Especial

por Rogério Coelho

Livre-arbítrio
e oração

 

O livre-arbítrio é uma das mais inalienáveis prerrogativas do homem.


“Pedi e se vos dará, porquanto quem pede recebe.” 
- Jesus. (Mt., 7:7 e 8)


Vezes sem conto as palavras de Jesus, em epígrafe, são entendidas de maneira equivocada pelas pessoas imediatistas e ávidas por atalhos miraculosos do menor esforço, uma vez que não são atendidas em suas rogativas. Tais criaturas são as que menos tempo empregam na reforma íntima para que se tornem merecedoras do amparo Divino.

Kardec elucida, de uma forma muito clara, como se dão os atendimentos às súplicas humanas, mostrando-nos quão justos e misericordiosos são os mecanismos divinos. Eis a explicação de um Espírito Protetor[1]: “(...) pensais quase sempre que o que pedis na prece deve se cumprir por uma espécie de milagre. Essa crença errônea é a fonte de uma multidão de práticas supersticiosas e de muitas decepções. Ela conduz também à negação da eficácia da prece; do fato de que vosso pedido não é acolhido da maneira que entendíeis, disso concluís que foi inútil, e, então, às vezes, murmurais contra a justiça de Deus. Outros pensam que, tendo Deus estabelecido leis eternas, às quais todos os seres estão submetidos, não pode derrogá-las para ceder aos pedidos que Lhe são feitos.  É para vos premunir contra o erro, ou melhor, contra o exagero dessas duas ideias, que me proponho vos dar algumas explicações sobre o modo de consentimento à prece.

É uma verdade incontestável, que Deus não intervém e não suspende para ninguém o curso das leis que regem o universo; sem isto a ordem da Natureza seria incessantemente transtornada pelo capricho de qualquer um. É, pois, certo, que toda prece que não poderia ser atendida senão por uma derrogação a essas leis fica sem efeito; tal seria, por exemplo, aquela que tivesse por objeto o retorno à vida de um homem verdadeiramente morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do organismo é irremediável.

Não é menos certo que não dá nenhuma atenção aos pedidos fúteis ou desconsiderados; mas estejais persuadidos que toda prece Pura e desinteressada é escutada, é que é sempre levada em conta a intenção, mesmo quando Deus, em Sua sabedoria, julgasse a propósito de nela não ver direito; é então, sobretudo, que vos é necessário dar prova de humildade e de submissão à Sua vontade, dizendo a vós mesmos que Ele sabe melhor do que vós o que pode vos ser útil.

Há, certamente, leis gerais às quais o homem está fatalmente submetido; mas é um erro crer que as menores circunstâncias da vida são detidas, por antecipação, de maneira irrevogável; ora, se fosse assim, o homem seria uma máquina sem iniciativa, e, consequentemente, sem responsabilidade. O livre-arbítrio é uma das prerrogativas do homem; desde o instante em que é livre de ir à direita ou à esquerda, de agir segundo as circunstâncias; seus movimentos não são regula­dos como os de uma máquina. Segundo faça ou não faça uma coisa, e segundo que a faça de uma maneira ou de outra, os acontecimentos de que dela dependem seguem um curso diferente; uma vez que estão subordinadas à decisão do homem, não estão submetidos à fatalidade.  Aqueles que são fatais são os que independem de sua vontade; mas todas as vezes que o homem pode reagir em virtude de seu livre-arbítrio, não há fatalidade.

O homem tem, pois, um círculo no qual pode se envolver livremen­te; essa liberdade de ação tem por limites as leis da Natureza, que ninguém pode superar, ou melhor dizendo, essa liberdade, na esfera de atividade onde ela se exerce, faz parte dessas leis; ela é neces­sária, e é por ela que o homem é chamado a concorrer à marcha geral das coisas; e como ele o faz livremente, tem o mérito do que faz de bem, e o demérito do que faz de mal, de seu desleixo, de sua negligência, de sua inatividade. As flutuações que a sua vontade pode fazer sofrer aos acontecimentos da vida não perturbam, pois, de nenhum modo, a harmonia universal, essas próprias flutuações fazendo parte das provas que incumbem ao homem sobre a Terra.

No limite das coisas que dependem da vontade do homem, Deus pode, pois, sem derrogar Suas leis, aceder a uma prece quando ela é justa, e que o cumprimento lhe pode ser útil; mas ocorre, frequentemente, que dela julga a utilidade e a oportunidade de outro modo do que nós e é por isto que não lhe aquiesce sempre.  Se lhe agrada atendê-la, não é modificando Seus decretos soberanos que o faz, mas por meios que não saem da ordem legal, podendo-se exprimir assim.  Os Espíritos, executores de Suas vontades, são, então, encarregados de provocar as circunstâncias que devem levar aos resultados desejados.  Esse resultado requer quase sempre o concur­so de algum encarnado; é, pois, esse concurso que os Espíritos preparam inspirando aqueles que devem nisso cooperar, o pensa­mento de uma diligência incitando-os a ir a um ponto antes que a outro, provocando reencontros propícios que parecem devidos ao acaso; ora, o acaso não existe mais na assistência que se recebe do que nas infelicidades que se experimenta.

Nas aflições, a prece é não só uma prova de confiança e de submissão à vontade de Deus, que a escuta, se ela é pura e desinteressada, mas tem ainda por efeito estabelecer uma corrente fluídica que leva ao longe, no espaço, o pensamento do aflito, como o ar leva os acentos de sua voz.  Esse pensamento repercute nos corações simpáticos ao sofrimento, e estes, por um movimento inconsciente e (como atraídos por uma força magnética), se dirigem para um lugar onde a sua presença pode ser útil.  Deus, que quer socorrer aquele que O implora, sem dúvida, poderia fazê-lo por Si mesmo, instantaneamente, mas, eu o disse, Ele não faz milagres, e as coisas devem seguir o seu curso natural; quer que os homens pratiquem a caridade socorrendo-se uns aos outros.  Por Seus mensageiros, leva a queixa onde ela pode encontrar eco, e lá, os bons Espíritos sopram um bom pensamento. Se bem que suscitado, o pensamento, pelo fato mesmo de que a fonte lhe é desconhecida, deixa ao homem toda a sua liberdade; nada o cons­trange; consequentemente, ele tem todo o mérito da espontaneidade se cede à voz íntima que nele faz um chamado ao sentimento do dever, e todo o demérito se, dominado por uma indiferença egoísta, ele resiste.

Pergunta: - há casos, como num perigo iminente, onde a assistência deve chegar a tempo útil, se for preciso esperar a boa vontade de um homem, e se essa boa vontade faltar em consequência do livre-arbítrio?

Resposta: - não deveis vos esquecer que os anjos guardiães, os Espíritos protetores, cuja missão é velar sobre aqueles que lhes são confiados, os seguem, por assim dizer, passo a passo. Não podem poupar-lhes as apreensões dos perigos que fazem parte de suas provas; mas se as consequências do perigo podem ser evitadas, como o previram antecipadamente, não esperam o último momento para preparar os socorros.  Se, às vezes, se dirigem aos homens de má vontade, é em vista de procurar despertar neles bons sentimen­tos, mas não contam com eles.

Quando, numa posição crítica, uma pessoa se encontra, como no propósito mencionado, para vos assistir, e que vós exclamais: "é a Providência que o envia”, dizeis uma verdade maior do que o credes frequentemente.

Se há casos prementes, outros que o são menos exigem certo tempo para conduzir um concurso de circunstâncias favoráveis, sobretudo quando é preciso que os Espíritos triunfem, pela inspira­ção, da apatia de pessoas cuja cooperação é necessária para o resultado a se obter.  Esses retardamentos no cumprimento do desejo são provas para a paciência e a resignação; depois, quando chega a realização daquilo que se desejou, é quase sempre por um encadeamento de circunstâncias tão naturais, que nada absolutamente revela uma intervenção oculta, nada toma a mais leve aparência de maravilhoso; as coisas parecem se arranjar por elas mesmas.

Isso deve ser assim pelo duplo motivo de que os meios de ação não se afastem das leis gerais, e, em segundo lugar, que, se a assistência dos Espíritos for muito evidente, o homem se fiaria muito neles e se habituaria a não contar consigo mesmo. Essa assistência deve ser compreendida por ele pelo pensamento, pelo senso moral, e não pelos sentidos materiais; sua crença deve ser o resultado de sua fé e de sua confiança na bondade de Deus. Infelizmente, porque ele não viu o dedo de Deus fazer por ele um milagre, esquece muito frequentemente Aquele a quem deve a sua salvação para nisso glorificar o acaso; é uma ingratidão que, cedo ou tarde, recebe a sua expiação.”     


 

[1] - KARDEC, Allan. Revue Spirite. maio de 1866. Araras: IDE, 1993, p.155-158.

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita