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por Rogério Miguez

 

Jesus: perfeição relativa sem máculas


A máxima popular errar é humano está bem sedimentada no seio desta humanidade. O adágio é regularmente usado após o cometimento de um delito, crime, ligeira falta ou mesmo um deslize moral ou ético, seja pelo próprio infrator, seja por testemunhas do fato delituoso, adicionando-se, afinal ninguém é perfeito.

É uma forma do faltoso justificar a sua conduta gravosa, indiretamente, funciona como um pedido de perdão à sociedade: Vejam, eu ainda sou um pecador, como todos nós, então, apiedem-se de mim!

De imediato, poder-se-ia esclarecer que se o erro fosse condição necessária e absoluta para progredir, então, o homem não teria nenhuma responsabilidade pelas possíveis transgressões às leis divinas, sejam quais fossem. A Deus caberia a culpa, caso fossemos propensos ao erro por natureza, ou seja, seria uma fatalidade errar.

Conclui-se, de pronto, que não deve ser assim, aliás, não pode ser assim e, graças ao Pai, não é assim!

Na obra mais básica de todas as que formam o conjunto de livros fundamentais do Espiritismo – O Livro dos Espíritos -, há informações seguras indicando a possibilidade de um Espírito, embora criado simples e ignorante como todos, trilhar uma estrada evolutiva sem máculas, sem que jamais tenha errado, em consequência, não ter causado prejuízos a si mesmo ou ao próximo.

Iniciemos o nosso processo de assimilação desta tese trazendo à luz certas questões em ordem de aparecimento na obra anteriormente citada:

 

Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?

“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, com igual aptidão para o bem e para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por sua vontade.”1 (Negritamos)

Uma vez que há Espíritos que, desde o princípio, seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, haverá, talvez, gradações entre esses dois extremos?

“Sim, certamente, e constituem a grande maioria.”(Negritamos)

 

Nesta última citação, observa-se que o Codificador inicia com uma afirmação sobre a existência de dois extremos no processo evolutivo: seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto. E da resposta se conclui que se encontram dentro destes limites a maioria dos outros Espíritos, o que intuitivamente seria o esperado. E mais, os Espíritos superiores não corrigiram a forma como foram formuladas as questões, sendo assim, deram a sua aceitação à tese proposta por Allan Kardec, mesmo que tacitamente.

É de se notar também que Allan Kardec já havia formado opinião de que seria possível um Espírito simples e ignorante seguir apenas o caminho do bem até alcançar a sua meta final, caso contrário, teria formulado as questões em termos de hipótese, e não como afirmativas.

Em seguida temos:

 

Os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o caminho do bem, têm necessidade de encarnação?

“Todos são criados simples e ignorantes e se instruindo nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas sem trabalhos e, por conseguinte, sem mérito.”(Negritamos)

 

Bastaria este único texto para concluir, sem qualquer sombra de dúvida, que o processo de evolução sem manchas está contemplado na Lei Maior, pois Allan Kardec afirma na pergunta, mais uma vez, confirmando a possibilidade em exame e os Espíritos, novamente, não o corrigiram.

Entretanto, há um certo incômodo por parte de alguns adeptos da Doutrina sobre as afirmações:


Todos os Espíritos que passaram pela Terra tiveram as mesmas características evolutivas, no que se refere ao problema da dor?

Todas as entidades espirituais encarnadas no orbe terrestre são Espíritos que se resgatam ou aprendem nas experiências humanas, após as quedas do passado, com exceção de Jesus-Cristo, fundamento de toda a verdade neste mundo, cuja evolução se verificou em linha reta para Deus, e em cujas mãos angélicas repousa o governo espiritual do planeta, desde os seus primórdios.4 (Negritamos)

Os Espíritos elevados, como os profetas antigos, devem ser considerados como anjos ou como Espíritos eleitos?

[...] Para a nossa compreensão, a palavra “anjo”, neste passo, deve designar somente as entidades que já se elevaram ao plano superior; plenamente redimidas, onde são “escolhidos” na tarefa sagrada d’Aquele cujas palavras não passarão. O Eleito, porém, é aquele que se elevou para Deus em linha reta, sem as quedas que nos são comuns, sendo justo afirmar que o orbe terrestre só viu um eleito, que é Jesus Cristo.5 (Negritamos)


Evolução em linha reta: estas informações mediúnicas de Emmanuel se constituem no pomo da discórdia entre alguns sinceros espíritas. Contudo, vale a pena ressaltar que o autor espiritual confirmou por duas vezes a mesma ideia, o que enfraquece a hipótese de filtragem mediúnica incorreta.

A partir do que foi visto anteriormente, não há nada a estranhar sobre a possibilidade, embora pequena, de Espíritos terem evoluído, nos dizeres de Emmanuel, em linha reta, ou seja, sem desvios, atrasos, interrupções ou estacionamentos. Mas esta não é a questão, e sim o fato de ter o autor espiritual afirmado que este processo se aplicou na trajetória evolutiva de Jesus.

De fato, segundo um dos critérios de aceitação de novas teses - o do controle universal -, faltariam mais elementos que pudessem corroborar a afirmativa do guia espiritual de Francisco Cândido Xavier, pois apenas uma fonte, por mais respeitável seja, não seria suficiente para introduzir no meio espírita informação tão relevante; em relação ao segundo critério, o da coerência doutrinária da informação, nada há em disputa, os Espíritos superiores o confirmaram mais de uma vez.

Entretanto, explorando um pouco mais o critério do controle universal vemos na obra Roma e o Evangelho:

 

Ninguém foi, nem será igual ao Filho, porque Ele foi sempre o cumprimento da Lei, sem nunca infringi-la.6

 

É interessante notar que quando o Espírito afirma que Ninguém foi, nem será igual ao Filho, cremos se referir às almas vinculadas ao planeta Terra, pois não podemos retornar e refazer a própria trajetória evolutiva sem máculas: a nossa oportunidade de evoluir em linha reta se foi. Entretanto, esta obra foi publicada em 1874, na Espanha, sendo assim, não se pode dizer que foi Emmanuel quem descortinou esta possibilidade, como afirmam alguns. Há um intervalo de 66 anos entre a citação de D. José Amigó y Pellícer e as menções de Emmanuel em O Consolador.

E mais, poucos anos após a publicação de O Consolador, André Luiz registrou:

 

Chamamos Trevas às regiões mais inferiores que conhecemos. Considere as criaturas como itinerantes da vida. Alguns poucos seguem resolutos, visando ao objetivo essencial da jornada. São os espíritos nobilíssimos, que descobriram a essência divina em si mesmos, marchando para o alvo sublime, sem vacilações. A maioria, no entanto, estaciona. Temos então a multidão de almas que demoram séculos e séculos, recapitulando experiências. Os primeiros seguem por linhas retas. Os segundos caminham descrevendo grandes curvas. Nessa movimentação, repetindo marchas e refazendo velhos esforços, ficam à mercê de inúmeras vicissitudes.7 (Negritamos)

 

É de se notar que estes autores, o primeiro a afirmar que Jesus é um exemplo deste tipo de linha de progresso, e o segundo ao ratificar a possibilidade da evolução sem deslizes, não sugeriram, de modo algum, que Jesus tenha construído sua evolução em linha reta sem reencarnações, sem passar por provas, pois, como sabemos, a reencarnação é o único processo criado por Deus para levar as suas muitas criaturas à perfeição relativa, mais cedo ou mais tarde. Assim, se Jesus já era um Espírito puro quando assumiu a missão de estruturar o planeta Terra como seu Governador, certamente, Ele encarnou e continuou reencarnando em outros mundos, incontáveis vezes, senão jamais poderia ter alcançado o ápice do processo evolutivo, e, em função desta condição, Lhe ter sido dada a missão, pela Divindade, de coordenar a formação e progresso deste Mundo-Escola: a Terra.

Há quem argumente que Jesus poderia ter alcançado o ápice de seu processo evolutivo apenas na condição de Espírito errante, sendo assim, sem necessidade de ocupar regularmente corpos físicos em mundos materiais, como todos os Espíritos criados por Deus.

Entretanto, esta possibilidade é negada por Allan Kardec quando, por exemplo, registou nesta questão, entre outras:

 

O Espírito progride no estado errante?

“Pode melhorar-se muito, sempre conforme a sua vontade e o seu desejo. Mas é na existência corpórea que põe em prática as novas ideias que adquiriu.”8

 

Seguramente devem existir outras fontes confirmando esta tese, o tempo se encarregará de descobri-las, mas no momento, considerando estas citações, e, levando em consideração que a Lei de Deus contempla a possibilidade de Espíritos jamais falharem em suas trajetórias evolutivas, podemos nos acalmar e aceitar a tese da evolução em linha reta, ou seja, sem máculas e sem desvios, mesmo que aplicada a Jesus.

Entretanto, os debates técnicos sobre esta singular personagem permanecem sempre em segundo plano e, neste mês de aniversário do Governador do Planeta, a nossa mais sincera reverência Àquele que por aqui jornadeou deixando todos os seus tesouros conosco - seus imortais ensinos – cabendo-nos agora tentar aproveitar as lições de seus exemplos de vida de modo a também promover a nossa evolução, o mais rápido possível, rumo ao Magnânimo Pai.

Por quais linhas temos avançado e, por quais avançaremos daqui para a frente, é a nossa mais importante questão no momento.

 

Referências:

1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 121.

 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto de Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 124.

3  KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto de Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 133.

 XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1986. q. 243.

5 XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1986. q. 277.

6 D. José Amigó y PellícerRoma e o Evangelho. Lérida/Espanha: 1874. cap. XIV. João Evangelista.

7 XAVIER, Francisco Cândido. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz. 33. ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. cap. 44 - As trevas.

8 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 230.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita