Jesus: perfeição relativa sem máculas
A máxima popular errar é humano está bem
sedimentada no seio desta humanidade. O adágio é
regularmente usado após o cometimento de um delito,
crime, ligeira falta ou mesmo um deslize moral ou ético,
seja pelo próprio infrator, seja por testemunhas do fato
delituoso, adicionando-se, afinal ninguém é perfeito.
É uma forma do faltoso justificar a sua conduta gravosa,
indiretamente, funciona como um pedido de perdão à
sociedade: Vejam, eu ainda sou um pecador, como todos
nós, então, apiedem-se de mim!
De imediato, poder-se-ia esclarecer que se o erro fosse
condição necessária e absoluta para progredir, então, o
homem não teria nenhuma responsabilidade pelas possíveis
transgressões às leis divinas, sejam quais fossem. A
Deus caberia a culpa, caso fossemos propensos ao erro
por natureza, ou seja, seria uma fatalidade errar.
Conclui-se, de pronto, que não deve ser assim, aliás,
não pode ser assim e, graças ao Pai, não é assim!
Na obra mais básica de todas as que formam o conjunto de
livros fundamentais do Espiritismo – O Livro dos
Espíritos -, há informações seguras indicando a
possibilidade de um Espírito, embora criado simples e
ignorante como todos, trilhar uma estrada evolutiva sem
máculas, sem que jamais tenha errado, em consequência,
não ter causado prejuízos a si mesmo ou ao próximo.
Iniciemos o nosso processo de assimilação desta tese
trazendo à luz certas questões em ordem de aparecimento
na obra anteriormente citada:
Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem
e outros o do mal?
“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não criou Espíritos
maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, com
igual aptidão para o bem e para o mal. Os que são
maus, assim se tornaram por sua vontade.”1 (Negritamos)
Uma vez que há Espíritos que, desde o princípio,
seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal
absoluto, haverá, talvez, gradações entre esses dois
extremos?
“Sim, certamente, e constituem a grande maioria.”2 (Negritamos)
Nesta última citação, observa-se que o Codificador
inicia com uma afirmação sobre a existência de dois
extremos no processo evolutivo: seguem o
caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto.
E da resposta se conclui que se encontram dentro destes
limites a maioria dos outros Espíritos, o que
intuitivamente seria o esperado. E mais, os Espíritos
superiores não corrigiram a forma como foram formuladas
as questões, sendo assim, deram a sua aceitação à tese
proposta por Allan Kardec, mesmo que tacitamente.
É de se notar também que Allan Kardec já havia formado
opinião de que seria possível um Espírito simples e
ignorante seguir apenas o caminho do bem até alcançar a
sua meta final, caso contrário, teria formulado as
questões em termos de hipótese, e não como afirmativas.
Em seguida temos:
Os Espíritos que, desde o princípio, seguiram o
caminho do bem, têm necessidade de encarnação?
“Todos são criados simples e ignorantes e se instruindo
nas lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é
justo, não podia fazer felizes a uns, sem fadigas sem
trabalhos e, por conseguinte, sem mérito.”3 (Negritamos)
Bastaria este único texto para concluir, sem qualquer
sombra de dúvida, que o processo de evolução sem manchas
está contemplado na Lei Maior, pois Allan Kardec afirma
na pergunta, mais uma vez, confirmando a possibilidade
em exame e os Espíritos, novamente, não o corrigiram.
Entretanto, há um certo incômodo por parte de alguns
adeptos da Doutrina sobre as afirmações:
Todos os Espíritos que passaram pela Terra tiveram as
mesmas características evolutivas, no que se refere ao
problema da dor?
Todas as entidades espirituais encarnadas no orbe
terrestre são Espíritos que se resgatam ou aprendem nas
experiências humanas, após as quedas do passado, com
exceção de Jesus-Cristo, fundamento de toda a
verdade neste mundo, cuja evolução se verificou em
linha reta para Deus, e em cujas mãos angélicas
repousa o governo espiritual do planeta, desde os seus
primórdios.4 (Negritamos)
Os Espíritos elevados, como os profetas antigos, devem
ser considerados como anjos ou como Espíritos eleitos?
[...] Para a nossa compreensão, a palavra “anjo”, neste
passo, deve designar somente as entidades que já se
elevaram ao plano superior; plenamente redimidas, onde
são “escolhidos” na tarefa sagrada d’Aquele cujas
palavras não passarão. O Eleito, porém, é aquele que
se elevou para Deus em linha reta, sem as
quedas que nos são comuns, sendo justo afirmar que o
orbe terrestre só viu um eleito, que é Jesus Cristo.5 (Negritamos)
Evolução em linha reta: estas informações
mediúnicas de Emmanuel se constituem no pomo da
discórdia entre alguns sinceros espíritas. Contudo,
vale a pena ressaltar que o autor espiritual confirmou
por duas vezes a mesma ideia, o que enfraquece a
hipótese de filtragem mediúnica incorreta.
A partir do que foi visto anteriormente, não há nada a
estranhar sobre a possibilidade, embora pequena, de
Espíritos terem evoluído, nos dizeres de Emmanuel, em
linha reta, ou seja, sem desvios, atrasos,
interrupções ou estacionamentos. Mas esta não é a
questão, e sim o fato de ter o autor espiritual afirmado
que este processo se aplicou na trajetória evolutiva de
Jesus.
De fato, segundo um dos critérios de aceitação de novas
teses - o do controle universal -, faltariam mais
elementos que pudessem corroborar a afirmativa do guia
espiritual de Francisco Cândido Xavier, pois apenas uma
fonte, por mais respeitável seja, não seria suficiente
para introduzir no meio espírita informação tão
relevante; em relação ao segundo critério, o da
coerência doutrinária da informação, nada há em disputa,
os Espíritos superiores o confirmaram mais de uma vez.
Entretanto, explorando um pouco mais o critério do
controle universal vemos na obra Roma e o Evangelho:
Ninguém foi, nem será igual ao Filho, porque Ele foi
sempre o cumprimento da Lei, sem nunca infringi-la.6
É interessante notar que quando o Espírito afirma que Ninguém
foi, nem será igual ao Filho, cremos se referir às
almas vinculadas ao planeta Terra, pois não podemos
retornar e refazer a própria trajetória evolutiva sem
máculas: a nossa oportunidade de evoluir em linha
reta se foi. Entretanto, esta obra foi publicada em
1874, na Espanha, sendo assim, não se pode dizer que foi
Emmanuel quem descortinou esta possibilidade, como
afirmam alguns. Há um intervalo de 66 anos entre a
citação de D. José Amigó y Pellícer e as menções de
Emmanuel em O Consolador.
E mais, poucos anos após a publicação de O Consolador,
André Luiz registrou:
Chamamos Trevas às regiões mais inferiores que
conhecemos. Considere as criaturas como itinerantes da
vida. Alguns poucos seguem resolutos, visando ao
objetivo essencial da jornada. São os espíritos
nobilíssimos, que descobriram a essência divina em si
mesmos, marchando para o alvo sublime, sem vacilações. A
maioria, no entanto, estaciona. Temos então a multidão
de almas que demoram séculos e séculos, recapitulando
experiências. Os primeiros seguem por linhas retas.
Os segundos caminham descrevendo grandes curvas. Nessa
movimentação, repetindo marchas e refazendo velhos
esforços, ficam à mercê de inúmeras vicissitudes.7 (Negritamos)
É de se notar que estes autores, o primeiro a afirmar
que Jesus é um exemplo deste tipo de linha de progresso,
e o segundo ao ratificar a possibilidade da evolução sem
deslizes, não sugeriram, de modo algum, que Jesus tenha
construído sua evolução em linha reta sem
reencarnações, sem passar por provas, pois, como
sabemos, a reencarnação é o único processo criado por
Deus para levar as suas muitas criaturas à perfeição
relativa, mais cedo ou mais tarde. Assim, se Jesus já
era um Espírito puro quando assumiu a missão de
estruturar o planeta Terra como seu Governador,
certamente, Ele encarnou e continuou reencarnando em
outros mundos, incontáveis vezes, senão jamais poderia
ter alcançado o ápice do processo evolutivo, e, em
função desta condição, Lhe ter sido dada a missão, pela
Divindade, de coordenar a formação e progresso deste
Mundo-Escola: a Terra.
Há quem argumente que Jesus poderia ter alcançado o
ápice de seu processo evolutivo apenas na condição de
Espírito errante, sendo assim, sem necessidade de ocupar
regularmente corpos físicos em mundos materiais, como
todos os Espíritos criados por Deus.
Entretanto, esta possibilidade é negada por Allan Kardec
quando, por exemplo, registou nesta questão, entre
outras:
O Espírito progride no estado errante?
“Pode melhorar-se muito, sempre conforme a sua vontade e
o seu desejo. Mas é na existência corpórea que põe em
prática as novas ideias que adquiriu.”8
Seguramente devem existir outras fontes confirmando esta
tese, o tempo se encarregará de descobri-las, mas no
momento, considerando estas citações, e, levando em
consideração que a Lei de Deus contempla a possibilidade
de Espíritos jamais falharem em suas trajetórias
evolutivas, podemos nos acalmar e aceitar a tese da
evolução em linha reta, ou seja, sem máculas e
sem desvios, mesmo que aplicada a Jesus.
Entretanto, os debates técnicos sobre esta singular
personagem permanecem sempre em segundo plano e, neste
mês de aniversário do Governador do Planeta, a nossa
mais sincera reverência Àquele que por aqui jornadeou
deixando todos os seus tesouros conosco - seus imortais
ensinos – cabendo-nos agora tentar aproveitar as lições
de seus exemplos de vida de modo a também promover a
nossa evolução, o mais rápido possível, rumo ao
Magnânimo Pai.
Por quais linhas temos avançado e, por quais
avançaremos daqui para a frente, é a nossa mais
importante questão no momento.
Referências:
1 KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
q. 121.
2 KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro
Noleto de Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB,
2022. q. 124.
3 KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro
Noleto de Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB,
2022. q. 133.
4 XAVIER,
Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito
Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1986. q. 243.
5 XAVIER,
Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito
Emmanuel. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1986. q. 277.
6 D.
José Amigó y Pellícer. Roma e o Evangelho.
Lérida/Espanha: 1874. cap. XIV. João Evangelista.
7 XAVIER,
Francisco Cândido. Nosso Lar. Pelo Espírito André
Luiz. 33. ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. cap. 44 - As
trevas.
8 KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022.
q. 230.