Demeure: o médico e amigo
de Kardec
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Na Revista Espírita de
março de 1865, Kardec dá a notícia da
desencarnação, em 25 de janeiro, do Dr. Antoine
Demeure , médico homeopata da cidade de Albi, no |
sul da
França. “Seu caráter e o seu saber lhe haviam
granjeado a estima e a consideração de seus
concidadãos”, nota Kardec, acrescentando que
“sua bondade e sua caridade eram inesgotáveis”. |
Malgrado sua
idade avançada, nenhum cansaço o detinha quando se
tratava de ir cuidar gratuitamente dos enfermos pobres,
aos quais também dava os medicamentos e, até mesmo,
recursos para comprarem o de que mais necessitassem para
sua subsistência.
Embora não
se conhecessem pessoalmente, uma grande amizade se
estabeleceu, por carta, entre Kardec e Demeure, que
“havia abraçado com ardor a doutrina espírita, na qual
encontrara a chave dos mais graves problemas, cuja
solução não havia encontrado na ciência e na filosofia”.
Tornou-se dela um dos mais zelosos propagadores, não
somente por palavras, mas sobretudo por seu exemplo de
homem de bem.
Allan
Kardec recebeu a notícia da desencarnação do amigo em 30
de janeiro, e seu primeiro pensamento foi o de conversar
com ele. Assim, na noite desse mesmo dia, o Dr. Demeure
foi evocado por meio da Sra. Cazemajour, uma das médiuns
da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Num lindo
texto, transbordante de alegria e lucidez, Demeure diz
que em seus últimos dias de vida prometera a si mesmo
que, logo que se desembaraçasse do corpo, iria ao
encontro de seu querido mestre, em Paris. Relata, nessa
sua primeira comunicação, que não mais trazia os traços
da velhice e da enfermidade que o vitimara, sentindo-se
leve como um pássaro que voa rápido pelo céu,
agradecendo ao Criador as maravilhas que o envolviam em
seu novo mundo. Termina prometendo ao amigo que
procuraria estudá-lo para lhe trazer, em modesta
homenagem e contribuição para o conhecimento espírita,
os frutos dessas pesquisas.
Esse
propósito de Demeure de fato se concretizou plenamente.
Ele se tornou um dos mais importantes colaboradores de
Kardec, como vemos em diversos textos publicados na Revista
Espírita (especialmente nos meses de março, abril e
setembro de 1865). E mais: Demeure não apenas auxiliou o
mestre em suas pesquisas, mas também tornou-se, na
condição de amigo querido, um de seus mais importantes
protetores espirituais, cuidando dele nas contingências
do dia a dia e em particular nas que diziam respeito a
sua saúde.
Nesse
mesmo artigo da Revista em que noticia e comenta
a partida de Demeure, Kardec transcreve duas
comunicações de caráter pessoal, com importantes
recomendações médicas, dadas em 1º e 2 de fevereiro.
Kardec sofrera grave crise no dia 31, um dia após a
comunicação inicial na Sociedade de Paris.
No
primeiro desses textos, o dedicado e sábio médico
desencarnado tranquiliza o amigo, dizendo que, embora
aflitiva, a crise não duraria muito. Estava e
continuaria ao seu lado, junto com o Espírito de
Verdade, zelando para que pudesse reunir forças para
completar sua grandiosa tarefa aqui na Terra. Em
particular, agradece a Deus por “ter morrido a tempo” de
poder colaborar para que a crise da véspera não tivesse
sido fatal. Lamenta mesmo de não ter morrido antes, para
prevenir que a crise se instalasse! Dá, em seguida,
recomendações específicas, incluindo-se apagar a
lareira, que aquecia demasiadamente o ambiente e
desprendia gases deletérios.
Completando o artigo de março de 1865, Kardec transcreve
outra comunicação de Demeure, de caráter mais geral,
dada aos espíritas de Montauban, cidade vizinha a Albi,
no dia seguinte ao de sua passagem ao mundo dos
Espíritos.
Demeure se
diz já inteiramente familiarizado com novo “mundo dos
invisíveis”, como se nele sempre tivesse habitado,
sentindo-se feliz em poder visitar e se comunicar com os
amigos sempre que o quisesse. “Não choreis”, pede
Demeure ao despedir-se, “dai tempo ao tempo e Deus vos
conduzirá a esta morada em que todos devemos nos reunir
um dia”. “Boa noite, meus amigos; que Deus vos console;
estou aqui ao vosso lado”.
Diante das
tocantes realidades trazidas a nós por Allan Kardec e
seu devotado amigo espiritual nesse importante artigo,
só nos resta agradecer a Deus por nos ter dado a
inestimável bênção do conhecimento espírita, que
transforma a triste visão da morte na bela cena da
continuidade da vida, de suas afeições e amizades
enternecedoras, inspirando-nos e sustentando-nos ao
longo do caminho que a Ele conduz!
Bibliografia:
Kardec, A. Artigos “O
doutor Demeure”, “Poder curativo do magnetismo
espiritual. Espírito do doutor Demeure” e “Cura de uma
fratura pelo magnetismo espiritual”, publicados na Revista
Espírita nos meses de março, abril e setembro de
1865, respectivamente.
Kardec, A. O Céu e o
Inferno, parte II, cap. II, seção “O doutor
Demeure”.
Kardec, A. Obras
Póstumas, “Instrução sobre a saúde do Sr. Allan
Kardec”.
Chibeni, S. S.
Palestra sobre o Dr. Demeure, Centro Espírita Allan
Kardec, Campinas, 20/5/2018. Disponível em Dr.
Demeure
Silvio Seno
Chibeni é professor titular do departamento de Filosofia
da Unicamp.
Este artigo foi publicado inicialmente em 7
de outubro de 2024 no jornal Correio Fraterno, de
São Bernardo do Campo (SP).