Um enfoque espiritual sobre o autismo
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No Dia do Psiquiatra, 28 de agosto, João
Lourenço Navajas, espírita, compartilhou
|
em suas redes sociais um pouco sobre sua jornada
e o porquê de ter escolhido o caminho da
psiquiatria, dizendo ter chegado a ela por
perceber que o cuidado com a saúde mental e
emocional das pessoas lhe despertava interesse
especial. “Através dela, tenho a oportunidade de
ajudar as pessoas a encontrar equilíbrio, paz e
sentido em suas vidas, o que ressoa
profundamente com minha crença espírita”,
escreve. |
Foi com evidência nessa conexão corpo-mente que dr. João
Lourenço concedeu essa entrevista ao Correio Fraterno
para falar sobre autismo. Acompanhe para ficar sabendo
mais sobre esse tema que tem sido bastante relevante na
atualidade.
O que é autismo?
O autismo, também conhecido como Transtorno do Espectro
Autista (TEA), é um transtorno do desenvolvimento
neuropsiquiátrico caracterizado por dificuldades em
interações sociais, comunicação e comportamento. Ele se
manifesta de maneira única em cada indivíduo, variando
em grau e forma de expressão. O autismo, apesar de não
ser considerado uma doença, pode levar a uma condição
que afeta a forma como a pessoa se relaciona, se
comunica e processa informações. Pode haver comorbidades
primárias ou secundárias ao transtorno. Também não
devemos confundir sintomas autistas que podem aparecer
em outras doenças mentais com o próprio autismo, que é
uma entidade nosológica por si só.
Quais as causas do autismo e como diagnosticá-lo? O
autismo continua sendo um enigma para os profissionais
de saúde?
As causas do autismo ainda não são completamente
compreendidas, mas acredita-se que envolvam uma
combinação de fatores genéticos e epigenéticos¹, por
exposição ambientais e neurológicos. O diagnóstico é
feito por meio de avaliações clínicas e observações do
comportamento, geralmente por um médico psiquiatra
especializado em infância e juventude que pode ser
auxiliado por equipe interdisciplinar, onde outros
profissionais de saúde podem contribuir para o
diagnóstico. Embora atualmente o autismo seja um desafio
para os profissionais de saúde, não é mais considerado
uma condição desconhecida. A compreensão e a abordagem
do autismo evoluíram significativamente nos últimos
anos, com avanços em diagnóstico e terapia, porém ainda
não vislumbramos uma cura.
A que o senhor atribui os diferentes graus de autismo?
Os diferentes graus de autismo são atribuídos a uma
combinação de fatores genéticos e epigenéticos, como a
exposição a substâncias químicas durante a gravidez, a
idade dos pais e outros fatores ambientais. Além disso,
a expressão do autismo pode variar devido a diferenças
individuais na estrutura e função do cérebro próprios de
cada etnia e cultura que encontramos na diversidade da
raça humana.
Como conciliar o atual desenvolvimento dos estudos e
pesquisas científicas sobre o autismo com a questão da
existência do espírito imortal?
A ciência e a espiritualidade podem coexistir e se
complementar. Enquanto a ciência busca entender a
natureza física e neurológica do autismo, a
espiritualidade pode oferecer uma perspectiva mais ampla
sobre a condição humana e a natureza da consciência.
Acredito que a compreensão do autismo pode ser
enriquecida pela consideração de aspectos espirituais,
como a possibilidade de que a alma ou espírito imortal
possa influenciar a expressão do autismo e vice-versa.
Certas doenças só são apresentadas no processo
reencarnatório se o espírito já tiver condições de
aproveitar essa experiência para o seu desenvolvimento
ético e moral. Algumas experiências de vida não são para
quem quer, mas sim para quem já pode passar por elas.
Qual sua opinião sobre as afirmativas que mencionam que
o autismo poderia sinalizar uma rejeição à reencarnação?
Essa é uma perspectiva interessante e controversa.
Embora não haja evidências científicas diretas para
apoiar essa afirmação, acredito que a espiritualidade
pode oferecer uma visão mais profunda sobre a natureza
do autismo. No entanto, é importante separar a
especulação espiritual da compreensão científica para
evitar confusão ou estigmatização. O foco principal de
todo processo reencarnatório, seja com doenças, sem elas
ou apesar delas, é a realização da humanidade pelo ser
hominal, como disse Jesus. Para uns é suficiente uma dor
de barriga; para outros o processo precisa ser mais
profundo e demorado. Esta é a justiça divina: sempre
receberemos condições para nos ajustar às leis eternas
de amor.
A consideração de aspectos espirituais pode ajudar a
promover uma abordagem mais sistêmica e compreensiva do
autismo.
Muitos educadores afirmam estar enfrentando o desafio de
lidar com muitas crianças com autismo em salas de aula.
O número de autistas realmente aumentou ou os padrões de
‘normalidade’ é que mudaram?
Ambas as coisas. O aumento na conscientização e no
diagnóstico do autismo levou a um aumento no número de
casos identificados. Além disso, a mudança nos padrões
de ‘normalidade’ e a expansão do espectro de diagnóstico
também contribuíram para o aumento percebido. Por outro
lado, estamos vendo uma espécie de ‘corrida ao
diagnóstico’, porque acabou se divulgando que pessoas
com esse perfil teriam direitos que infelizmente alguns
interpretam como privilégios. Temos colegas psiquiatras
sendo pressionados por pais, e mesmo por advogados e
juízes, para a obtenção de atestados que não refletem a
realidade, apenas para fins previdenciários.
O senhor acredita que o crescente uso de telas pode
estar impactando a saúde mental das crianças e
adolescentes, em função do isolamento e desordens na
comunicação?
Sim, o uso excessivo de telas pode contribuir para o
isolamento e a desordem na comunicação, especialmente em
crianças e adolescentes. Isso pode ter efeitos negativos
na saúde mental e no desenvolvimento social. A Sociedade
Brasileira de Pediatria já soltou uma tabela sobre
quanto tempo uma criança pode estar exposta a telas
conforme sua idade:
· Até
2 anos
Evitar a exposição a telas, exceto para chamadas de
vídeo. O foco deve ser em interações sociais diretas,
exploração física e atividades sensoriais.
· 2
a 5 anos
Limitar o tempo de tela a não mais que 1 hora por dia,
sempre com supervisão de adultos. O conteúdo deve ser de
alta qualidade, educativo e interativo.
· 6
a 10 anos
Limitar o tempo de tela ao máximo de 1 ou 2 horas por
dia, sempre com supervisão de responsáveis.
· 11
a 18 anos
Limitar o tempo de telas e jogos de videogames a 2 ou 3
horas por dia, e nunca deixar ‘virar a noite’ jogando.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também recomenda:
· Não
usar telas durante as refeições.
· Desconectar
uma a duas horas antes de dormir.
· Oferecer
atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou em
contato direto com a natureza.
· Criar
regras saudáveis para o uso de equipamentos e
aplicativos digitais.
Qual seria o impacto da inclusão da espiritualidade na
educação da infância e da adolescência? Como fazer isso?
A inclusão da espiritualidade na educação pode promover
uma abordagem mais ampla e compreensiva do
desenvolvimento infantil. Isso pode ser feito por meio
de práticas como a meditação, a reflexão e a discussão
de valores e propósitos. A espiritualidade pode ajudar
as crianças a desenvolverem uma maior consciência de si
mesmas e do mundo ao seu redor. Não se trata de
doutrinar para esta ou aquela crença, muito menos
ideologias políticas, e sim abrir as fronteiras para a
sabedoria do viver e deixar viver, através da
compreensão e respeito das diferentes maneiras de viver.
Enfim, a aceitação de que hoje podemos estar encarnados
numa experiência cultural totalmente diversa da próxima
encarnação, promovendo e adquirindo a capacidade de se
ajustar às leis eternas do amor.
Hoje, muitos adultos são surpreendidos com o diagnóstico
de autismo. Como isso pode ter prejudicado suas relações
e aprendizagens?
O diagnóstico tardio do autismo em adultos pode ter um
impacto significativo em suas relações e aprendizagens.
Pode levar a uma reavaliação de suas experiências e
interações passadas, e pode ajudar a explicar desafios e
diferenças que eles enfrentaram. No entanto, também pode
trazer um senso de alívio e compreensão. Mais uma vez
alerto que sintomas autistas podem revelar outras
patologias e não necessariamente a entidade nosológica
autismo. Também entre adultos estamos vendo essa
‘corrida ao diagnóstico’.
O que o autista está querendo nos dizer com atitudes que
não se ajustam aos nossos padrões? Que mundo é esse?
Como podemos melhor conviver?
As pessoas com autismo podem ter uma perspectiva única
sobre o mundo e podem expressar-se de maneiras que não
se encaixam nos padrões sociais tradicionais. Isso não
significa que elas estejam ‘erradas’, e também não
significa que estejam ‘certas’, mas sim que elas podem
ter uma forma diferente de processar e expressar
informações. Para conviverem, é importante ter empatia,
compreensão e aceitação, o que significa alteridade,
aceitar, conviver e até aprender com as diferenças. Em
contraponto ao autoritarismo, que pode acabar sendo
bilateral: ninguém tem que ‘engolir’ ninguém só porque
tem um diagnóstico. Respeito é o que todos nós
precisamos, doentes ou não.
Qual a contribuição que o Espiritismo pode oferecer nos
quadros de autismo?
A doutrina dos espíritos sempre lançou luz sobre os
transtornos mentais, desde sua codificação por Allan
Kardec, no século 18, na França. Nessa mesma época, no
Brasil, dr. Bezerra de Menezes escreveu em vida uma obra
intitulada A loucura sob novo prisma, a qual foi
publicada só após a sua desencarnação. Nela, ele aborda
como diferenciar a origem de uma doença mental: se é
orgânica e/ou cerebral ou se é de origem psicológica e,
principalmente, por processos obsessivos. O Espiritismo
é o responsável pelo surgimento de inúmeros centros de
tratamento, com ou sem internação, cuja organização, no
processo de diagnóstico, tratamento e recuperação,
favoreceu um atendimento muito mais humanizado, por
contemplar a visão sistêmica do ser humano, como um ser
biológico, psicológico, social e espiritual, além de
oferecer a tecnologia espírita como coadjuvante ao
tratamento, que nada mais é que a fluidoterapia
associada ao processo de desobsessão. Aliados a tudo
isso, existe a possibilidade da evangelização do doente
e de seus parentes e amigos, que nada mais é do que
apresentar-lhes os instrumentos, as instruções e os
instrutores dos quais Jesus foi o maior exemplo, na
busca e no alcance da realização da humanidade, sempre
através do Espírito de Serviço (caridade) que se
alimenta do Senso de Eternidade.
¹
Epigenética é uma área da ciência que analisa como o
ambiente e o estilo de vida podem alterar o
funcionamento de nossos genes. (NE)
Esta matéria foi publicada originalmente
no jornal Correio Fraterno, de São Bernardo do Campo-SP,
em 9 de dezembro de 2024.