Especial

por Marcus De Mario

O Livro dos Espíritos:
o nascer do Espiritismo

 

O nascimento do Espiritismo ou Doutrina Espírita aconteceu no dia 18 de abril de 1857, quando foi lançada a obra O Livro dos Espíritos, assinada por Allan Kardec, pseudônimo de Hippolyte Leon Denizard Rivail, ocorrido na cidade de Paris, em plena Europa da metade do século XIX. Antes dessa obra muitas doutrinas religiosas, por serem espiritualistas, já proclamavam a existência da alma e sua imortalidade; assim como a crença na reencarnação é encontrada em várias filosofias e religiões do passado histórico da humanidade; entretanto, nenhuma filosofia, ciência ou religião havia até então dado explicações lógicas, racionais, com base em fatos, num corpo de doutrina, num conjunto de princípios, a essas crenças e ideias. O Espiritismo veio preencher essa lacuna.

Espalhando-se pelos países europeus, pelos Estados Unidos e outros países no mundo, e chegando ao Brasil ao longo da segunda metade do século XIX, aqui encontrou uma cultura espiritualista, mística e de sincretismo religioso, o que provocou alguns desentendimentos e equívocos sobre o que é o Espiritismo e como deve ser praticado pelos espíritas. Neste trabalho procuramos trazer o que é e o que não é Espiritismo, com o objetivo de esclarecer, principiando pela Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, publicada em O Livro dos Espíritos, escrita por Allan Kardec, onde o chamado codificador da Doutrina Espírita faz esclarecimentos muito importantes. Antes de passarmos a palavra a ele, chama-nos a atenção o nome da obra: O Livro dos Espíritos, e não o livro de Kardec, ou qualquer outro nome, e temos a explicação sobre esse nome na primeira página da obra, quando lemos:

O Livro dos Espíritos. Filosofia espiritualista. Allan Kardec. Contendo os princípios da doutrina espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da humanidade (segundo o ensinamento dos Espíritos superiores, através de diversos médiuns, recebidos e ordenados por Allan Kardec).

A obra, portanto, foi ditada, escrita pelos Espíritos Superiores, através de diversos médiuns, cabendo a Kardec o trabalho de organizar, estudar e dar a público esses ensinos, o que já nos leva a entender que o Espiritismo não é obra pessoal de Allan Kardec.

No primeiro parágrafo da Introdução lemos a seguinte explicação:

Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos. As palavras espiritual, espiritualista, espiritualismo têm uma significação bem definida; dar-lhes outra, para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos, seria multiplicar as causas já tão numerosas de anfibologia (duplo sentido).

Kardec chama o Espiritismo de Doutrina dos Espíritos, evidenciando a origem do mesmo, ou seja, os ensinos dos Espíritos. E continua:

Diremos, portanto, que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se o quiserem, os espiritistas.

Estava lançado para a humanidade o Espiritismo ou Doutrina Espírita, sendo seus adeptos os Espíritas ou Espiritistas. Kardec não apôs nenhum adjetivo ao nome da nova doutrina, utilizando apenas o nome criado especificamente para denominá-la: Espiritismo.

No item 6 da Introdução, primeiro parágrafo, lemos:

Os seres que se manifestam designam-se a si mesmos, como dissemos, pelo nome de Espíritos ou Gênios, e dizem, alguns pelo menos, que viveram como homens na Terra. Constituem o mundo espiritual, como nós constituímos, durante a nossa vida, o mundo corporal.

Ficamos sabendo que os Espíritos são os seres humanos que continuam vivos depois da morte do corpo físico, portanto, não são seres sobrenaturais, fantasmas ou algo do tipo, e que, portanto, somos também Espíritos, e que existe intercâmbio entre mortos e vivos, entre a dimensão espiritual e a dimensão material da vida.

No item 8, quando escreve sobre perseverança e seriedade no estudo da Doutrina Espírita, assevera:

“Acrescentemos que o estudo de uma doutrina como a espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova e grande, não pode ser feito proveitosamente senão por homens sérios, perseverantes, isentos de prevenções e animados de uma firme e sincera vontade de chegar a um resultado. (…) O que caracteriza um estudo sério é a continuidade. (...) Quem quer adquirir uma Ciência deve estudá-la de maneira metódica, começando pelo começo e seguindo o seu encadeamento de ideias. Aquele que propõe a um sábio, ao acaso, uma questão sobre Ciência de que ignora os rudimentos, obterá algum proveito? O próprio sábio poderá, com a maior boa vontade, dar-lhe uma resposta satisfatória? Essa resposta isolada será forçosamente incompleta e, por isso mesmo, quase sempre ininteligível, ou poderá parecer absurda e contraditória. Acontece o mesmo em nossas relações com os Espíritos. Se desejamos aprender com eles, temos de seguir-lhes o curso; mas, como entre nós, é necessário escolher os professores e trabalhar com assiduidade.

Aqui Kardec chama nossa atenção para a necessidade do estudo metódico, profundo, do Espiritismo, pois que o mesmo é uma Ciência, a Ciência do Espírito, além de ser igualmente uma Filosofia e uma Religião, esta por conta das consequências morais dos seus princípios. Muitos dos equívocos no entendimento e na prática do Espiritismo decorrem da ignorância dos seus princípios doutrinários, e este alerta é importantíssimo.

No item 17, fechando a Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, Kardec amplia essa visão com as seguintes palavras:

A Ciência Espírita contém duas partes: uma experimental, sobre as manifestações em geral; outra filosófica, sobre as manifestações inteligentes. Quem não tiver observado senão a primeira estará na posição daquele que só conhecesse a Física pelas experiências recreativas, sem haver penetrado na Ciência. A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento dado pelos Espíritos, e os conhecimentos que esse ensinamento encerra são muito sérios para serem adquiridos por outro modo que não por um estudo profundo e continuado, feito no silêncio e no recolhimento. Mesmo porque só nestas condições pode ser observado um número infinito de fatos e suas nuanças, que escapam ao observador superficial e que permitem firmar-se uma opinião.

Repitamos as palavras de Kardec: “A verdadeira Doutrina Espírita está no ensinamento dado pelos Espíritos”. Não há dúvida possível: o Espiritismo é obra dos Espíritos, não é obra de Allan Kardec. Se fosse obra dele poderia perfeitamente ter cunhado o nome Kardecismo, mas isso ele não fez, chamando a nova crença de Doutrina dos Espíritos, Doutrina Espírita ou simplesmente Espiritismo.

Não fazemos interpretação forçada, tanto que o próprio Allan Kardec, no terceiro parágrafo do item 17, que acabamos de destacar, esclarece sem deixar dúvida:

Se este livro não tivesse por fim mais do que mostrar o lado sério da questão, provocando estudos a respeito, isto já seria bastante e nos felicitaríamos por termos sido escolhidos para realizar uma obra sobre a qual não pretendemos ter nenhum mérito pessoal, pois os princípios aqui expostos não são de nossa criação: o mérito é, portanto, inteiramente dos Espíritos que o ditaram. Esperamos que ele tenha outro resultado, o de guiar os homens desejosos de se esclarecerem, mostrando-lhes nestes estudos um objetivo grande e sublime, o do progresso individual e social, e indicando-lhes o caminho a seguir para a sua consecução.

É o próprio Codificador do Espiritismo que afirma não ter nenhum mérito pessoal na elaboração de O Livro dos Espíritos, pois o mérito é dos Espíritos, que ditaram todo o seu conteúdo. Isso não tira o reconhecimento que temos a Allan Kardec pelo imenso trabalho de coletar, organizar, estudar e perceber as consequências dos ensinos dos Espíritos, trabalhando incansavelmente para elucidar, publicando as obras, fazendo palestras, escrevendo nas páginas da Revista Espírita, num labor gigantesco, mas tudo submetendo aos ensinos e revisão dos Espíritos Superiores.

Concluindo, não existe o Kardecismo, assim como não existe o Espiritismo Kardecista, ou com qualquer outro adjetivo, existindo apenas e tão somente o Espiritismo, conforme o encontramos em O Livro dos Espíritos.

 

Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube; é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e apresenta programas espíritas na internet; possui mais de 35 livros publicados.

    

     
     

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