os povos inimigos no afã de desumanizá-los e evitar ser considerado culpado ao cometer crimes iguais ou maiores que eles cometiam.

Em pleno século XXI, qualquer pessoa que tenha uma atitude contrária à minha opinião é chamada de “monstro”. Uma maneira vulgarizada de denominar seres diferentes ou infratores.

Em casos de violência sexual, o indivíduo – abusador, assediador, estuprador – são denominados monstros pelo seu comportamento imoral e criminoso. A mãe é considerada a vítima e merece todo o apoio estatal, familiar, social, psicológico e espiritual.

O autor da violência merece punição penal, e quiçá acompanhamento psiquiátrico ou psicológico se for necessário em quadros clínicos reconhecidos.

Ambos, porém, são espíritos em evolução.

Nos trâmites da reencarnação, não sabemos quem está em expiação, provação ou missão. Não detemos a ficha reencarnatória dessas almas, inclusive do espírito que se liga ao óvulo fecundado.

Porém, o que podemos assegurar é que esse “filho do estupro” não é um monstro. Ele não participou do evento, nem como vilão, nem como vítima. Caso não seja interrompida a gravidez, ele assumirá esse corpo e iniciará sua jornada reencarnatória em face dessa triste e dolorosa circunstância.

Algumas perguntas surgem nesse momento:

- Por que essa mulher sofreu essa violência?

- Por que ela engravidou dessa violência?

- Que tipo de espírito escolheria reencarnar em decorrência de um estupro?

- Todo aborto revolta o espírito reencarnante?

- Existem fetos sem destinação à reencarnação?

- O criminoso tem recuperação?

São questões que surgem neste importante momento de discussão. Porém, em todas essas dúvidas, uma certeza ninguém discute. Independente de teodiceias, explicações sociológicas, metafísicas, narrativas esotéricas e razões ocultas, o fruto dessa violência é um “inocente”. Nenhum bebê é um monstro!

Mesmo que ele tenha sido um criminoso, perante as leis divinas, em existências do pretérito, o ato de reencarnar já é um processo “humanizador”. Amnésia do renascimento, limitação dos órgãos, vulnerabilidade infantil e dependência afetiva são recursos da Providência Divina e das leis naturais para oferecer mais uma chance a essas almas.

Todo bebê é uma alma que mereceu uma nova chance.

Merecem, pois, que lembremos as palavras da jovem Tasnim, que descobriu aos 10 anos de idade que teria seria fruto de um estupro:

- Nasci de um estupro, mas isso não me define... Agradeço muito a mamãe por me enxergar como uma criança, não como um monstro.

Os filhos de abusos sexuais sofrem preconceito social daqueles que esperavam seu aborto e até incentivaram a interrupção da gestação.

A mulher que escolheu abortar, tanto quanto aquela que escolhe continuar a gravidez, merece respeito e acolhimento.

Existe uma pressão ideológica e partidária para difamar aquela que insiste com a gravidez. Tratam como heroína aquela que escolhe expulsar o feto e suas memórias traumáticas, mas, de forma covarde, julgam de modo negativa aquelas que se recusam o ato abortista. E, além delas, os filhos também enfrentam olhares de zombaria e discriminatórios:

- Esse aí é filho do estuprador. Deve puxar ao pai...

- Se eu fosse ela, me teria livrado dessa coisa...

A situação é ambígua. De um lado, mulheres sendo julgadas pelo aborto, mesmo depois da violência. Do outro, os filhos do estupro também sendo vítimas do preconceito perverso social.

O filho, que não tem culpa da violência sofrida por sua mãe, merece todo o carinho e a proteção do mundo. Ele não carrega a “marca” da violência. Quem carrega é sua mãe. Ele traz uma nova oportunidade para todos os espíritos envolvidos, inclusive seu pai.

Se foi por decorrência de violência, fertilização in vitro, inseminação artificial ou reprodução natural, à luz da doutrina espírita esse Espírito que ora se torna um bebê é uma alma que merece todo abraço, segurança e amor fraterno.

Do ventre de uma mulher, jamais sairão monstros...

Seu ventre é o primeiro berço, em que a vida brota por inesperadas circunstâncias, seguindo linhas por vezes dramáticas e vis, como a flor que, segundo o poema do Drummond, brota no asfalto duro, quente e seco e exala seu perfume num ambiente insalubre da vida material.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita