A ideia de Inteligência Artificial-IA remonta a décadas,
mas com a popularização de aplicativos, como o ChatGpt,
houve um crescimento desse debate, demarcando a inserção
desse tema na sociedade. Para atestar isso, basta
verificar diariamente as páginas de periódicos na
internet, para ver como o tema permeia praticamente tudo
atualmente, com muita coisa se autobatizando de IA,
apenas com fins publicitários.
A conceituação de inteligência artificial, conforme
disponível no sítio da IBM – clique
aqui -,
é que Inteligência artificial, ou IA, é uma tecnologia
que permite que computadores e máquinas simulem a
capacidade de resolução de problemas e a inteligência
humana.
Presente nos aplicativos mais utilizados, a IA como
instrumento tem limites, precisa ser “treinada” e
necessita de bases de dados robustas para a melhor
qualidade dos seus produtos derivados, se prestando
muito bem a realização de tarefas rotineiras,
formatações, articulações de grandes massas de
informações, mas se afigura como uma zona fronteiriça e
ainda pouco explorado, com muitas incertezas ainda de
suas possibilidades, mas com prenúncios de mudanças no
modo de viver.
Como tudo que entra dessa forma, transversalmente na
vida social, é mitificado e superestimado, servindo de
mecanismo publicitário para vender ou encarecer coisas,
mas esse cenário momentâneo não inibe o potencial da
revolução social em curso propiciada pela IA afetando
aspectos econômicos, sociais, da vida do trabalho e da
prática da espiritualidade.
No movimento espírita já temos livros ilustrados por IA,
pessoas montando suas palestras e aulas de evangelização
com essas ferramentas, e textos de periódicos
construídos dessa maneira, além de uso no apoio a
atividades administrativas. Mas isso é só o começo.
No mundo do cuidado pelo mundo, consultas médicas e
psicológicas são conduzidas por mecanismos baseados em
IA, e a gestão na relação com clientes e partes
interessadas já faz suas interações toda nessas
plataformas, sendo difícil recorrer a um atendente
humano para resolver um problema cotidiano. Um mundo
novo, fascinante e assustador.
Entre uma agitação muito grande mesclada a um receio,
tem-se ao final uma utilização massiva, as vezes sem nem
saber direito, em um cenário que remete a reflexões, em
especial no âmbito da visão espírita e da condução de
nossas atividades.
A primeira questão é de que com o avanço da IA, teremos
mais tempo livre (o que pode se traduzir em desemprego e
reformulação de relações de trabalho), e tenderemos a
“pasteurização” de procedimentos, agora rotinizados e
delegados, o que pode nos fazer em alguma medida mais
preguiçosos para fazer coisas mais elaboradas, frente a
comodidade de se usar uma IA.
Com isso, a impessoalidade, que já reina nas relações
mediadas pelas redes sociais, vai assumir outras
proporções e o contato humanizado será mais restrito,
diminuindo a empatia, o diálogo e a qualidade das
relações.
Sem ter medo de uma tomada de poder pela IA, como
preconiza a ficção científica, o receio é de outra
natureza, assustando a deterioração da convivência, o
que agudiza o egoísmo, a truculência e valoriza o
acessório em termos de evolução espiritual.
Esse debate, para além da superficialidade do sou contra
ou a favor, bate na porta do movimento espírita na
tentação de restringir e pasteurizar nossas atividades,
por essa delegação que nos afasta da interação humana no
espaço de convivência que é a casa espírita, seja no
assistencial, no doutrinário ou no mediúnico, em
especial em um mundo pós covid no qual nos acostumamos a
interação virtual com a casa espírita.
Isso é ruim? Não, mas tem consequências que precisam ser
conhecidas e sopesadas. Atendimento fraterno, a reflexão
na construção de uma palestra ou um artigo, a beleza de
atividades interativas, as canções que vem com a
inspiração, esse fazer artesanal e suas virtudes pode
ser engolida por uma produção em série de produtos
consumidos vorazmente e de forma superficial.
O Espiritismo é algo vivencial, qualitativo, e não se
restringe a volumes e quantidades, e a praticidade da
IA, desejável para várias coisas, pode ter efeitos na
essência do movimento como um espaço de interação
humana, tirando a nossa atenção da reflexão para a
informação em profusão.
Da mesma forma, por ser um organizador de conhecimento
disponível, a IA tem vieses, tem lógicas que podem
confrontar com o espírito da doutrina, em especial por
se servir do universo da internet, e por vezes não ter a
visão crítica de fontes, na busca de ser plural, sem
diferenciar as informações por bases evidenciais ou
inconsistências.
A produção de vídeos falsos e convincentes torna a busca
da verdade mais complexa, com uma enxurrada de notícias
inverídicas e isso pode afetar nossos textos e
produtores de conteúdo, podendo ser a IA um instrumento
de desinformação, recheada de bençãos de mensagens
mediúnicas para atribuir aquele conteúdo credibilidade.
Ainda que no Espiritismo importe mais a mensagem do que
a fonte ou o medianeiro, essa mesma visão nos inspira a
analisar com cuidado a produções de derivadas de IA,
para que os vieses sejam percebidos e discutidos,
fugindo do endeusamento de conteúdos oriundos de IA,
como fazermos, por vezes, diverso da lógica kardequiana,
com médiuns.
Assim, ideias estranhas e embaladas de forma acrítica,
muitas absurdas, podem tornar mais superficial o debate
espírita, fazendo-o conteudista, polarizado, mas ao
mesmo tempo com uma roupagem inovadora, para atender ao
fetiche mercadológico de dizer que está usando ali a IA,
como um símbolo de modernidade.
A doutrina espírita dialoga com a ciência, com a
tecnologia e com a inovação. É do seu DNA esse
acompanhar as coisas novas que surgem, e essa é uma de
suas forças, o que não significa absorver toda novidade
sem contextualizar esta com a realidade e seus
pressupostos, em especial a IA, que apesar do caráter
instrumental, afeta a essência das coisas, longe de ser
algo neutro.
A revolução da IA é inexorável, como foi a da televisão,
da internet, do vapor, da eletricidade e tantas outras
que modificaram o nosso modo de vida e a nossa forma de
vivenciar a doutrina espírita, gerando possibilidades e
ganhos. Mas, também essas revoluções tiveram suas
consequências que nos conduziram a reflexões, e passaram
pela superficialização do debate e pelo abandono de
práticas. A Revolução da IA também terá consequências na
nossa forma de sermos espíritas.
Kardec, se encarnado, seria um entusiasta dessa
novidade, mas com cautela, atento a superestimativas e
ilusões, algumas com claros fins comerciais, e que
santificam a novidade, no mito tecnológico que esquece
que o mundo é uma soma de novidades de cada época, que
ajudaram a construir o mosaico atual, permanecendo o que
é bom.