O livre-arbítrio é uma das mais inalienáveis
prerrogativas do homem.
“Pedi e se vos dará, porquanto quem pede recebe.” -
Jesus. (Mt., 7:7 e 8)
Vezes sem conto as palavras de Jesus, em epígrafe, são
entendidas de maneira equivocada pelas pessoas
imediatistas e ávidas por atalhos miraculosos do menor
esforço, uma vez que não são atendidas em suas
rogativas. Tais criaturas são as que menos tempo
empregam na reforma íntima para que se tornem
merecedoras do amparo Divino.
Kardec elucida, de uma forma muito clara, como se dão os
atendimentos às súplicas humanas, mostrando-nos quão
justos e misericordiosos são os mecanismos divinos. Eis
a explicação de um Espírito Protetor:
“(...) pensais quase sempre que o que pedis na prece
deve se cumprir por uma espécie de milagre. Essa crença
errônea é a fonte de uma multidão de práticas
supersticiosas e de muitas decepções. Ela conduz também
à negação da eficácia da prece; do fato de que vosso
pedido não é acolhido da maneira que entendíeis, disso
concluís que foi inútil, e, então, às vezes, murmurais
contra a justiça de Deus. Outros pensam que, tendo Deus
estabelecido leis eternas, às quais todos os seres estão
submetidos, não pode derrogá-las para ceder aos pedidos
que Lhe são feitos. É para vos premunir contra o erro,
ou melhor, contra o exagero dessas duas ideias, que me
proponho vos dar algumas explicações sobre o modo de
consentimento à prece.
É uma verdade incontestável, que Deus não intervém e não
suspende para ninguém o curso das leis que regem
o universo; sem isto a ordem da Natureza seria
incessantemente transtornada pelo capricho de qualquer
um. É, pois, certo, que toda prece que não poderia ser
atendida senão por uma derrogação a essas leis fica sem
efeito; tal seria, por exemplo, aquela que tivesse por
objeto o retorno à vida de um homem verdadeiramente
morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do
organismo é irremediável.
Não é menos certo que não dá nenhuma atenção aos pedidos
fúteis ou desconsiderados; mas estejais persuadidos que
toda prece Pura e desinteressada é escutada, é que é
sempre levada em conta a intenção, mesmo quando Deus, em
Sua sabedoria, julgasse a propósito de nela não ver
direito; é então, sobretudo, que vos é necessário dar
prova de humildade e de submissão à Sua vontade, dizendo
a vós mesmos que Ele sabe melhor do que vós o que pode
vos ser útil.
Há, certamente, leis gerais às quais o homem está
fatalmente submetido; mas é um erro crer que as menores
circunstâncias da vida são detidas, por antecipação, de
maneira irrevogável; ora, se fosse assim, o homem seria
uma máquina sem iniciativa, e, consequentemente, sem
responsabilidade. O livre-arbítrio é uma das
prerrogativas do homem; desde o instante em que é livre
de ir à direita ou à esquerda, de agir segundo as
circunstâncias; seus movimentos não são regulados como
os de uma máquina. Segundo faça ou não faça uma coisa, e
segundo que a faça de uma maneira ou de outra, os
acontecimentos de que dela dependem seguem um curso
diferente; uma vez que estão subordinadas à decisão do
homem, não estão submetidos à fatalidade. Aqueles que
são fatais são os que independem de sua vontade; mas
todas as vezes que o homem pode reagir em virtude de seu
livre-arbítrio, não há fatalidade.
O homem tem, pois, um círculo no qual pode se envolver
livremente; essa liberdade de ação tem por limites as
leis da Natureza, que ninguém pode superar, ou melhor
dizendo, essa liberdade, na esfera de atividade onde ela
se exerce, faz parte dessas leis; ela é necessária, e é
por ela que o homem é chamado a concorrer à marcha geral
das coisas; e como ele o faz livremente, tem o mérito do
que faz de bem, e o demérito do que faz de mal, de seu
desleixo, de sua negligência, de sua inatividade. As
flutuações que a sua vontade pode fazer sofrer aos
acontecimentos da vida não perturbam, pois, de nenhum
modo, a harmonia universal, essas próprias flutuações
fazendo parte das provas que incumbem ao homem sobre a
Terra.
No limite das coisas que dependem da vontade do homem,
Deus pode, pois, sem derrogar Suas leis, aceder a uma
prece quando ela é justa, e que o cumprimento lhe pode
ser útil; mas ocorre, frequentemente, que dela julga a
utilidade e a oportunidade de outro modo do que nós e é
por isto que não lhe aquiesce sempre. Se lhe agrada
atendê-la, não é modificando Seus decretos soberanos que
o faz, mas por meios que não saem da ordem legal,
podendo-se exprimir assim. Os Espíritos, executores de
Suas vontades, são, então, encarregados de provocar as
circunstâncias que devem levar aos resultados
desejados. Esse resultado requer quase sempre o
concurso de algum encarnado; é, pois, esse concurso que
os Espíritos preparam inspirando aqueles que devem nisso
cooperar, o pensamento de uma diligência incitando-os a
ir a um ponto antes que a outro, provocando reencontros
propícios que parecem devidos ao acaso; ora, o acaso não
existe mais na assistência que se recebe do que nas
infelicidades que se experimenta.
Nas aflições, a prece é não só uma prova de confiança e
de submissão à vontade de Deus, que a escuta, se ela é
pura e desinteressada, mas tem ainda por efeito
estabelecer uma corrente fluídica que leva ao longe, no
espaço, o pensamento do aflito, como o ar leva os
acentos de sua voz. Esse pensamento repercute nos
corações simpáticos ao sofrimento, e estes, por um
movimento inconsciente e (como atraídos por uma força
magnética), se dirigem para um lugar onde a sua presença
pode ser útil. Deus, que quer socorrer aquele que O
implora, sem dúvida, poderia fazê-lo por Si mesmo,
instantaneamente, mas, eu o disse, Ele não faz
milagres, e as coisas devem seguir o seu curso
natural; quer que os homens pratiquem a caridade
socorrendo-se uns aos outros. Por Seus mensageiros,
leva a queixa onde ela pode encontrar eco, e lá, os bons
Espíritos sopram um bom pensamento. Se bem que
suscitado, o pensamento, pelo fato mesmo de que a fonte
lhe é desconhecida, deixa ao homem toda a sua liberdade;
nada o constrange; consequentemente, ele tem todo o
mérito da espontaneidade se cede à voz íntima que nele
faz um chamado ao sentimento do dever, e todo o demérito
se, dominado por uma indiferença egoísta, ele resiste.
Pergunta:
- há casos, como num perigo iminente, onde a
assistência deve chegar a tempo útil, se for preciso
esperar a boa vontade de um homem, e se essa boa vontade
faltar em consequência do livre-arbítrio?
Resposta:
- não deveis vos esquecer que os anjos guardiães,
os Espíritos protetores, cuja missão é velar sobre
aqueles que lhes são confiados, os seguem, por assim
dizer, passo a passo. Não podem poupar-lhes as
apreensões dos perigos que fazem parte de suas provas;
mas se as consequências do perigo podem ser evitadas,
como o previram antecipadamente, não esperam o último
momento para preparar os socorros. Se, às vezes, se
dirigem aos homens de má vontade, é em vista de procurar
despertar neles bons sentimentos, mas não contam com
eles.
Quando, numa posição crítica, uma pessoa se encontra,
como no propósito mencionado, para vos assistir, e que
vós exclamais: "é a Providência que o envia”, dizeis
uma verdade maior do que o credes frequentemente.
Se há casos prementes, outros que o são menos exigem
certo tempo para conduzir um concurso de circunstâncias
favoráveis, sobretudo quando é preciso que os Espíritos
triunfem, pela inspiração, da apatia de pessoas cuja
cooperação é necessária para o resultado a se obter. Esses
retardamentos no cumprimento do desejo são provas para a
paciência e a resignação; depois, quando chega a
realização daquilo que se desejou, é quase sempre por um
encadeamento de circunstâncias tão naturais, que nada
absolutamente revela uma intervenção oculta, nada toma a
mais leve aparência de maravilhoso; as coisas parecem se
arranjar por elas mesmas.
Isso deve ser assim pelo duplo motivo de que os meios de
ação não se afastem das leis gerais, e, em segundo
lugar, que, se a assistência dos Espíritos for muito
evidente, o homem se fiaria muito neles e se habituaria
a não contar consigo mesmo. Essa assistência deve ser
compreendida por ele pelo pensamento, pelo senso moral,
e não pelos sentidos materiais; sua crença deve ser o
resultado de sua fé e de sua confiança na bondade de
Deus. Infelizmente, porque ele não viu o dedo de Deus
fazer por ele um milagre, esquece muito frequentemente
Aquele a quem deve a sua salvação para nisso glorificar
o acaso; é uma ingratidão que, cedo ou tarde, recebe a
sua expiação.”