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por Paulo Hayashi Jr.

 

O jejum e as atividades espirituais


A vida na Terra durante a pré-história não foi um período fácil.[1] Não apenas pelas dificuldades particulares do ambiente, mas também pela própria condição evolutiva do ser humano. A versão moderna do Homo sapiens sapiens já constava há 130.000 anos atrás[2] e tem adaptações em seu corpo que permitiu maior flexibilidade e eficácia para enfrentar os desafios da época do que seus antecessores. Além do crânio e do cérebro, uma das grandes questões era a alimentação que exigia também uma estrutura e funcionalidades do corpo para estocar energia quando houvesse escassez de comida. O que não era raro naquele tempo. Sabe-se que as primeiras populações humanas eram caçadoras e migravam em busca da sobrevivência de acordo com as condições climáticas e a disponibilidade de alimento. Não é de estranhar então que, se houvesse necessidade de estocar comida, haveria de ser algo relacionado com as carnes e gorduras, fonte de calorias e sobrevivência. O corpo deveria criar algum tipo de mecanismo para se ajustar aos períodos de fartura e de escassez. Além disso, os próprios seres humanos deveriam criar estratégias comportamentais que amenizassem tal problema. Segundo pesquisas da Universidade de Tel Aviv[3], há evidências que os hominídeos aprenderam a estocar ossos de cervos em suas cavernas e lugares de convívio há mais de 400.000 anos atrás. Guardar partes específicas de certos animais, com interesse neste caso dos tutanos e ossos, parecia ser uma fonte segura de calorias para amenizar os dias incertos. Diferentemente dos tempos atuais que há disponibilidade 24 horas de comida e prateleiras e gôndolas repletas de opções. Apesar de ainda existir problemas de alimentação e fome, a condição humana melhorou. Não é de se admirar então que, atualmente 10% da população brasileira sofre de diabetes e que, no mundo há mais de 530 milhões de pessoas com tal problema relacionado, em boa parte, ao excesso crônico de alimentação[4]. Apesar do problema ser multifatorial, uma das possíveis alternativas para evitar esta exposição crônica e distúrbio do sistema gastroenergético é o jejum. A atividade de ficar longas horas ou até mesmo dias sem se alimentar possibilita gastar os recursos economizados no corpo humano, ao invés de levar o sistema a fadiga crônica e a exaustão.

Se usado com equilíbrio e bom senso, o jejum pode auxiliar tanto no correto funcionamento do sistema digestivo, como também permitir que haja uma maior capacidade da pessoa operar sua vontade espiritual. Nem tudo é matéria e não se deveria viver com a finalidade de satisfação do estômago, da gula e de seus prazeres materiais. É essencial perceber que a vida vai além. Há propósitos mais elevados. Ademais, com o jejum é possível enriquecer sua força espiritual a ponto de estar mais capacitado para enfrentar situações de embate espiritual. Por exemplo, na passagem de desobsessão presente no Evangelho de Marcos (Cap. 9), um pai desesperado traz seu filho para ser tratado por Jesus.  A criança está com um espírito impuro e que nem mesmo os outros apóstolos conseguiram retirar. Segundo o mestre Nazareno: "Essa espécie [de espírito impuro] só sai pela oração e pelo jejum" (Marcos 9:29). Se a oração conecta a pessoa com Deus, através do jejum vem o reforço da fé, da energia e da confiança. Jesus então jejuava e mantinha-se fortalecido através de sua prática. Certamente o jejum sozinho não é suficiente para dar este booster energético, mas acompanhado de outras práticas pode se tornar um combo vencedor. Oração, meditação, jejum, passes, água fluidificada, leituras edificantes, solilóquios são alguns exemplos de práticas espirituais que podem nos auxiliar nesta jornada.

Entretanto, é preciso ser coerente e não ser extremista a ponto de usar o jejum para prejudicar o corpo ou então, usar o jejum como um ritual externo sem propósitos. A medida do bom senso é fundamental.

Cada vez mais é preciso o equilíbrio e a harmonia, bem como a possibilidade de estender o jejum para além da dimensão física, em especial, aos sentimentos negativos, críticas e criações mentais inferiores. É vital parar de se alimentar de tais “comidas”, pois, para que as boas obras sejam concretizadas no exterior, é preciso que o imaterial esteja robusto e capacitado para levar a empreitada adiante.

Enfim, o jejum é um meio que pode auxiliar no alcance dos fins, lembrando sempre que: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isso é que torna o homem impuro” (Mateus, 15,11.)
 


[1] Em homenagem aos meus queridos genitores, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na pátria espiritual.

[2] UNESP

[3] Rossini, Maria Clara. Ossos de cervos eram a “comida enlatada” do paleolítico. Revista Superinteressante, outubro 2019. Super Abril

[4] Agência Brasil


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita