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por Maria de Lurdes Duarte

 

Lei de Liberdade versus Lei dos Destinos

 

851. Há uma fatalidade nos acontecimentos da vida, segundo o sentido ligado a essa palavra; quer dizer, todos os acontecimentos são predeterminados, e, nesse caso, em que se torna o livre arbítrio? - A fatalidade não existe senão na escolha feita pelo Espírito ao encarnar-se, de sofrer esta ou aquela prova; ao escolhê-la, ele traça para si mesmo uma espécie de destino, que é a própria consequência da posição em que se encontra. (Kardec; O Livro dos Espíritos; Cap. X; Lei de Liberdade - 1857.)

 

O que chamamos mal, ofensa, homicídio, determinam nos culpados um estado de alma que os entrega aos golpes da sorte na medida proporcionada à gravidade dos seus atos. (Léon Denis; O Problema do ser, do destino e da dor; A lei dos destinos - 1908.)


Liberdade e Destino, dois princípios que apenas na aparência poderão parecer contraditórios. Sendo a Lei de Liberdade uma das Leis Morais que rege o Universo, não será o destino um entrave a essa liberdade e ao livre-arbítrio que nela está implícito? Como em muitas outras questões, é o Espiritismo que vem trazer a luz que leva ao entendimento dos aspetos mais profundos da natureza e da evolução humanas.

“O homem não é fatalmente conduzido ao mal” (Kardec). Atrevemo-nos a acrescentar: nem ao bem. Não há fatalidade nas ações humanas, apenas nas provas a que estamos sujeitos, provas essas que nós mesmos escolhemos e/ou aceitamos, quando, no Plano espiritual, libertos da matéria, no livre uso da nossa consciência, mais ou menos desenvolvida consoante o grau evolutivo atingido, planeamos cada nova existência terrena. Foi aí que solicitámos provas que nos permitissem expiar os erros que reconhecemos como entrave à ascensão espiritual, que nos permitissem subir mais um degrau na escalada evolutiva e que nos fizessem provar, perante a nossa consciência que estamos libertos desses entraves e prontos para “novos voos” evolutivos. Quando libertos da matéria, ansiamos pela libertação rápida de tudo o que nos pesa e corrói a consciência e sentimo-nos desejosos de subir mais rapidamente, contrariando o tempo que perdemos arrastando-nos pelos lamaçais do erro e das vidas autodestrutivas por que passámos.

Uma vez na Terra, apesar de momentaneamente tolhidos pela matéria, somos postos perante os acontecimentos que planeámos para o novo percurso da caminhada ascensional. O esquecimento próprio do instrumento cerebral físico não nos deixa reconhecer todos os propósitos traçados. No entanto, no âmago da consciência mais profunda, algo nos chama ao cumprimento dos deveres assumidos. Chamaremos a isso fatalidade? De certo modo, sim: fatalidade nos acontecimentos e provas a que não poderemos fugir. Mas de modo nenhum, fatalidade na forma como reagimos perante os acontecimentos; muito menos nas opções que tomamos relativamente à prática do bem ou do mal. Nesse ponto, o nosso livre-arbítrio impera. Até mesmo perante a ação inspiradora, ao bem ou ao mal, dos Espíritos que nos assistem, a nós e só a nós cabe, em todas as circunstâncias, a opção de seguir um ou noutro rumo. Bons ou maus, os Espíritos que nos acompanham e nos inspiram são os que atraímos pela sintonia com o bem ou o mal. São, também eles, fruto da ação do nosso livre-arbítrio.

Poderemos ainda perguntar: porque permite Deus que façamos tão más escolhas? Se Deus tudo sabe, tudo vê, sabe de antemão que vamos sucumbir. Porque não coloca à nossa disposição mecanismos que nos levem no sentido do bem e nos entravem o mal que é próprio da natureza humana. Não seria mais fácil, logo à partida, afastar de nós o que sabe que nos levará ao mal?

Estejamos certos que, se fosse esse o procedimento acertado, com vista à nossa felicidade, Deus o adotaria. Na sua infinita misericórdia não nos faltaria com os meios de atingir essa felicidade. E nunca nos faltou com esses meios, disso devemos estar convictos. É esse o fundamento da Sua Criação: a Felicidade, a Beleza, o Bem. E podemos dizer que esse fundamento, isso sim, é fatalidade. Se alguma coisa no Universo é fatal, à qual não poderemos jamais fugir, é o facto de que atingiremos a Perfeição, o Bem, a Felicidade. Os meios para lá chegarmos e o tempo que demoraremos no caminho são traçados por nós, passo a passo, dia a dia. O que conquistarmos será mérito nosso. Essa é a vontade de Deus: que cheguemos por nosso mérito; só assim será uma conquista verdadeiramente nossa.

Qual o instrumento universal de que a Lei Divina dispõe para nos fazer alcançar o equilíbrio entre o direito de ser livres e a necessidade fatal de evoluir? A Reencarnação é o grande instrumento que nos faz, degrau a degrau, ao longo dos milénios, de mundo em mundo, ir subindo até ao cimo da escala espírita. Em cada reencarnação, pela Dor e pelo Amor, resgatamos faltas, limamos as arestas da personalidade, construímos redes de amizades espirituais que nos acompanham ao longo da escalada. Aprendemos à nossa custa e conquistamos, aos poucos, a sabedoria que nos leva ao discernimento entre o Mal (consequência da ignorância e causa da dor) e o Bem (conquista da alma pelo aprimorar da consciência que nos libertará e impulsionará sempre a novas e melhores conquistas).

À medida que a consciência se aprimora, pelas experiências que as reencarnações sucessivas nos oferecem, vamos cada vez mais antevendo qual o destino que Deus tem à nossa espera. Antevemos a felicidade dos justos e ansiamos fazer parte desse conjunto de Espíritos que nos servem de exemplo e inspiração. Temos o maior modelo que é Jesus. À medida que crescemos espiritualmente, mais vai aumentando em nós a capacidade de interpretar os Seus ensinamentos e de os pôr em prática. E, à medida que o fizermos, mais obteremos o equilíbrio que nos permite compreender os propósitos da Divindade, para nós e para o Universo em geral. Porque tudo obedece às mesmas Leis, do mais pequeno ser infinitesimal da Criação ao ser angelical perfeito. Importa que nos ajustemos às Leis Universais e que empreendamos a caminhada dentro desse ajuste. Porque colheremos sempre o que semearmos. “A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória” (Paulo, Gálatas, 6:7). Nisso está a fatalidade. No uso do direito à liberdade que nos assiste, semearemos sempre o que nos aprouver; em consequência dos nossos atos, traçaremos sempre para nós um destino que teremos de cumprir, porque a hora da colheita sempre chegará. Faz parte da Lei de Ação e Reação: não há efeito sem causa e uma causa é sempre efeito de algo. É o que acontece em tudo na Natureza terrena ou Universal. Porque haveríamos nós, humanidade em aprendizagem, de ser exceção?

 

Bibliografia:

O Livro dos Espíritos, Allan Kardec.

O Problema do ser, do destino e da dor, Léon Denis.

Novo Testamento, Epístola de Paulo aos Gálatas.

 

Maria de Lurdes Duarte reside em Alvarenga, Arouca, Portugal.


 

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita