Todas as
manifestações de nossa alma, sejam elas positivas ou negativas,
merecem a nossa atenção no sentido de busca para o nosso
aperfeiçoamento moral e espiritual, atendendo a um dos aspectos
mais relevantes do Cristianismo, que é a transformação da
criatura. Desenvolver a intelectualidade, progredirmos
tecnologicamente falando, faz parte da Lei do Progresso, mas
esta, para ser completamente atendida, deverá abranger o
principal, que é descobrirmos quem somos, quais as mazelas que
ainda enfeiam nossas almas e transformá-las em virtudes.
Dentre
tantas manifestações de nossos sentimentos considerei que seria
interessante abordar o tema reconhecimento e gratidão, já
que, incontáveis vezes nos sentimos abatidos pela ingratidão
daqueles que nos cercam, por não serem capazes de reconhecer os
nossos “esforços” e valores” (aqui colocados em aspas, pois nós
nos supervalorizamos em tudo aquilo que fazemos). Assim,
gastamos energias preciosas, sem procurarmos saber o que está
por detrás desse sentimento desalentador e desencorajador de
realizações no bem. É comum ouvirmos e falarmos que fazer o bem
não vale a pena, que quanto mais a gente ajuda mais ingratidão
sofremos, e tantas outras expressões que revelam a nossa
frustração com as atitudes alheias.
Vamos,
então, analisar rapidamente, escorados, baseados em ensinamentos
de Espíritos iluminados, quanto agimos equivocados ou, em outras
palavras, enganados a respeito dessa questão.
Conforme
preleciona Cairbar Schutel, na sua obra Parábolas e Ensinos
de Jesus, reconhecimento e gratidão são duas expansões da
alma que marcam o estado moral de cada um de nós (quando falamos
em estado moral, significa a evolução espiritual de cada um, a
maturidade do espírito. Quanto mais evoluirmos, menos
suscetíveis de melindres e desejos de que o outro nos
compreenda). Assim, o reconhecimento é o testemunho da
genuinidade de uma coisa, de um fato, de uma pessoa, que nos
aproxima da verdade; um ato de discernimento que tanto pode nos
aproximar do bom ou do mau juízo que façamos de um objeto ou uma
pessoa. Como virtude moral, o reconhecimento é o princípio da
gratidão e, por estar atrelado ao grau de discernimento
espiritual (discernimento é compreensão), obedece sempre ao
espírito do julgador; o reconhecimento, como produto do
benefício, é a confissão do bem, pelo bem que o bem nos fez.
A gratidão,
por sua vez, grava a ideia do bem e mantém, pelo autor do
benefício, vivo sentimento de carinho, avivando a lembrança do
benfeitor, confirmada pela razão e sancionada por gesto do
coração.
Assim,
podemos afirmar que há reconhecimento e há gratidão, onde o
reconhecimento para, por não poder continuar seu caminho, começa
a gratidão num sulco de luz que nos levará num caminho
ascensional para a Eternidade.
Muitas são
as almas reconhecidas e poucas as que têm gratidão. Lembremos a
passagem evangélica, na qual Jesus curou dez leprosos, mas
apenas um voltou para dar graças ao Senhor, assim também como
doutores, escribas, fariseus, governadores e césares, depois de
reconhecerem o Poder do Verbo Divino, resolveram crucificar o
inocente. E aquele mesmo que, depois de haver mostrado o seu
reconhecimento na mais alta expressão de inteligência, lava as
mãos ao derramamento de sangue e acede ao sacrifício da vítima,
porque não teve coragem de ser grato.
O mundo
está cheio de reconhecidos e vazio de gratidão.
Nós temos
em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XIII, item
19, um precioso ensinamento com relação àquilo que falamos no
início, sobre não queremos mais fazer o bem por receio da
ingratidão.
Vejamos o
que ele diz: “As pessoas têm mais de egoísmo do que caridade,
porque não fazer o bem senão para dele receber sinais de
reconhecimento é não o fazer com desinteresse, e o benefício
desinteressado é o mais agradável a Deus. Aquele que procura na
Terra a recompensa do bem que faz, não a receberá no céu; mas
Deus terá em conta aquele que não a procura na Terra. É preciso
sempre ajudar os fracos, mesmo sabendo de antemão que aqueles a
quem se faz o bem não estarão contentes”. E diz mais: “Deus
permite que sejais pagos, por vezes, com a ingratidão, para
experimentar a vossa perseverança em fazer o bem”.
Também
devemos lembrar-nos e guardar isso como estímulo para
continuarmos a fazer o bem. É que um benefício pode ser
esquecido no momento, mas poderá mais tarde render bons frutos,
como uma semente que foi lançada e germinará com o tempo.
Os
benefícios acabam por abrandar os corações mais endurecidos;
eles podem ser menosprezados neste mundo, mas quando o Espírito
se desembaraçar do seu envoltório carnal lembrar-se-á, e essa
lembrança o atormentará; então, lamentará a sua ingratidão e
quererá reparar a sua falta, pagar sua dívida noutra existência,
frequentemente, aceitando uma vida de devotamento para com o seu
benfeitor. É assim que, sem que suspeitemos, teremos contribuído
para o seu adiantamento moral e reconheceremos, mais tarde, toda
a verdade desta máxima: Um benefício jamais se perde; além de
termos trabalhado em nosso próprio benefício, porque teremos
feito o bem com desinteresse e sem nos deixarmos desencorajar
pelas decepções.
Desse modo,
trabalhemos incessantemente no bem, fazendo tudo o que pudermos
para o nosso próximo, sem nos afligirmos ante as ingratidões que
nos convidam ao testemunho de amor, pois ninguém transita pelos
rumos da Terra sem sorver a taça da ingratidão, ingratidão que
desde ontem aparece e reaparece em todas as vidas.
No livro Ave
Luz, numa das histórias ali relatadas, e essa em especial, é
Jesus falando com Tiago sobre o que é gratidão, quando, dentre
tantas palavras lindas e sábias, ele diz assim:
“O
reconhecimento é a resposta da prática da caridade. Se fazes o
bem constantemente e ainda não foste alvo da gratidão, não
esmoreças com isso. Ela deve estar a caminho. Se não for pelo
objeto visado pelo teu amor, será pelos meios que Deus sempre
usa para nos premiar, mas sempre receberás em troca daquilo que
dás. E se queres ter um lugar de maior relevo no coração da
vida, nunca deves pensar no comércio dos próprios dons
espirituais. A exigência desnorteia os valores da alma e a troca
interesseira entorpece a dádiva”.
Uma outra
colocação sobre o que seja gratidão, tirada da mesma lição, diz
assim:
“Gratidão
não significa compromisso com o benfeitor. É completamente ao
contrário. Ela nos liberta da dívida, quando a consciência exige
de nós alguma paga. Quando fazeis alguma coisa malfeita, não é o
arrependimento que abre as portas da reparação? Ao receber algo
de bom dos outros, é o reconhecimento que desperta em vós o
amor, que existe em todas as almas e que, por vezes, dorme. O
amor é a verdade e a verdade sempre liberta as criaturas das
amarras da ignorância. Não vamos ficar repetindo gratidão em voz
alta para todos os que passam a reconhecer em nós virtudes que
às vezes não existem, eis a falsa gratidão. Ela opera no
silêncio da conduta e, quando a oportunidade chega, é bom que se
prove, com a naturalidade que a sinceridade expressa, que não
somos petrificados, mas sim sensíveis àqueles que nos ajudam no
caminho e procuram aliviar a nossa cruz. A caridade é Deus se
fazendo visível para nós por intermédio dos outros e a Gratidão
é o mesmo Deus se expressando aos outros pelo que eles fizeram
por nós. E é por essas vias que o amor que temos a Deus sobre
todas as coisas começa a nos fazer sentir que devemos tê-lo para
com o próximo, amando-o como a nós mesmos.”
E,
finalizando, vamos tentar reiniciar nossos conceitos sobre
reconhecimento e gratidão, aproveitando mais um ensinamento de
Cairbar Schutel quando ele preleciona que no reconhecimento só
age o interesse e, na gratidão é o amor que fala. O
reconhecimento é o princípio inteligente que nos aproxima da
verdade; a gratidão é um dever que a ela nos alia.
Na vida
particular, como na vida social, há reconhecimento e gratidão;
mas aquele, quando lustrado pela nobreza de caráter, é o
princípio em que germinam as graças que nos dão a pureza de
sentimento. O reconhecimento é, para a gratidão, o que a bolota
é para o carvalho. Assim como aquela (a bolota) só se transforma
em árvore por força do tempo e poder dos elementos, o
reconhecimento só se caracteriza em gratidão depois de um
cultivo acurado da Lei do Amor lembrada pelo Cristo.