Escolho não sofrer
É possível escolher não sofrer? Claro que não! O
sofrimento está no DNA da evolução humana. Sofremos ao
nascer, ao crescer para gerar outros filhos, sofremos
com as enfermidades que surgem independentemente de
nosso comportamento, sofremos ao nos despedirmos de
entes queridos que desencarnaram antes de nós.
Os Espíritos também sofrem. São sofrimentos diferentes
dos nossos. Se deparam, principalmente, com a dor moral
do sentimento de culpa: a noção do tempo perdido, a
constatação de que foram desleais com afetos sinceros,
as atitudes desonestas e muitas outras. Sofrem
igualmente quando percebem que seres que amam, ainda
domiciliados na dimensão corpórea, estão fazendo
escolhas erradas, complicando seu futuro espiritual.
Quando propomos, então, escolher não sofrer, estamos nos
referindo ao conjunto de pensamentos que alimentamos
diante do sofrimento. Isso não vai nos livrar do
sofrimento em si mesmo, mas pode reduzir a sua
intensidade, e evitar que nosso sofrimento gere mais
sofrimento nas pessoas que amamos.
Sobre isso, lembro-me de Dona Natalina, uma senhora
residente no Rio de Janeiro, que conheci em uma Semana
Espírita de Astolfo Dutra.
Nessa tradicional Semana Espírita, na parte da manhã,
ocorre o que denominam Reabastecimento.
Os confrades sentam-se em círculo, no pátio da Fundação
Abel Gomes, alguém lê um pequeno trecho de um dos livros
de Allan Kardec, e aqueles que desejam tecem
comentários, em torno do texto lido.
Naquela manhã, o texto calhado referia-se ao sofrimento
humano. Muitos deram a sua colaboração, até que Dona
Natalina pediu a palavra e se manifestou de forma
comovente:
- Como muitos de vocês sabem, eu tenho um filho que é
dependente químico. Completa este ano 38 anos de idade e
se iniciou nas drogas aos 15. É
meu único filho. Sou viúva, há muitos anos, e lido
sozinha com esse problema. Ele nunca estudou, e poucas
vezes permaneceu no emprego, por mais de um ano. Não é
uma má pessoa, não me maltrata, nunca me agrediu. Vai ao
centro, de vez enquanto, tomar passes. Mas nunca se
afastou das drogas.
Confesso que minha vida havia perdido a graça: meu único
filho era um inválido, alguém sem serventia, vivendo
apenas para saciar seu vício. Quantas noites fiquei sem
dormir, ou dormia chorando. Nada tinha graça para mim;
arrastava-me pela existência, triste e melancólica.
Até que, certa manhã, acordei diferente. Era um belo
dia; o sol nascera radiante, os passarinhos na
vizinhança começaram cedo sua cantoria. Debrucei-me,
então, na janela e pus-me a pensar sobre a criatura que
havia me tornado. E, nesse momento, algo estranho e
diferente aconteceu comigo, como se uma força misteriosa
tivesse me tomado por inteira. Disse, então, a mim
mesma:
- Não vou sofrer mais! Basta! Vou continuar amando-o
como ele é, mas não vou sofrer mais.
Saí do quarto, fui até a sala onde ele se encontrava,
abracei-o ternamente, lhe desejei um bom dia e fui
cuidar dos meus afazeres.
Isso se deu há 5 anos. Meu filho continua na droga; eu o
amo com sempre amei, mas eu sou uma pessoa diferente.
Escolhi não sofrer mais.