Brasil
por Leandro Monteiro

Ano 18 - N° 902 - 15 de Dezembro de 2024

 

Espiritualidade e Fraternidade Multiespécie


Diálogo inter-filosófico-religioso


A espiritualidade é uma linguagem comum entre várias religiões e tradições, independentemente de dogmas específicos. Relacionada à ideia de fraternidade multiespécie, é um tema de alta relevância para os tempos atuais, em que a ação de uma única espécie, a humana, tem impactado negativamente a vida das demais, colocando em risco toda a estrutura planetária. Trocar reflexões e experiências sobre esse assunto com diferentes filosofias é extremamente enriquecedor.

Foi o que aconteceu no último dia 19 de outubro, como parte das atividades do 7º CongreMove, o congresso anual promovido pelo Movimento pela Ética Animal Espírita (MOVE), realizado presencialmente no Grêmio Espírita Atualpa Barbosa Lima, na capital federal. [Mais informações sobre o evento, leia na sequência, ao final deste texto, a matéria produzida pela equipe coordenadora  do 7º CongreMove.]

Do diálogo inter-filosófico-religioso, intitulado "Espiritualidade e Fraternidade Multiespécie", participaram Sri Gopinatha Das, do Movimento Hare Krishna; Márcia Rosenwald, da Sociedade Teosófica Brasileira; e Geraldo Campetti, representando a Doutrina dos Espíritos. Além deles, o Padre Paulo César, conhecido como “Padre Vegano”, contribuiu com uma participação em vídeo.

No diálogo, que tive o prazer de mediar, ficou claro que todas as religiões presentes compartilham uma visão de mundo em que todas as espécies que coabitam o planeta são parte de um todo harmonioso e interdependente, no qual o elemento espiritual é a essência. Outro ponto comum foi a ideia de que todas as formas de vida são expressões de uma força divina superior, delineando uma realidade onde todos os seres, de todos os reinos, são irmãos.

Todo o desenrolar das conversas foi amistoso, e pôde-se sentir um clima de respeito e interesse em ouvir e compartilhar ideias e experiências.

Márcia Rosenwald esclareceu que a Fraternidade Universal é um dos princípios da Teosofia, estendendo-se também aos seres invisíveis. Destacou que o vegetarianismo e o veganismo estão entre as recomendações mais relevantes da doutrina, reforçando: “Não há outro caminho.”

Sri Gopinatha Das disse que, na filosofia védica, o humano é visto como o "servo do servo", e que amar e respeitar os demais seres é uma forma de devoção. Apresentou os princípios da compaixão e da ahimsa (não violência) como essenciais em nossa interação com as demais formas de vida, completando que o veganismo é uma das formas mais diretas de manifestar essa compaixão.

Padre Paulo falou sobre a necessidade de uma “conversão ecológica”, à semelhança de santos como São Francisco de Assis. Destacou que os desequilíbrios ecológicos e sociais não são um castigo divino, como alguns religiosos ainda afirmam. A responsabilidade por esse estado de coisas é nossa, exigindo humildade para admitir e disposição para superar a visão antropocêntrica vigente.

Geraldo Campetti, com sua serenidade habitual, esclareceu que, na Doutrina dos Espíritos, o amor ao próximo, ensinado pelo Cristo, é central, e que “próximo” deve ser entendido como tudo o que vive. Comentou sobre a evolução anímica, que posiciona o ser humano como mais avançado no processo evolutivo, portanto, responsável pelos menos avançados. Geraldo ainda mencionou a questão 723 de O Livro dos Espíritos — que trata do consumo de carne —, afirmando: “Não precisamos mais, talvez nunca tenhamos precisado.” Ele se emocionou e emocionou a todos ao falar de seu contato com a natureza generosa.

Quanto aos desafios de se implantar um pensamento multiespécie no meio religioso, discutiu-se a necessidade de abordar o assunto, vencer ideias ultrapassadas e resistências, especialmente em meios espíritas e católicos. A transição para uma alimentação vegana em eventos religiosos apareceu como uma preocupação mais forte entre espíritas e católicos do que nos outros grupos.

Finalizando, abordou-se o desafio de pensar a relação entre o ser humano e a natureza de forma horizontal, em contraposição à visão antropocêntrica dominante.

Resumindo minhas impressões sobre o diálogo, foi altamente produtivo, posicionando a espiritualidade multiespécie como um dos caminhos para superar uma visão especista de mundo, colaborando para a construção de uma nova realidade onde a verdadeira fraternidade seja a base do relacionamento entre nós, humanos, e os seres que dividem conosco esta extraordinária casa planetária. (*)


Relato da Coordenação do 7º CongreMove: Fraternidade e Ética em Ação


A sétima edição do Congresso do Movimento pela Ética Animal Espírita (CongreMove) consolidou-se como um importante passo no debate ético e espiritual das questões animal e ambiental dentro do movimento espírita. Realizado em 19 de outubro de 2024, o evento destacou-se não apenas pelo conteúdo profundo, mas também pela união de pessoas de diferentes localidades do Brasil, muitas das quais acompanharam o congresso desde suas primeiras edições. Este encontro reforçou o compromisso do Movimento com um olhar fraterno, inclusivo e ético que transcende as barreiras de espécie, proporcionando um espaço acolhedor para reflexão, diálogo e vivência prática de valores espirituais.

O evento representou um desafio organizacional em diversos aspectos. Sendo o primeiro evento presencial desde a pandemia e o primeiro realizado no Centro-Oeste, houve um esforço intenso de adaptação. Cada detalhe foi cuidadosamente pensado pela equipe do MOVE e pelos trabalhadores da Casa de Atualpa, que se empenharam em criar um ambiente de harmonia e aprendizado. O evento tornou-se uma experiência prática dos valores defendidos pelo MOVE, sendo evidente o compromisso com a defesa da vida dos animais humanos e não humanos, com o equilíbrio do planeta, com a defesa da ciência, como preconizado por Kardec, e pela pluralidade de saberes filosóficos e espirituais.

Foram vários os momentos de aprendizagem: a apresentação de um panorama global da saúde da nossa casa planetária, a participação de Luiz Signates, que trouxe reflexões profundas sobre a teoria social espírita, as discussòes sobre cidadania e o papel do espírita, a descoberta de caminhos evolutivos que compartilhamos com os animais não-humanos, um novo olhar sobre o evangelho e as leis morais, incentivando questionamentos e perspectivas transformadoras. Além disso, o painel inter-filosófico e inter-religioso, reuniu representantes de várias tradições espirituais para debater temas fundamentais de ética e fraternidade universal, em uma rica troca de perspectivas sobre a coexistência fraterna, promovendo uma compreensão ampliada dos desafios éticos do mundo contemporâneo.

Outro ponto de destaque foi a alimentação oferecida aos participantes. A feijoada vegana preparada para o almoço, elaborada pela experiente Patrícia Cunha, tornou-se um símbolo de acolhimento e empatia. Recebida com entusiasmo, a refeição foi saborosa, ética e cuidadosamente planejada. Em resposta aos pedidos, a receita foi disponibilizada como e-book no site do MOVE, oferecendo ao público a oportunidade de experimentá-la e incorporá-la em suas práticas alimentares. Esta ação busca incentivar um estilo de vida que favorece o bem-estar de todos os seres e contribui para a preservação do planeta, reforçando os princípios de não-violência e responsabilidade ambiental defendidos pelo congresso.

As apresentações artísticas de Tales e Jéssyca e do Grupo Versos em Melodia também agregaram reflexões, trazendo leveza e reflexões que ressoavam com o tema do evento. Entre os destaques artísticos, a poesia "O esposo da pobreza", de Júlio Diniz, foi apresentada por Wilson Abreu, e Leandro Monteiro, membro do MOVE, compôs e apresentou a canção "A verdadeira fraternidade", criada especialmente para o congresso. Estes momentos de expressão artística reforçaram, de forma sensível, a mensagem de respeito e empatia para com todos os seres, criando uma atmosfera de fraternidade e emoção.

O 7º CongreMove cumpriu com louvor seu objetivo de fortalecer laços, trocar experiências, ampliar o senso de comunidade e aprofundar o compromisso coletivo com a ética animal e a fraternidade espiritual. Ao longo do evento, tornou-se evidente o desejo dos participantes de contribuir para um mundo mais justo e inclusivo, refletindo o crescente interesse pela ética animal dentro do movimento espírita. A coordenação expressa seu profundo apreço pela participação ativa e engajada de todos os presentes, cuja contribuição enriqueceu essa edição e reafirmou o compromisso do congresso como uma plataforma contínua de aprendizado, prática e debate sobre os princípios que norteiam o MOVE. A experiência vivenciada neste congresso estimula a continuidade do trabalho em prol de uma sociedade que valorize a fraternidade universal, reafirmando o CongreMove como um espaço singular de reflexão e transformação ética dentro do movimento espírita e além.(Equipe do MOVE)


(*) Leandro Monteiro, designer, ilustrador, escritor e artista plástico, é presidente do Grupo Fraternal Francisco de Assis em Mineiros (GO).
 
  


O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita