Boris e a Lei de Ação e Reação
Com base nas duas partes da narrativa Lei de Ação e
Reação, constante do livro A eterna mensagem do
monte (O Clarim), ditado por Leon Tolstói à médium
Célia Xavier de Camargo, apresentamos a nossa síntese –
Boris Tchernigov vivia na Rússia, conforme descrição do
autor espiritual, em uma próspera propriedade agrícola,
com plantações de grãos que lhe proporcionavam a fortuna
adquirida. Aconteceu numa manhã uma visita não habitual,
quando o rico senhor meditava ao visualizar as montanhas
cobertas por neve que circundavam seu território e o céu
com sol fulgurante naquelas horas matutinas. Adentrara o
ambiente particular um humilde empregado denominado
Pietr, o camponês (mujique); o patrão
advertiu-lhe por estar ali, porém, o trabalhador
solicitava adiantamento de valor financeiro para levar o
filho doente e febril até um povoado próximo, para ser
medicado.
O rico senhor, irritado com a presença do servidor em
sua intimidade, mesmo com os rogos insistentes do pobre
homem pelo empréstimo, o opulento patrão despachou-o
agressivamente e de forma autoritária para as
plantações. A irritação tomou conta do servo e ele
intencionou revidar e atacar aquele ser altivo e
arrogante. Pietr conseguiu asserenar o ímpeto brutal e
se retirou arrasado para sua casa, onde reencontrou a
esposa aflita com a febre do filho Nikita, um
menino de sete anos; nisso aconteceu um temporal e o
impossibilitou de pedir ajuda a outro conhecido. A
esposa providenciou um chá de ervas medicinais colhidas
nas redondezas para o filho. O menino se restabeleceu
um pouco, conversou com o pai desapontado com o egoísmo
de Boris, acalmou-o e relembrou-lhe ensinamentos
cristãos, como o perdão, ouvidos de um sacerdote que se
hospedara naquele lar em outra ocasião.
O pai orou fervorosamente, pediu a uma imagem de Nossa
Senhora de Kazan, que estava no quarto. O menino,
inspirado, contou ao genitor a bonita senhora que ele
havia visto, identificada como a santa – todavia, era a
despedida de Nikita, que expirou em seguida, para
desespero dos pais. Os genitores ficaram desalentados
com a partida do pequeno filho, e um sentimento de
revolta se apossou do íntimo de Pietr. Recebeu os
companheiros da aldeia a lhe consolar junto à esposa
desconsolada. Até a senhora de Boris compareceu à
humilde casa para levar as condolências ao casal. O
patrão se isentou de solidarizar-se com a família. O
camponês prostrou-se em casa. Porém, após quatro dias
retornou à lavoura com uma decisão: ele se vingaria da
omissão do senhor. Sabia do filho pequeno do rico homem
e resolveu assassinar a criança deles.
Pietr aproximou-se do lar dos Tchernigov, passou
a observar o pequeno Igor e com ele fez amizade; noutra
oportunidade, com o menino sozinho, convidou-o para
caminhar até o rio e para observar os peixes, com um
plano adrede em ação – o servo intencionava empurrar a
criança na correnteza. No local, o camponês
imediatamente viu uma nuvem a emergir da água: era a
materialização de Nikita que lhe pedia para não cometer
aquela falta gravíssima, o pai acatou e mudou de
atitude, segurando Igor, muito arrependido da disposição
nefasta que se apoderara de sua consciência; levou o
menino de volta para a família, a qual estava aflita à
procura do filho sumido; o garoto contou-lhes o passeio
e que havia sido socorrido pelo mujique quando
quase caiu da beira no rio ao observar os peixinhos.
Com os agradecimentos calorosos dos patrões ao camponês
devido ao socorro empreendido e ao retorno do filho são
e salvo, Pietr mudou de comportamento dali para
frente. Desfez-se da contrariedade e foi reconhecido por
Boris Tchernigov. Diluiu-se o revide cultivado em
pensamento, assim abandonando a intenção de vingar a
morte do rebento, e confiou na justiça divina. No século
XX, ano 1968, um russo vivia no Brasil, cuja família
mudara-se depois da Revolução Bolchevista (1917)
para a pátria brasileira. Era um pobre operário, morador
de humilde barraco em uma favela da cidade do Rio de
Janeiro (RJ) – era Boris Tchernigov reencarnado,
como Boris (na versão russa está sem acento, na
vida brasileira o nome constou com acento). O
imigrante russo, na cidade carioca, vivia em situação de
pobreza e expiação. Era uma época de repressão no país.
Boris havia fugido do comunismo soviético e teve de
firmar sua conduta para não se comprometer no nosso
país.
O patrão do local onde se empregara tinha boa relação
com os militares e facilitava ao russo viver, de forma
desinteressada pela política, com família simples, em
condição miserável. A ele e à família faltava comida, e
passavam fome... Boris não aceitava aquela vida e, às
vezes, se revoltava com a rotina. Um dia, ao retornar do
trabalho, encontrou o filho com febre. Tomou a decisão
de sair do morro e procurar ajuda com o patrão em um
rico bairro da zona sul carioca. Caminhou pelo extenso
trajeto até chegar à luxuosa casa onde havia uma
comemoração naquela noite, com barulho e o movimento dos
convidados. Na portaria da mansão, conseguiu convencer o
porteiro para que chamasse o opulento patrão. O
empresário atendeu-o muito mal, recriminou-o de
procurá-lo fora do expediente, advertiu o porteiro por
importuná-lo e não se interessou pela cena presenciada –
o operário com o filho doente nos braços. Insensível,
mandou-lhes embora do faustoso solar.
Boris, arrasado, olhos lacrimosos, no íntimo possuía a
ânsia pelo revide e a vontade de agredir aquele homem
incompassivo. Resignou-se e caminhou com o filhinho nos
braços pela Avenida Beira-mar. Mesmo exaurido e
humilhado, reuniu forças morais e físicas para uma longa
caminhada. Resolveu orar. Pediu a Deus em súplica
sincera a assistência ao rebento doente; em seus braços,
andava em direção ao subúrbio da capital fluminense; com
surpresa visualizou uma casa com luz muito intensa para
aquela hora da noite, e resolveu pedir ajuda. Era uma
instituição espírita, e ele sabia da relação entre os
espíritas e a caridade. Foi a primeira vez que entrou em
uma casa espírita. Vislumbrou a sala de palestras e as
cadeiras organizadas, a mesa ao fundo e livros nas
estantes; no quadro, a frase: “Fora da caridade não há
salvação”.
O filho de imigrantes, animado e esperançoso,
encontrou-se com simpático e cordial homem, de nome
Pedro, que se manifestou para ajudá-lo ao perceber a
febre do menino. Havia um médico entre os tarefeiros do
centro espírita. Logo, foi providenciada medicação, o
doutor trazia um antitérmico na maleta que portava
consigo. Com a possibilidade de pneumonia, de carro se
dirigiram a um hospital; os novos amigos espíritas
assumiram os custos necessários para a internação da
criança, Boris sensibilizou-se e percebeu a intercessão
divina a seus pedidos de pai aflito. O russo agradeceu
aos senhores prestimosos o acolhimento – ali se firmava
uma amizade entre Pedro e Boris. Sabemos à luz do
Espiritismo de que “o acaso não existe”. Estavam
reunidos novamente os dois do passado na Rússia, agora
de forma diversa: Pedro pressentiu que conhecia Boris, e
ambos conversaram sobre aquela premonição; a sensação em
ambos era a mesma, o famoso termo francês “déja-vu”,
pois acabavam de se conhecer em oportunidade de auxílio,
e momento tão difícil para um pai.
Com base na essência doutrinária, descreve-nos Leon
Tolstói esse reencontro, sabedor de que muitos devedores
entre si estão por aí, pelo globo terrestre, nessas
reconciliações fraternas: Boris Tchernigov, o cruel e
despótico proprietário de terras no passado,
reencontrava, em outra situação e em outro local, em
pleno século XX, o mujique Pietr, a quem prejudicara. Já
fazia muito tempo que este lhe perdoara de coração,
denotando o progresso conquistado. Enquanto isso, o
russo Boris Tchernigov defrontava-se com a cobrança dos
seus atos passados, tendo a oportunidade de redimir-se
perante a Justiça Divina e de sofrer da mesma maneira
que fizera sofrer, através da Lei de Ação e Reação
(Terceira Lei de Newton aplicada espiritualmente).
Então, Boris se tornou espírita, mudou de comportamento
para melhor, e a família dele também se juntou aos
trabalhos do centro espírita; ele passou a tratar a
todos com cordialidade; revelou-se um novo homem;
conquistou uma promoção no trabalho, adquiriu mais
conforto para criar seus filhos e, sobretudo, entendeu
muitos motivos de suas reparações no presente,
interpretadas de forma errônea antes, sem conhecimento
de causa. Boris nunca mais se esqueceu de agradecer a
Deus a oportunidade de conhecer um manancial de luz – A
Doutrina dos Espíritos, e essa fonte transformara sua
vida e a de sua família, também compreendeu a mensagem
de Jesus Cristo; além disso, com o conhecimento
conquistado o novo adepto espírita apreendeu o sentido
do amor ao semelhante.