Espiritualidade e Fraternidade
Multiespécie
Diálogo inter-filosófico-religioso
A espiritualidade é uma linguagem comum entre várias
religiões e tradições, independentemente de dogmas
específicos. Relacionada à ideia de fraternidade
multiespécie, é um tema de alta relevância para os
tempos atuais, em que a ação de uma única espécie, a
humana, tem impactado negativamente a vida das demais,
colocando em risco toda a estrutura planetária. Trocar
reflexões e experiências sobre esse assunto com
diferentes filosofias é extremamente enriquecedor.
Foi o que aconteceu no último dia 19 de outubro, como
parte das atividades do 7º CongreMove, o congresso anual
promovido pelo Movimento pela Ética Animal Espírita
(MOVE), realizado presencialmente no Grêmio Espírita
Atualpa Barbosa Lima, na capital federal. [Mais
informações sobre o evento, leia na sequência, ao final
deste texto, a matéria produzida pela equipe
coordenadora do
7º CongreMove.]
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Do diálogo inter-filosófico-religioso, intitulado
"Espiritualidade e Fraternidade Multiespécie",
participaram Sri Gopinatha Das, do Movimento Hare
Krishna; Márcia Rosenwald, da Sociedade Teosófica
Brasileira; e Geraldo Campetti, representando a Doutrina
dos Espíritos. Além deles, o Padre Paulo César,
conhecido como “Padre Vegano”, contribuiu com uma
participação em vídeo.
No diálogo, que tive o prazer de mediar, ficou claro que
todas as religiões presentes compartilham uma visão de
mundo em que todas as espécies que coabitam o planeta
são parte de um todo harmonioso e interdependente, no
qual o elemento espiritual é a essência. Outro ponto
comum foi a ideia de que todas as formas de vida são
expressões de uma força divina superior, delineando uma
realidade onde todos os seres, de todos os reinos, são
irmãos.
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Todo o desenrolar das conversas foi amistoso, e pôde-se
sentir um clima de respeito e interesse em ouvir e
compartilhar ideias e experiências.
Márcia Rosenwald esclareceu que a Fraternidade Universal
é um dos princípios da Teosofia, estendendo-se também
aos seres invisíveis. Destacou que o vegetarianismo e o
veganismo estão entre as recomendações mais relevantes
da doutrina, reforçando: “Não há outro caminho.”
Sri Gopinatha Das disse que, na filosofia védica, o
humano é visto como o "servo do servo", e que amar e
respeitar os demais seres é uma forma de devoção.
Apresentou os princípios da compaixão e da ahimsa (não
violência) como essenciais em nossa interação com as
demais formas de vida, completando que o veganismo é uma
das formas mais diretas de manifestar essa compaixão.
Padre Paulo falou sobre a necessidade de uma “conversão
ecológica”, à semelhança de santos como São Francisco de
Assis. Destacou que os desequilíbrios ecológicos e
sociais não são um castigo divino, como alguns
religiosos ainda afirmam. A responsabilidade por esse
estado de coisas é nossa, exigindo humildade para
admitir e disposição para superar a visão
antropocêntrica vigente.
Geraldo Campetti, com sua serenidade habitual,
esclareceu que, na Doutrina dos Espíritos, o amor ao
próximo, ensinado pelo Cristo, é central, e que
“próximo” deve ser entendido como tudo o que vive.
Comentou sobre a evolução anímica, que posiciona o ser
humano como mais avançado no processo evolutivo,
portanto, responsável pelos menos avançados. Geraldo
ainda mencionou a questão 723 de O Livro dos
Espíritos — que trata do consumo de carne —,
afirmando: “Não precisamos mais, talvez nunca tenhamos
precisado.” Ele se emocionou e emocionou a todos ao
falar de seu contato com a natureza generosa.
Quanto aos desafios de se implantar um pensamento
multiespécie no meio religioso, discutiu-se a
necessidade de abordar o assunto, vencer ideias
ultrapassadas e resistências, especialmente em meios
espíritas e católicos. A transição para uma alimentação
vegana em eventos religiosos apareceu como uma
preocupação mais forte entre espíritas e católicos do
que nos outros grupos.
Finalizando, abordou-se o desafio de pensar a relação
entre o ser humano e a natureza de forma horizontal, em
contraposição à visão antropocêntrica dominante.
Resumindo minhas impressões sobre o diálogo, foi
altamente produtivo, posicionando a espiritualidade
multiespécie como um dos caminhos para superar uma visão
especista de mundo, colaborando para a construção de uma
nova realidade onde a verdadeira fraternidade seja a
base do relacionamento entre nós, humanos, e os seres
que dividem conosco esta extraordinária casa planetária.
(*)
A sétima edição do Congresso do Movimento pela Ética
Animal Espírita (CongreMove) consolidou-se como um
importante passo no debate ético e espiritual das
questões animal e ambiental dentro do movimento
espírita. Realizado em 19 de outubro de 2024, o evento
destacou-se não apenas pelo conteúdo profundo, mas
também pela união de pessoas de diferentes localidades
do Brasil, muitas das quais acompanharam o congresso
desde suas primeiras edições. Este encontro reforçou o
compromisso do Movimento com um olhar fraterno,
inclusivo e ético que transcende as barreiras de
espécie, proporcionando um espaço acolhedor para
reflexão, diálogo e vivência prática de valores
espirituais.
O evento representou um desafio organizacional em
diversos aspectos. Sendo o primeiro evento presencial
desde a pandemia e o primeiro realizado no Centro-Oeste,
houve um esforço intenso de adaptação. Cada detalhe foi
cuidadosamente pensado pela equipe do MOVE e pelos
trabalhadores da Casa de Atualpa, que se empenharam em
criar um ambiente de harmonia e aprendizado. O evento
tornou-se uma experiência prática dos valores defendidos
pelo MOVE, sendo evidente o compromisso com a defesa da
vida dos animais humanos e não humanos, com o equilíbrio
do planeta, com a defesa da ciência, como preconizado
por Kardec, e pela pluralidade de saberes filosóficos e
espirituais.
Foram vários os momentos de aprendizagem: a apresentação
de um panorama global da saúde da nossa casa planetária,
a participação de Luiz Signates, que trouxe reflexões
profundas sobre a teoria social espírita, as discussòes
sobre cidadania e o papel do espírita, a descoberta de
caminhos evolutivos que compartilhamos com os animais
não-humanos, um novo olhar sobre o evangelho e as leis
morais, incentivando questionamentos e perspectivas
transformadoras. Além disso, o painel inter-filosófico e
inter-religioso, reuniu representantes de várias
tradições espirituais para debater temas fundamentais de
ética e fraternidade universal, em uma rica troca de
perspectivas sobre a coexistência fraterna, promovendo
uma compreensão ampliada dos desafios éticos do mundo
contemporâneo.
Outro ponto de destaque foi a alimentação oferecida aos
participantes. A feijoada vegana preparada para o
almoço, elaborada pela experiente Patrícia Cunha,
tornou-se um símbolo de acolhimento e empatia. Recebida
com entusiasmo, a refeição foi saborosa, ética e
cuidadosamente planejada. Em resposta aos pedidos, a
receita foi disponibilizada como e-book no site do MOVE,
oferecendo ao público a oportunidade de experimentá-la e
incorporá-la em suas práticas alimentares. Esta ação
busca incentivar um estilo de vida que favorece o
bem-estar de todos os seres e contribui para a
preservação do planeta, reforçando os princípios de
não-violência e responsabilidade ambiental defendidos
pelo congresso.
As apresentações artísticas de Tales e Jéssyca e do
Grupo Versos em Melodia também agregaram reflexões,
trazendo leveza e reflexões que ressoavam com o tema do
evento. Entre os destaques artísticos, a poesia "O
esposo da pobreza", de Júlio Diniz, foi apresentada por
Wilson Abreu, e Leandro Monteiro, membro do MOVE, compôs
e apresentou a canção "A verdadeira fraternidade",
criada especialmente para o congresso. Estes momentos de
expressão artística reforçaram, de forma sensível, a
mensagem de respeito e empatia para com todos os seres,
criando uma atmosfera de fraternidade e emoção.
O 7º CongreMove cumpriu com louvor seu objetivo de
fortalecer laços, trocar experiências, ampliar o senso
de comunidade e aprofundar o compromisso coletivo com a
ética animal e a fraternidade espiritual. Ao longo do
evento, tornou-se evidente o desejo dos participantes de
contribuir para um mundo mais justo e inclusivo,
refletindo o crescente interesse pela ética animal
dentro do movimento espírita. A coordenação expressa seu
profundo apreço pela participação ativa e engajada de
todos os presentes, cuja contribuição enriqueceu essa
edição e reafirmou o compromisso do congresso como uma
plataforma contínua de aprendizado, prática e debate
sobre os princípios que norteiam o MOVE. A experiência
vivenciada neste congresso estimula a continuidade do
trabalho em prol de uma sociedade que valorize a
fraternidade universal, reafirmando o CongreMove como um
espaço singular de reflexão e transformação ética dentro
do movimento espírita e além.(Equipe
do MOVE)
(*) Leandro Monteiro, designer,
ilustrador, escritor e artista plástico, é presidente do
Grupo Fraternal Francisco de Assis em Mineiros (GO).