“Não vim destruir a lei”
No artigo “Por que Israel não tem constituição e como
funciona o Judiciário no país?”, publicado em março
de 2023 no portal G1, as jornalistas Fernanda Berlinck e
Nayara Fernandes discorrem sobre a crise política em
Israel. “Tal crise se dá devido a um pacote de novas
medidas propostas pelo primeiro-ministro e que
essencialmente ampliam os poderes do Parlamento em
relação à Suprema Corte no país.”
Israel é um país que não tem Constituição Federal, e os
Poderes são orientados por “Leis Básicas” que foram
criadas como esboço de uma possível “Lei Maior”. Até o
surgimento das Leis Básicas a nação israelita, por longa
data, foi direta ou indiretamente orientada pelos
escritos sagrados do profeta Moisés.
No tempo em que os hebreus atravessaram o deserto,
vindos do Egito, no Monte Sinai Moisés recebeu
diretamente do Senhor os dez mandamentos, uma lei
invariável, de caráter divino, com muita influência no
comportamento humano até os dias atuais.
Além dos dez mandamentos, Moisés precisou também
formular, naquela época, leis civis destinadas a
disciplinar costumes e preconceitos que os hebreus
traziam desde quando foram escravizados no Egito.
Acrescentou outros seiscentos e três mandamentos e deste
conjunto originou-se o “Pentateuco”, ou simplesmente
“Torá”.
“A Torá compõe os 5 primeiros livros do livro sagrado da
religião judaica e tem origem no termo hebraico Yará,
que significa ensinamento, instrução ou lei. É
considerada um guia para os judeus, com 613 mandamentos
que ensinam como devem ou não agir, seja nas relações
sociais, familiares, religiosas, por exemplo”.1
Necessário foi que a estas Leis Moisés atribuísse
caráter divino com a intenção de impressionar e fazer
com que aquelas pessoas, ignorantes naquele tempo,
pudessem obedecê-las. O aspecto divino destas leis
girava em torno de um Deus terrível, que castigava e
punia quem não as cumprisse.
Um Espírito Israelita, citado
por Kardec no primeiro capítulo do livro O Evangelho
Segundo o Espiritismo, nos diz que “A moral que
Moisés ensinou era apropriada ao estado de adiantamento
em que se encontravam os povos que ela se propunha
regenerar [...]”.2
Analogamente à necessidade de Moisés, países que não têm
Constituição Federal, ou aqueles regidos por “Leis
Básicas” (como a nação israelita, por exemplo), se veem
impelidos a “complementar” sua legislação de modo a
abranger todas as necessidades de organização sobre os
costumes, tradições, religiões etc. Contudo, será mesmo
possível, através de legislação, reger todas as
necessidades desse arcabouço social?
Na questão 794 d’ O Livro do Espíritos Kardec
pergunta: Poderia a sociedade reger-se unicamente
pelas leis naturais, (entende-se
aqui lei natural como lei divina) sem
o concurso das leis humanas? Objetivamente
os amigos espirituais respondem: “Poderia,
se todos as compreendessem bem. Se os homens as
quisessem praticar, elas bastariam. A sociedade, porém,
tem suas exigências. São-lhe necessárias leis
especiais”.3
Também o corrobora o comentário de Kardec à questão 795
d’O Livro dos Espíritos em que diz:
“A civilização criou necessidades novas para o homem,
necessidades relativas à posição social que ele ocupe.
Tem-se então que regular, por meio de leis humanas, os
direitos e deveres dessa posição. Mas, influenciado
pelas suas paixões, ele não raro tem criado direitos e
deveres imaginários, que a lei natural condena e que os
povos riscam de seus códigos à medida que progridem. A
lei natural (divina, moral) é imutável e a mesma para
todos; a lei humana é variável e progressiva. Na
infância das sociedades, só esta pôde consagrar o
direito do mais forte”.4
Tais colocações de Kardec remete-nos aos preceitos
cristãos de que quando a Lei de Deus estiver gravada nos
corações e na consciência das pessoas não haverá mais
necessidade de tantas leis nem de constituições.
Entre a legislação
mosaica e a chegada do Cristo passaram-se
aproximadamente mil e quinhentos anos; Jesus veio
habitar entre nós e pregou a palavra do Pai por todos os
lugares onde passou. Numa de suas pregações, Ele disse “Não
penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os
profetas: não os vim destruir, mas cumpri-los: —
porquanto, em verdade vos digo que o céu e a Terra não
passarão, sem que tudo o que se acha na lei esteja
perfeitamente cumprido, enquanto reste um único iota e
um único ponto.” (S.
Mateus, 5:17 e 18).3 Referia-se à Lei
de Deus, escrita pelo profeta Moisés e, durante sua vida
pública, cuidou de dar-lhe o verdadeiro significado,
adaptado ao grau de adiantamento dos homens daquela
época. (Só
a título de esclarecimento, iota é a menor das
letras hebraicas.)
“A Lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua
personificação; a do Novo Testamento tem-na no Cristo, que
introduziu [...]
a moral evangélico-cristã, que há de renovar o mundo,
aproximar os homens e torná-los irmãos; que há de fazer
brotar de todos os corações a caridade e o amor ao
próximo [...]”.3
Jesus modificou
profundamente as leis de Moisés, fez uma verdadeira
reforma, combatendo as práticas exteriores e as falsas
interpretações, reduzindo-as à prescrição: “Amar a
Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si
mesmo: aí estão a lei toda e os profetas”.3
Somente um ser animado pelo Espírito Divino poderia ter
vindo para substituir o Deus severo, terrível, conhecido
até então, por um Deus de puro amor; para nos dizer que
a verdadeira vida não é a que transcorre na Terra e sim
a que está no Reino dos Céus. Ele veio tirar todo o peso
que carregamos e nos aconchegar em seu coração, nos
dizendo que somos filhos muito amados de nosso Pai.
Ele disse que não tinha vindo destruir a lei de Deus e
que veio aplicá-la; dizer que ela tinha que ser cumprida
em toda a Terra. Mas não disse tudo, tendo em vista que
o espírito humano ainda precisava alcançar um certo grau
de madureza, e que a Ciência, com o tempo, contribuiria
para a eclosão e o desenvolvimento das ideias.
“[...] É a lei do
progresso, a que a natureza está submetida, que se
cumpre, e o Espiritismo é a alavanca de que Deus se
utiliza para fazer que a humanidade avance”.3
“São chegados os tempos em que se hão de desenvolver as
ideias, para que se realizem os progressos que estão nos
desígnios de Deus. Têm elas de seguir a mesma rota que
percorreram as ideias de liberdade, suas precursoras […]
a beleza e a santidade da moral tocarão os espíritos,
que então abraçarão uma ciência que lhes dá a chave da
vida futura e descerra as portas da felicidade eterna.
Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o
Espiritismo a concluirá”.3
Jesus não destruiu a Lei de Deus, porque ela é natural,
imutável, continua atual e abrange a Terra inteira.
Nosso Mestre veio trazer a presença do Deus amoroso para
nossas vidas. Suas palavras, cheias de compaixão, são
direcionadas a cada um de nós que somos quais crianças
carentes de consolo e necessitadas de sua mão segura a
nos guiar no caminho de evolução; seus exemplos são como
raios de luz a nos iluminar incessantemente. Cabe
decidir, pelo livre-arbítrio, se vamos continuar criando
leis materialistas, ou permitir que a luz do Cristo, Lei
natural, seja a “Lei Maior” na regência de nossas
vidas.
Bibliografia:
1. ENCICLOPÉDIA
SIGNIFICADOS. Torá: o que é e significado do livro
sagrado do judaísmo. Clique neste LINK,
acessado em 18/03/2024.
2. KARDEC,
Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad.
Salvador Gentile. São Paulo: Boa Nova, 2007. 287p. Cap.
1 - Eu não vim destruir a lei, p31.
3. KARDEC Allan: O
Livro dos Espíritos. Trad. Salvador Gentile. São
Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 2009. 352p. Livro
III, Cap. VIII - Lei do progresso: Progresso da
legislação humana, p. 250.
*Artigo participante do Concurso A
Doutrina Explica 2023, promovido pelo Jornal Brasília
Espírita em parceria com a revista eletrônica O
Consolador e a Web Rádio Estação da Luz.
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