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por João Márcio F. Cruz

 

Encontraram o fóssil do deus de Espinoza?


Segundo o filósofo holandês Baruch Espinoza: afora Deus, nada pode ser dado nem concebido e que, tudo o que existe, existe em Deus, sem Deus nada pode ser, nem pode ser concebido.

Conhecido como o “deus imanente”, essa concepção da divindade de Espinoza também pode ser uma característica panteísta do criador e muitos acreditam nessa teologia como a figura transcendental de uma natureza com “N” maiúscula. Na contemplação da natureza, vemos Deus.

Por mais romântica e poética que seja essa visão, Kardec e os espíritos abordam-na no Livro dos Espíritos e durante a codificação e mostram a insensatez de tal concepção. Na questão 14, o codificador pergunta:

Deus é um ser distinto, ou será, como opinam alguns, a resultante de todas as forças e de todas as inteligências do Universo reunidas?

No universo, na natureza, tudo tem inicio, meio fim. Tudo evolui. Se o criador se confundisse com sua criação, também estaria sujeito a nascer, crescer, morrer e evoluir. Pela própria lei da evolução, um deus que é o resultante de “todas as forças...” estaria à mercê da entropia e sua transformação constante seria inato à sua natureza divina.

Ocorre em muitos espíritas a incapacidade de conciliar a bondade divina com a maldade do mundo e tentando conservar sua fé, pulam para uma concepção panteísta, trocam de deus porque o de Espinoza lhes parece mais próximo da gente. O Deus teísta que vive no céu, nas alturas, muito distante do choro e ranger de dentes da humana, lhes parece indiferente a nossas angústias. Trazê-lo para perto é um gesto bem humanizador do criador. A imanência de Deus o coloca dentro de cada pedra, árvore, criança e cachorro. Um criador que está na natureza porque é a natureza em seus aspectos divinos.

Quem defende tal ponto de vista se esquece daquilo que os espíritos superiores responderam:

- Se fosse assim, Deus não existiria, porquanto seria efeito e não causa. Ele não pode ser ao mesmo tempo uma e outra coisa.

Tudo que existe está sujeito às leis da matéria e as leis do espírito. No tempo foram criadas e no tempo evoluem. Sob o relógio do tempo, almas e coisas interagem num caos e ordem em harmonia. Um deus que também fosse “coisa”, “ser”, dentro desse tecido cósmico, deixaria de existir por tornar-se efeito em algum momento dessas correlações causais ou sincrônicas.

Kardec continua:

- Que se deve pensar da opinião segundo a qual todos os corpos da Natureza, todos os seres, todos os globos do Universo seriam partes da Divindade e constituiriam, em conjunto, a própria Divindade, ou, por outra, que se deve pensar da doutrina panteísta?

Os espíritos respondem:

“Não podendo fazer-se Deus, o homem quer ao menos ser uma parte de Deus.”

Penetrar a natureza do criador é humano. Uma atitude antropocêntrica necessária. Louvável. Digna. É natural que a criatura anseie compreender seu criador. É sensato, porém, reconhecer que nos faltam faculdades neurossemânticas, estruturas psicomorais, para sondar-se o íntimo. Tudo o que temos são teodiceias construídas de forma artesanal pela nossa genialidade ou neurose, pela nossa arrogância ou desamparo existencial.

Deus existe; disso não podeis duvidar, e é o essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores, antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis. Deixai, conseguintemente, de lado todos esses sistemas; tendes bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável, asseveram as entidades veneráveis.

Para os nobres espíritos da codificação, conhecer a si mesmo, combater suas más tendências é mais importante para o homem do que conhecer a Deus, provocando uma revolução no pensamento religioso, já que quase todas as religiões colocam como primordial o conhecimento de Deus para a salvação humana. A doutrina espírita, como um arcabouço ético, coloca a autotransformação como regra máxima, deixando em segundo plano o conhecimento do criador.

É uma atitude sensata!

Conhecer nosso interior já é, por si só, uma jornada longa, árdua e desafiante.

Conhecer a Deus, num planeta de provas e expiações, com um organismo que não dura 100 anos, um cérebro que não capta nem todo o espectro da luz, é tarefa impossível.

Mas...pelos avanços da ciência moderna, podemos assegurar, se o deus de Espinoza (que se confunde com a natureza) existisse, já teria sido descoberto por algum instrumento preciso e, na pior das hipóteses, já teriam encontrado sua cova, seu fóssil, em algum sítio arqueológico.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita