Especial

por Iodesvaldo Garcia da Silva e Beatriz Maciel Britto Gomes

Identidade, amor e espiritualidade: um
diálogo entre Espiritismo e homossexualidade

 

No âmago da condição humana, a diversidade de orientações sexuais transcende fronteiras culturais, temporais e religiosas. A homossexualidade, uma expressão da rica tapeçaria da identidade sexual, é um fenômeno moldado pelos intrincados fios da história, entrelaçado com os desafios contemporâneos dos aspectos sociais e entranhado nas profundezas dos aspectos psicológicos individuais.

Uma recente publicação no site da BBC1, sobre a punição da homossexualidade com a pena de morte em alguns países, serviu de alicerce para a estruturação deste artigo, a respeito das complexidades apresentadas sobre a visão restrita e inflexível acerca da homossexualidade. As questões descritas têm o foco de atenção para a análise da temática sob a égide da Doutrina Espírita. Também se propõe a lançar luzes sobre o assunto, na busca de esclarecimentos e instruções sobre a ocorrência da homossexualidade e seu vínculo com o processo evolutivo de cada Ser, bem como apresentar que a homossexualidade se encontra como degrau evolutivo nos propósitos da criação de Deus Pai, por meio do Seu mais magnânimo atributo: o amor.

A concepção do ser humano como um ser espiritual em constante evolução instiga uma profunda reflexão sobre a diversidade sexual e o amor. A perspectiva espírita enfatiza a importância do respeito mútuo, da aceitação e da compreensão de que a orientação sexual constitui apenas uma dimensão na jornada espiritual de cada indivíduo. Ao explorar a interseção entre a homossexualidade e o Espiritismo, emerge um diálogo entre duas esferas frequentemente consideradas separadas. Contudo, a visão Espírita direciona para a compreensão sobre as nuances da sexualidade, proporcionando perspectivas que podem enriquecer nossa compreensão e fomentar a mútua aceitação.

No plano espiritual, a conceituação de gêneros transcende a dualidade homem/mulher e se expande para incluir uma compreensão mais ampla da energia e da consciência. Algumas tradições espirituais consideram a existência de energias masculinas e femininas em cada ser, independentemente do sexo biológico, e enfatizam a integração equilibrada dessas energias como parte do caminho espiritual. Nesse contexto, a diversidade de gêneros é vista como uma manifestação da riqueza e complexidade da consciência universal, convidando à aceitação, compreensão e respeito mútuo.

Sendo a reencarnação um processo fundamental da evolução espiritual, os Espíritos têm a oportunidade de vivenciar uma ampla gama de experiências, que incluem os diferentes gêneros da criação e suas orientações sexuais. A conceituação de gêneros no plano espiritual não está restrita a um livro específico na doutrina espírita, mas sim é derivada da interpretação dos princípios fundamentais contidos nas obras de Allan Kardec, que aborda temas relacionados à natureza da alma, evolução espiritual e a pluralidade das existências, que fornecem a base para a compreensão da diversidade de experiências e identidades no plano espiritual.

Ao mencionar a bissexualidade como um fenômeno que pode estar presente em quase todas as criaturas, Emmanuel2 destaca a complexidade e a diversidade das experiências espirituais ao longo das existências terrenas. Essa visão ampla e respeitosa das múltiplas vivências do Espírito contribui para uma compreensão mais abrangente da sexualidade, dentro do contexto da evolução espiritual de cada criatura, em que as diferenças individuais são valorizadas e compreendidas como oportunidades de crescimento. A homossexualidade pode ser reflexo das diversas vivências do Espírito ao longo de suas encarnações, nas quais assumiu diferentes papéis de gênero. Essa perspectiva busca explicar a complexidade das identidades de gênero e orientações sexuais, relacionando-as a um percurso evolutivo espiritual ao longo do tempo.

Essas reflexões nos convidam a compreender a diversidade humana sob uma ótica mais ampla, que considera não apenas a realidade presente, mas também as experiências passadas do Espírito em sua jornada evolutiva.

Essa abordagem amplia a compreensão de que o sexo biológico atual não é o único determinante das inclinações do Espírito, e que a jornada evolutiva envolve uma diversidade de experiências para o crescimento espiritual.

O codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec3, apresenta uma compreensão fundamental do Espírito como sendo um ser incorpóreo e inteligente, desprovido de um corpo físico. Ao questionar se os Espíritos têm sexo, a resposta é clara: "Não como o entendeis, pois que os sexos dependem da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na concordância dos sentimentos". Aqui, é ressaltado que a noção de sexo está ligada à organização física, enquanto o amor e a simpatia entre os Espíritos se baseiam em afinidades espirituais, independentes de gênero.

Ele explora mais profundamente a questão da diferença entre os sexos no mundo espiritual4. destacando que homens e mulheres têm deveres especiais, igualmente importantes na ordem das coisas, sendo dois elementos que se completam mutuamente. Kardec afirma que, mesmo após a destruição do corpo físico, a influência do organismo material pode persistir por certo tempo. No entanto, à medida que o Espírito avança em seu desenvolvimento, a influência da matéria se apaga, e a questão do sexo se torna secundária diante das características espirituais.

A escolha do sexo do corpo é considerada parte do plano reencarnatório. É determinada pelas necessidades de aprendizado e evolução do Espírito. Pela narrativa de André Luiz5, compreendemos o processo pelo qual os Espíritos passam no planejamento antes de reencarnar, no qual escolhem diversos aspectos de sua futura vida, incluindo o sexo do corpo que irão habitar. Esse processo de escolha é guiado por mentores espirituais e visa proporcionar as experiências necessárias para o desenvolvimento espiritual do indivíduo. Entre os Espíritos desencarnados de evolução mais elevada, a escolha do sexo para a reencarnação ocorre de maneira diferenciada, envolvendo a renúncia de si mesmo. Algumas almas grandiosas femininas podem solicitar em suas encarnações a vestimenta masculina, para cumprir tarefas específicas que requerem a renúncia de si mesmas. Essa ideia se baseia na compreensão de que a evolução espiritual envolve uma série de aprendizados, desafios e provações, e que as almas, em sua busca pela elevação moral e espiritual, podem escolher reencarnar como homens ou mulheres para experienciar situações e contextos diversos. Nesse contexto, a Doutrina Espírita enfatiza a importância do amor ao próximo, da evolução moral e do serviço desinteressado como caminhos para a elevação espiritual.

Enfatiza Rodolfo Caligaris7 a importância da relação sexual no casamento, destacando o respeito, a compreensão mútua e o amor como elementos fundamentais para uma vida sexual saudável e satisfatória. Na doutrina espírita, o tema da sexualidade também é abordado, porém com enfoque na importância do equilíbrio e da vivência da sexualidade de forma responsável e respeitosa.

A doutrina espírita ensina que a sexualidade é um aspecto natural da vida humana, mas que deve ser vivenciada com responsabilidade, respeito ao próximo e dentro dos princípios do amor e da fraternidade. A relação sexual no casamento é vista como uma expressão do amor entre os cônjuges, devendo ser baseada no respeito, na fidelidade e na busca pela evolução espiritual conjunta.

Quanto à condição masculina ou feminina, relacionando-se aos princípios da reencarnação e da lei de causa e efeito, a doutrina espírita enfatiza que o uso irresponsável da sexualidade, como a promiscuidade ou o abuso sexual, é considerado prejudicial ao desenvolvimento espiritual, exigindo correção. No entanto, não condena a expressão sexual em si, mas destaca que as relações devem ser baseadas em amor, respeito e consentimento mútuo, independentemente da orientação sexual.

Em suma, na visão espírita, quando se aborda a homossexualidade, a luz recai sobre o amor e o respeito que devem tecer as tramas da orientação sexual. A essência reside no nobre tecido moral e ético que dá forma aos relacionamentos, em que a orientação sexual dos corações envolvidos é eclipsada pela grandeza desses valores. Conforme o Espiritismo, ações prejudiciais às consciências, seja no âmbito sexual ou em outros aspectos da vida, demandam correção, encarada como uma oportunidade para o crescimento espiritual, já que as experiências e escolhas na vida terrena influenciam a jornada espiritual das almas.

 

Referências bibliográficas:

ROSAS, Paula. Os países que punem a homossexualidade com pena de morte. [S. l.]: BBC News Mundo, 16 jan. 2023. Para ler, clique aqui: LINK - Acesso em: 12 set. 2023.

XAVIER, Francisco Cândido. Vida e Sexo. Pelo Espírito Emmanuel.  1. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1970, p. 41-42.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, q. 200.

KARDEC, Allan. Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. 9° ano. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1993, p.6.

XAVIER, Francisco Cândido. Missionários da Luz. Pelo Espírito André Luiz. 1.ed. especial. Rio [de Janeiro]: FEB, 1979, p. 167-194.

XAVIER, Francisco Cândido. A Terra e o Semeador. Entrevistas. Pelo Espírito Emmanuel.  1. ed. São Paulo: IDE, 1975, p. 55 e 56.

Calligaris, Rodolfo. A vida em Família. O Ajustamento Sexual entre Cônjuges. 1. ed. São Paulo: IDE, 1976, p. 26 e 28.

    

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita