Brasil
por Jorge Gomes

Ano 18 - N° 904 - 5 de Janeiro de 2025

 

Parnaso de Além-Túmulo: páginas imortais


Ainda me recordo quando vi pela primeira vez a capa do livro "Parnaso de Além-Túmulo", obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier, na altura em edição especial (1972), comemorativa do “40.º aniversário do lançamento, ilustrada, anotada e estatisticamente estudada”.

Não sabia que palavra era essa: parnaso. Só mais tarde consultei o dicionário e percebi que era uma espécie de área de eleição, um monte da velha Grécia dedicado a Apolo e às musas, onde estas interagem com poetas.

Tinha-me deslocado a Lisboa nas férias para visitar familiares e aproveitei para dar um salto até à Rua do Salitre.

Estamos no início da década de 1980 e não há computador pessoal, muito menos se tem uma ideia de que venha a surgir a internet. Escrever texto, era mesmo por datilografia, a tal da máquina de escrever.

Havia então duas revistas mensais em Portugal com ligação ao movimento espírita: as revistas "Fraternidade" e "Estudos Psíquicos", ambas com sede em Lisboa, que circulavam entre assinantes impressas em papel, inclusive durante a ditadura fascista que terminou em 25 de abril de 1974.

Ao subir as escadas assim que a porta abriu vejo Raquel Duarte Santos, nesse tempo diretora da revista "Estudos Psíquicos" após a desencarnação de Isidoro Duarte Santos, seu marido, em finais de 1974, e também presidente da direção da nova Federação Espírita Portuguesa. Nova porque a anterior tinha sido aniquilada pelo Governo fascista há cerca de duas décadas.

No seu apartamento, além de redação da revista, havia uma pequena sala com uma livraria espírita ali instalada.

Não tinha eu dinheiro para comprar os livros todos que queria, mas escolhi o "Parnaso de Além-Túmulo", a "Antologia dos Imortais" e pouco mais.

Teria na altura talvez 18 anos e ali estava aquele livro grande, novinho em folha. Recordo que naquela edição grande e vistosa do "Parnaso", a 9.ª, ao folheá-lo, vi que tinha dedicatória de Francisco Cândido Xavier, mas isso não era importante, o que me interessava era o conteúdo.

Em casa li diversos poemas por puro prazer e, estando ligado a um grupo de jovens, nos arredores da cidade do Porto, sem saber música, musicámos alguns.* Era mais uma forma de divulgação daquelas pérolas do pensamento espiritualizado.

Vem tudo isto a propósito de uma tese disponível na internet que tive o prazer de ler há pouco tempo. O tema é o próprio livro psicografado a que nos reportamos e o trabalho de meticulosa pesquisa é da autoria de Alexandre Caroli Rocha - "A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo", a dissertação apresentada ao curso de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, do Brasil.

O autor explica: "A intenção do trabalho é levantar algumas questões, do interesse da teoria literária, suscitadas por esse tipo de literatura, como a autoria, o pastiche, o estilo, os limites do literário".

No seu trabalho de cerca de 230 páginas, Alexandre Caroli Rocha faz um estudo rigoroso sobre cinco conjuntos de poemas, nomeadamente na análise de várias secções: João de Deus, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos. Compara os estilos e métricas, de forma muito técnica, e analisa com toda a seriedade a identidade literária dos trabalhos dos poetas durante a sua vida material e, depois, na psicografia (escrita mediúnica).

Aborda também outros itens, como a questão das várias edições da obra. A 1.ª edição surgiu em 1932 através da Federação Espírita Brasileira (FEB). O médium teria apenas 21 ou 22 anos de idade e vivia em Pedro Leopoldo, cidade do interior do estado de Minas Gerais que tornou mais conhecida. Foram publicados 60 poemas mediúnicos de 14 poetas desencarnados. Só veio o livro a ficar com um conteúdo definitivo na 6.ª edição, em 1955.

Os conteúdos de Parnaso configuram um livro "composto por 259 poemas atribuídos a 56 poetas brasileiros e portugueses".

O investigador considera que Guerra Junqueiro e Augusto dos Anjos têm muita proximidade entre o que escreviam na vida material e na psicografia: "Os poemas atribuídos a Guerra Junqueiro e a Augusto dos Anjos são mais próximos da obra desses autores do que os atribuídos a Antero de Quental, que em alguns aspetos formais apresentam dessemelhanças com o original".

O facto de os outros não estarem com as métricas dos versos tão idênticas em ambas as situações não quer dizer que não tenham sido eles próprios os autores, a partir do Plano Espiritual. Em todo o processo de comunicação entre planos de vida há situações de filtragem mediúnica que influem no resultado. Além disso, os próprios poetas desencarnados podem estar em clima mais demorado de adaptação à vida espiritual e podem modificar detalhes da sua forma de se exprimir. São muitas as variáveis.

A melhor forma de analisar a questão será os leitores mais interessados lerem eles próprios este brilhante trabalho de natureza científica, com conteúdos interessantes a todos os níveis, ao mesmo tempo que traz à lembrança esta obra colossal, para mim uma das maiores evidências da imortalidade da alma, lei da natureza e um dos pontos estruturais mais estudados na doutrina espírita.

Pela graça inerente a esta passagem, permita-nos o leitor deixar a transcrição destas linhas lidas na tese: "O médium conta que, em 1931, quando estava regando os canteiros de alho do dono do armazém onde trabalhava, depois das seis horas da tarde, apareceu-lhe o espírito do poeta Augusto dos Anjos, requisitando sua atenção: ele deveria ouvir o poema “Vozes de uma sombra” (1.ª edição de Parnaso) para se familiarizar com o vocabulário e poder psicografá-lo, depois, com mais facilidade. O médium, portanto, seria uma espécie de tradutor. Cito Chico Xavier: "Ele começou a falar, com aquelas palavras maravilhosas, muito técnicas. Eu, com o regador na mão, custava a compreender. E ele falava e falava que gostava de escrever no campo, e que aquela era uma hora em que ele queria ditar, para que eu ouvisse e pudesse compreender a hora de escrever, porque muitas vezes escrevo também como médium ouvinte. Eu sentia aquela dificuldade e ele falou assim comigo: ‘Olhe, você quer saber de uma coisa? Vou escrever o que puder, pois a sua cabeça não aguenta mesmo!’ E a poesia está no livro só com o que ele pôde, mas era muito, muito mais, era uma beleza! Ele falava de fótons, cores, de mundos, galáxias. Quem era eu para entender aquilo, eu que estava regando canteiros de alho?".

Ah! E, claro, se ainda não leu o livro sobre que versam estas linhas, esta é uma boa altura para o conhecer. Em Portugal encontra-o a preço de divulgação, ou seja, a preço mínimo, na loja online da Federação Espírita Portuguesa, e no Brasil numa das diversas livrarias espíritas de que o país dispõe.


* A Juventude Espírita Meimei, o grupo referido, cantava vários poemas mediúnicos de “Parnaso de Além-túmulo” e de outras fontes, como foi o caso de “Antologia dos Imortais”, também edição FEB, aqui com um poema de Bruno Seabra (Espírito) para quem tiver curiosidade - 
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Jorge Gomes, ex-vice-presidente da Federação Espírita Portuguesa, escritor e membro da ADEP - Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal, reside na cidade do Porto, Portugal.

 
  


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