Entrevista

por Orson Peter Carrara

Recordações de um pouco da vida e da obra de Francisco Spinelli


 
Natural e residente em Bom Jesus (RS), com Licenciatura em História e Gestora da Unidade de Saneamento do município onde reside, Cíntia Magaldi Ramos Viana (foto) participa das atividades do Grupo Espírita Amor de Jesus, de sua cidade, do qual é atualmente a presidente.

Destaque-se que na cidade morou Francisco Spinelli, de grande importância para o município, que também é reconhecido como expressiva liderança espírita no estado do Rio Grande do Sul, cuja vida e obra são lembradas na entrevista seguinte. 

 

Como e quando conheceu o Espiritismo?

Durante minha adolescência, houve uma Feira do Livro na Praça da minha cidade e como sempre gostei muito de ler, fui até lá no intuito de olhar e comprar livros. Chegando até a Feira me deparei com uma banca do Grupo Espírita Amor de Jesus e então comecei a olhar os títulos dos livros. Quando vi os livros da Codificação de Alan Kardec, senti um interesse muito grande em ler aqueles títulos que para mim se mostraram muito interessantes, então comprei os cinco livros e à medida que fui lendo, o interesse por aquelas verdades que até então eram desconhecidas para mim foram aumentando. 

Finalizei a leitura das obras de Kardec com a certeza de que tinha encontrado uma Doutrina que consola, conforta e esclarece e que esse era o caminho que eu queria seguir. A partir de então me tornei espírita de coração e de alma, na busca constante de aprendizado e evolução, sabendo que a caminhada não é fácil, mas que com determinação e fé ela se torna possível.

O que mais lhe chamou atenção?

A simplicidade da Doutrina e os esclarecimentos que traziam luz e entendimento para minhas dúvidas, que me fizeram compreender, através de uma fé raciocinada, o sentido da vida e a compreensão da justiça divina, através da lei da reencarnação. 

E que tipo de transformação esse conhecimento lhe trouxe no contexto geral de sua vida pessoal?

Esse conhecimento me trouxe bastante esclarecimentos e a certeza da responsabilidade que devo ter com as minhas ações e atitudes, pois delas dependem o meu futuro. Trouxe-me, também a compreensão de que estamos nesse planeta para nos melhorarmos, auxiliando e praticando a caridade com todos, sem julgamentos e preconceitos e que a luta que devo travar é comigo mesma para vencer as imperfeições que trouxe e que ainda carrego comigo. 

E o que dizer da instituição espírita a que se vincula?

O Grupo Espírita Amor de Jesus é uma Casa centenária, fundada em 19/02/1915. É reconhecido pela Federação Espírita do RS como o 7º Centro Espírita fundado no estado.

No início do Grupo, as reuniões eram feitas nas residências dos adeptos da Doutrina, eram reuniões de caráter familiar. Os primeiros espíritas de Bom Jesus sofreram muito preconceito, mas se mantiveram firmes nos seus propósitos. As pessoas evitavam de passar em frente à Casa e, na época das primeiras reuniões, a residência de um dos adeptos foi apedrejada e teve todos os vidros quebrados. Com o crescimento do Grupo, veio, também, a necessidade de um espaço maior que pudesse acolher a todos. Então um de seus fundadores, Simeão Varela, doou um terreno ao lado de sua casa, onde foi construída a primeira sede da instituição e onde até hoje está localizada.

O Grupo Espírita permanece desenvolvendo seu trabalho de divulgação e difusão da Doutrina Espírita, aliada à prática da caridade, sempre de acordo com a Doutrina codificada por Allan Kardec.

Situe para o leitor a cidade onde reside no contexto demográfico. 

Bom Jesus tem 11.000 habitantes e fica localizada na região nordeste do estado do Rio Grande do Sul. Estamos na parte mais alta dos Campos de Cima da Serra, portanto, na região mais fria do estado, em que chega a nevar, durante o rigoroso inverno gaúcho.

E o que dizer da personalidade de Francisco Spinelli no contexto histórico/cultural/doutrinário da cidade e da instituição?

Spinelli nasceu na Itália e aos 18 anos de idade veio morar no Brasil, na cidade de Vacaria, no Rio Grande do Sul para encontrar o pai que havia emigrado alguns anos antes e para exercer sua profissão de alfaiate.

Quando tinha 22 anos de idade, Spinelli foi convidado a trabalhar em Bom Jesus e, aceitando esse convite, passou a residir na cidade. Aqui conheceu Adolcina Araújo, que viria a ser sua esposa, companheira de vida e mãe de seus filhos.  Durante o namoro com Adolcina, que era filha de Fructuoso Araújo, um dos fundadores do Grupo Espírita Amor de Jesus, encontrou na casa do sogro vários exemplares da revista A Reencarnação, publicada pela FERGS.

Começou a ler as revistas, com o objetivo de aperfeiçoar seu português e acabou se encantando com as verdades da Doutrina codificada por Kardec.

Spinelli foi apresentado a Marcírio Cardoso, primeiro Presidente do Grupo Espírita e os dois iniciaram uma amizade sólida e verdadeira, tornando-se companheiros inseparáveis. Marcírio convidou Spinelli a participar das atividades desenvolvidas na Casa e o ensinou a estudar a Doutrina de maneira sistematizada.

Spinelli foi por duas vezes Presidente do Grupo Espírita Amor de Jesus. Sua contribuição foi essencial no desenvolvimento do Espiritismo em Bom Jesus, deixando um legado de perseverança e de amor ao próximo.

Foi um excelente orador que colocava em prática o que pregava, nunca desviando dos caminhos ensinados pelo Mestre Jesus.

Sua presença iluminada é sentida em muitos trabalhos da Casa.

Nos momentos mais delicados que temos, lembramo-nos de sua história e recebemos seu auxílio e encorajamento. 

Um grande homem sempre deixa muitas marcas positivas na sociedade em que convive. A contribuição de Spinelli em Bom Jesus foi extremamente importante para o desenvolvimento do município. Aqui ele foi subdelegado, cargo que exerceu sem nunca necessitar aumentar seu tom de voz, pois sua autoridade vinha da sua elevação moral e de seu caráter exemplar. Exerceu os cargos de Secretário e Tesoureiro da Prefeitura Municipal e também atuou como correspondente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul.

Foi empresário e, juntamente com seu irmão, criou a primeira empresa de ônibus de Bom Jesus, que fazia o trajeto Bom Jesus a Porto Alegre, uma vez por semana.

Iniciou sua atuação na advocacia, cargo em que era autodidata, pois naquela época não era necessário cursar uma faculdade para exercer esse ofício. Desenvolveu essa profissão com muita dedicação e senso de justiça, o que era próprio de seu caráter sempre reto. Abraçou essa carreira para o resto de sua vida, o que lhe proporcionou estabilidade financeira, sendo reconhecido mais tarde como membro da Junta dos advogados do Rio Grande do Sul.

Na cultura de Bom Jesus, vamos encontrar o nome de Francisco Spinelli no teatro de Bom Jesus, atuando e dirigindo peças teatrais, participando de blocos carnavalescos da cidade.

Foi proprietário do cinema municipal, na época do cinema mudo, onde sua filha Adolcina tocava piano, durante as sessões para torná-las mais atraente para o público.

Deixou em Bom Jesus um legado de serviço prestado em diversos âmbitos, sempre desenvolvidos com muita dedicação e responsabilidade em prol da cidade que o acolheu, auxiliando quem necessitasse e, muitas vezes, colocando as necessidades dos outros, acima das suas. 

Em Bom Jesus, temos o Bairro Spinelli, reconhecimento à sua importante atuação no desenvolvimento do município.

Apesar de todo seu relato biográfico, quem foi exatamente Spinelli?

Spinelli foi um visionário, um verdadeiro homem de bem e à frente de seu tempo. Um missionário que cumpriu integralmente sua missão.

Com sua humildade, bondade e simplicidade divulgou a doutrina espírita e consolou corações na cidade e no interior de Bom Jesus, formando a Caravana de Divulgação, juntamente com seu amigo Marcírio Cardoso e o médium Jurê Varela e outros companheiros de ideal espírita percorreram nos finais de semana os povoados dos Campos de Cima da Serra, criando núcleos familiares, divulgando e distribuindo as obras básicas, que eram conduzidas em cargueiros no lombo de mulas. Presidiu o Grupo Espírita Amor de Jesus por duas vezes. E foi também Presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul.

Participou ativamente da Caravana da Fraternidade, levando com outros companheiros a divulgação da mensagem espírita a quase todos os estados das regiões norte e nordeste do país. Colaborou ativamente na criação do Pacto Áureo, defendendo a união e unificação entre os espíritas. Lutou, também, pela evangelização das crianças, pois sabia que ali estaria o futuro do Espiritismo. Spinelli lutou o bom combate e foi o maior líder espírita do Rio Grande do Sul.

Suas palavras finais.

Se hoje conhecemos a Doutrina Espírita e estamos dentro de uma Casa bem estruturada, foi porque tivemos pessoas com muita coragem, determinação e amor ao próximo que desbravaram caminhos, enfrentaram preconceitos e desafios em uma época que se tinha menos recursos, o que tornava as coisas mais difíceis. 

Nossa eterna gratidão e carinho a Francisco Spinelli, Marcírio Cardoso, Simeão Varella, Frutuoso Araújo e tantos outros homens e mulheres que preparam o "solo fértil" para que pudéssemos conhecer a mensagem espírita e continuarmos o trabalho na Seara do Cristo. 

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita