Parnaso de Além-Túmulo: páginas imortais
Ainda me recordo quando vi pela primeira vez a capa do
livro "Parnaso de Além-Túmulo", obra psicografada pelo
médium Francisco Cândido Xavier, na altura em edição
especial (1972), comemorativa do “40.º aniversário do
lançamento, ilustrada, anotada e estatisticamente
estudada”.
Não sabia que palavra era essa: parnaso. Só mais tarde
consultei o dicionário e percebi que era uma espécie de
área de eleição, um monte da velha Grécia dedicado a
Apolo e às musas, onde estas interagem com poetas.
Tinha-me deslocado a Lisboa nas férias para visitar
familiares e aproveitei para dar um salto até à Rua do
Salitre.
Estamos no início da década de 1980 e não há computador
pessoal, muito menos se tem uma ideia de que venha a
surgir a internet. Escrever texto, era mesmo por
datilografia, a tal da máquina de escrever.
Havia então duas revistas mensais em Portugal com
ligação ao movimento espírita: as revistas
"Fraternidade" e "Estudos Psíquicos", ambas com sede em
Lisboa, que circulavam entre assinantes impressas em
papel, inclusive durante a ditadura fascista que
terminou em 25 de abril de 1974.
Ao subir as escadas assim que a porta abriu vejo Raquel
Duarte Santos, nesse tempo diretora da revista "Estudos
Psíquicos" após a desencarnação de Isidoro Duarte
Santos, seu marido, em finais de 1974, e também
presidente da direção da nova Federação Espírita
Portuguesa. Nova porque a anterior tinha sido aniquilada
pelo Governo fascista há cerca de duas décadas.
No seu apartamento, além de redação da revista, havia
uma pequena sala com uma livraria espírita ali
instalada.
Não tinha eu dinheiro para comprar os livros todos que
queria, mas escolhi o "Parnaso de Além-Túmulo", a
"Antologia dos Imortais" e pouco mais.
Teria na altura talvez 18 anos e ali estava aquele livro
grande, novinho em folha. Recordo que naquela edição
grande e vistosa do "Parnaso", a 9.ª, ao folheá-lo, vi
que tinha dedicatória de Francisco Cândido Xavier, mas
isso não era importante, o que me interessava era o
conteúdo.
Em casa li diversos poemas por puro prazer e, estando
ligado a um grupo de jovens, nos arredores da cidade do
Porto, sem saber música, musicámos alguns.* Era mais uma
forma de divulgação daquelas pérolas do pensamento
espiritualizado.
Vem tudo isto a propósito de uma tese disponível na
internet que tive o prazer de ler há pouco tempo. O tema
é o próprio livro psicografado a que nos reportamos e o
trabalho de meticulosa pesquisa é da autoria de
Alexandre Caroli Rocha - "A poesia transcendente de Parnaso
de além-túmulo", a dissertação apresentada ao curso
de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem
da Universidade Estadual de Campinas, do Brasil.
O autor explica: "A intenção do trabalho é levantar
algumas questões, do interesse da teoria literária,
suscitadas por esse tipo de literatura, como a autoria,
o pastiche, o estilo, os limites do literário".
No seu trabalho de cerca de 230 páginas, Alexandre
Caroli Rocha faz um estudo rigoroso sobre cinco
conjuntos de poemas, nomeadamente na análise de várias
secções: João de Deus, Antero de Quental, Guerra
Junqueiro, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos. Compara os
estilos e métricas, de forma muito técnica, e analisa
com toda a seriedade a identidade literária dos
trabalhos dos poetas durante a sua vida material e,
depois, na psicografia (escrita mediúnica).
Aborda também outros itens, como a questão das várias
edições da obra. A 1.ª edição surgiu em 1932 através da
Federação Espírita Brasileira (FEB). O médium teria
apenas 21 ou 22 anos de idade e vivia em Pedro Leopoldo,
cidade do interior do estado de Minas Gerais que tornou
mais conhecida. Foram publicados 60 poemas mediúnicos de
14 poetas desencarnados. Só veio o livro a ficar com um
conteúdo definitivo na 6.ª edição, em 1955.
Os conteúdos de Parnaso configuram um livro "composto
por 259 poemas atribuídos a 56 poetas brasileiros e
portugueses".
O investigador considera que Guerra Junqueiro e Augusto
dos Anjos têm muita proximidade entre o que escreviam na
vida material e na psicografia: "Os poemas atribuídos a
Guerra Junqueiro e a Augusto dos Anjos são mais próximos
da obra desses autores do que os atribuídos a Antero de
Quental, que em alguns aspetos formais apresentam
dessemelhanças com o original".
O facto de os outros não estarem com as métricas dos
versos tão idênticas em ambas as situações não quer
dizer que não tenham sido eles próprios os autores, a
partir do Plano Espiritual. Em todo o processo de
comunicação entre planos de vida há situações de
filtragem mediúnica que influem no resultado. Além
disso, os próprios poetas desencarnados podem estar em
clima mais demorado de adaptação à vida espiritual e
podem modificar detalhes da sua forma de se exprimir.
São muitas as variáveis.
A melhor forma de analisar a questão será os leitores
mais interessados lerem eles próprios este brilhante
trabalho de natureza científica, com conteúdos
interessantes a todos os níveis, ao mesmo tempo que traz
à lembrança esta obra colossal, para mim uma das maiores
evidências da imortalidade da alma, lei da natureza e um
dos pontos estruturais mais estudados na doutrina
espírita.
Pela graça inerente a esta passagem, permita-nos o
leitor deixar a transcrição destas linhas lidas na tese:
"O médium conta que, em 1931, quando estava regando os
canteiros de alho do dono do armazém onde trabalhava,
depois das seis horas da tarde, apareceu-lhe o espírito
do poeta Augusto dos Anjos, requisitando sua atenção:
ele deveria ouvir o poema “Vozes de uma sombra” (1.ª
edição de Parnaso) para se familiarizar com o
vocabulário e poder psicografá-lo, depois, com mais
facilidade. O médium, portanto, seria uma espécie de
tradutor. Cito Chico Xavier: "Ele começou a falar, com
aquelas palavras maravilhosas, muito técnicas. Eu, com o
regador na mão, custava a compreender. E ele falava e
falava que gostava de escrever no campo, e que aquela
era uma hora em que ele queria ditar, para que eu
ouvisse e pudesse compreender a hora de escrever, porque
muitas vezes escrevo também como médium ouvinte. Eu
sentia aquela dificuldade e ele falou assim comigo:
‘Olhe, você quer saber de uma coisa? Vou escrever o que
puder, pois a sua cabeça não aguenta mesmo!’ E a poesia
está no livro só com o que ele pôde, mas era muito,
muito mais, era uma beleza! Ele falava de fótons, cores,
de mundos, galáxias. Quem era eu para entender aquilo,
eu que estava regando canteiros de alho?".
Ah! E, claro, se ainda não leu o livro sobre que versam
estas linhas, esta é uma boa altura para o conhecer. Em
Portugal encontra-o a preço de divulgação, ou seja, a
preço mínimo, na loja online da Federação Espírita
Portuguesa, e no Brasil numa das diversas livrarias
espíritas de que o país dispõe.
* A Juventude Espírita Meimei, o
grupo referido, cantava vários poemas mediúnicos de
“Parnaso de Além-túmulo” e de outras fontes, como foi o
caso de “Antologia dos Imortais”, também edição FEB,
aqui com um poema de Bruno Seabra (Espírito) para quem
tiver curiosidade - clique
aqui
Jorge Gomes, ex-vice-presidente da
Federação Espírita Portuguesa, escritor e membro da ADEP
- Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal,
reside na cidade do Porto, Portugal.