O dinheiro e os bens materiais à luz do
Espiritismo
Este artigo tem como objetivo trazer uma reflexão a
propósito de como lidamos com a busca e a posse da
fortuna e bens materiais ao longo da nossa trajetória
encarnatória. Para isso, realizamos uma revisão
bibliográfica das obras espíritas de Allan Kardec, tendo
encontrado uma vasta e qualificada estrutura
argumentativa, que bem preenche as lacunas dentro desse
tema e nos permite sanar os principais questionamentos.
Introdução
No livro O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan
Kardec (2013, p. 220) afirma que “Se a riqueza é causa
de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se
provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos
inculpar, mas ao homem, que dela abusa, como de todos os
dons de Deus.”
Sabemos que a intensa relação do homem com a matéria não
é de agora, ela vem desde os primórdios da Humanidade,
uma vez que o Espírito, ao encarnar na Terra, adentra
uma realidade material em que precisa satisfazer as suas
necessidades básicas, conceito explorado por Karl Marx
na concepção do materialismo durante a Revolução
Industrial, ideologia que apregoa a tese de que nada
existe além da matéria.
Tendo em vista esses conceitos, é possível compreender
que a valorização excessiva da matéria pelo homem se
origina de uma construção cultural histórica, algo que
será debatido nesse artigo, visando a um melhor
entendimento da vida e do amor ao próximo, inspirado na
conduta exemplar de Jesus Cristo durante a sua passagem
na Terra.
Revisitando as obras clássicas de Kardec
A temática em questão é amplamente abordada nas obras de
Allan Kardec durante a Codificação do Espiritismo,
principalmente em O Evangelho segundo o Espiritismo e
em O Livro dos Espíritos, verdadeiros guias para
nossa jornada de evolução espiritual. Ao longo do
capítulo XVI do Evangelho, Kardec explora a
utilidade da fortuna e as provas da riqueza:
Quando Jesus disse ao moço que o inquiria sobre os meios
de ganhar a vida eterna: “Desfaze-te de todos os teus
bens e segue-me”, não pretendeu, decerto, estabelecer
como princípio absoluto que cada um deva despojar-se do
que possui e que a salvação só a esse preço se obtém;
mas apenas mostrar que o apego aos bens terrenos é um
obstáculo à salvação. (Allan Kardec, 2013, p. 219).
Com isso podemos concluir que o que torna perigosa a
busca incessante pelo dinheiro e posses com os quais
muitos vivem é a facilidade a que estamos submetidos de
nos desviar do caminho dos prazeres da eternidade,
proveniente de uma vida de caridade e doação à
Humanidade, como fez Jesus. Isso porque o homem já
associou de maneira errônea o dinheiro com paz e
felicidade plena, abdicando, assim, da conquista dos
valores morais:
Quando considero a brevidade da vida, dolorosamente me
impressiona a incessante preocupação de que é para vós
objeto o bem-estar material, ao passo que tão pouca
importância dais ao vosso aperfeiçoamento moral, a que
pouco ou nenhum tempo consagrais e que, no entanto, é o
que importa para a eternidade. (Allan Kardec, 2013,
p. 224).
Kardec complementa a argumentação sobre desapego a bens
materiais um pouco mais adiante, focalizando um outro
ponto de vista que deve ser observado sobre o assunto:
“O desapego aos bens terrenos consiste em apreciá-los no
seu justo valor, em saber servir-se deles em benefício
dos outros e não apenas em benefício próprio, em não
sacrificar por eles os interesses da vida futura.”
(Allan Kardec, 2013, p. 228),
pontuando, assim, a conduta ideal para quem os possui.
Sabemos que todas as provas pelas quais passamos foram
escolhidas por nós no planejamento reencarnatório com o
objetivo de reparar erros e trabalhar nossas
deficiências, como explica um Espírito amigo ao ser
indagado por Kardec na questão 814 de O Livro dos Espíritos em
relação à utilidade delas: “Para experimentá-los de
modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas
foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas,
entretanto, sucumbem com frequência” (Kardec, 2007,
p. 261).
Kardec ainda explica em O Evangelho segundo o
Espiritismo que:
Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas
tentações que gera e pela fascinação que exerce, a
riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais
perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do
orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o laço mais
forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os
pensamentos. (Allan Kardec, 2013,
p. 219).
Em outras palavras, o problema não está na riqueza em
si, mas sim no que o homem faz com ela, pois, como
citado acima, essa é uma prova que dá ensejo a diversas
tentações, servindo de testes diários à disciplina na
conduta humana.
Para aqueles que acreditam ser possível viver em função
do dinheiro e, ao mesmo tempo, adorar a Deus, Kardec
enfatiza:
Não podeis servir a Deus e a Mamon. Guardai bem isso em
lembrança, vós, a quem o amor do ouro domina; vós, que
venderíeis a alma para possuir tesouros, porque eles
permitem vos eleveis acima dos outros homens e vos
proporcionam os gozos das paixões. Não; não podeis
servir a Deus e a Mamon! (Allan Kardec, 2013,
p. 223).
Concluímos, então, que uma escolha deve ser feita – Deus
ou as riquezas –, pois o reconhecimento dos homens a
Mamon não se compara ao do Criador.
Em relação a origem uso das fortunas, Kardec ainda diz:
Sendo o homem o depositário, o administrador dos bens
que Deus lhe pôs nas mãos, contas severas lhe serão
pedidas do emprego que lhes haja Ele dado, em virtude do
seu livre-arbítrio. O mau uso consiste em os aplicar
exclusivamente na sua satisfação pessoal; bom é o uso,
ao contrário, todas as vezes que deles resulta um bem
qualquer para outrem. (Allan Kardec, 2013,
p. 225)
Ou seja, tudo aquilo que possuímos é temporariamente
nosso enquanto estamos aqui nesta encarnação, pois, em
essência, somos seres espirituais que se utilizam da
matéria apenas para a promoção do nosso progresso; para
nada além disso serve a matéria. Precisamos ter a
sabedoria de estar no mundo sem ser do mundo. (João 15:19).
Considerações finais
Após analisar e discutir o tema, podemos concluir que o
dinheiro foi perdendo ao longo da História o seu real
significado de moeda de troca e aos poucos corrompe o
homem discretamente. Por isso, devemos trabalhar para
mudar essa nossa visão de mundo, alicerçada na mensagem
de Mateus 6:33: “Busquem, pois, em primeiro lugar
o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas
serão acrescentadas a vocês”, visto que “Fora da
caridade não há salvação” (Allan Kardec, 2013.)
Referências:
KARDEC, Allan. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 131° Edição.
Brasília, Brasil: FEB, 2013.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Versão
digital: FEB, 2007.
Mateus 6:33. Disponível em: LINK-1 –
Acesso em: 21 de setembro de 2024.
Bíblia Online. João 15. Disponível em: LINK-2 -
Acesso em: 21 de setembro de 2024.
Flávio Cerqueira da Silva, 21 anos, é de
Salvador-BA e autor do livro “Voando com as Águias“.
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