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por Rogério Miguez

 

A expiação desconhecida


É bem conhecida dos espíritas a existência de expiações, e alguns as associam, de imediato, à palavra carma, do sânscrito, antiga língua sagrada indiana, significando ação ou ato deliberado.

A Terra, ainda em estágio de mundo de provas e expiações justifica, plenamente, a existência generalizada dos sofrimentos, dores, dificuldades, cruzes, pontuando o nosso cotidiano.

Revendo a definição de expiação, temos:

Expiação – pena que sofrem os Espíritos como punição das faltas cometidas durante a vida corporal. A expiação, sofrimento moral, ocorre no estado de erraticidade como o sofrimento físico ocorre no estado corporal. As vicissitudes e os tormentos da vida corporal são, ao mesmo tempo, provas para o futuro e expiação do passado.1

Portanto, expiar está associado a uma falta, deslize, ou algum erro, praticado em existências passadas, ou nesta mesma, pois a nossa vida atual possui também o seu passado, dito recente. Além disso, o conjunto de tormentos da vida corporal, servem para não só expiar o passado, mas também surgem, naturalmente das provas que devemos enfrentar, de forma regular, pois sem elas, jamais se atingiria a perfeição relativa.

Interessante destacar que no plano espiritual, em princípio, não há expiação física, pois o Espírito está livre da matéria, contudo o processo de desencarnação é lento, ou seja, a influência provocada pelo perispírito, ainda muito material, causa no Espírito um verdadeiro tormento, quanto mais intenso, quanto mais tenha sido a vida sensual e egoísta do Espírito, durante a sua última reencarnação.

Quando se lê em obras subsidiárias que o Espírito tem sede, fome, frio, cansaço..., deve-se entender estes sofrimentos e dores como abstratos, pois o ser imortal, do lado de lá, prescinde do alimento e do agasalho, mas ainda sente estas necessitadas, pois o seu processo de desencarnação, que significa a perda dos desejos e necessidades materiais que possuía na Terra, ainda não se completou, é preciso tempo e paciência, de modo que o perispírito se desmaterialize.

O primeiro significado destacado, na definição anterior, está bem enraizado nos adeptos da Doutrina espírita, fala-se em doença, pobreza, fome..., e, imediatamente, pensamos em expiações, esquecendo-nos, contudo, das provas, com a capacidade de também comunicar estas situações, são as expiações desconhecidas, da maioria.

É por isso que na terceira obra fundamental do Espiritismo, há um conceito fundamental para estabelecer a diferença entre estes dois mecanismos de evolução - a prova e a expiação. Oportuno lembrar que as missões completam a lista de possibilidades para promover o nosso progresso:

Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação.2

Essa nuance sobre o conceito de expiação, pode ser também notada por meio da leitura mais atenta da obra mais básica do Espiritismo. Nesta, percebe-se, claramente, um tipo de expiação que não está vinculada apenas a deslizes passados, entretanto, todos nós a experimentamos em grande extensão, e a todo momento:

Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?

“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição.

Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea: nisto é que consiste a expiação. [...]3

Observemos não ter sido enfatizado ser esta expiação apenas o resultado de condutas passadas, não, o próprio processo de ocupar um corpo de carne - encarnar, impõe ao Espírito certos desconfortos, tais como, fome, frio, dor, sofrimentos físicos, medo, todos exemplos de expiações sob a óptica de Deus.

É um tanto desconcertante observar o significado de expiação sob este prisma, ou seja, já expiamos pelo simples fato de encarnarmos pela primeira vez e, mais à frente, toda a vez que reencarnamos. Cada vivência em um mundo material define uma série de dificuldades, chamadas também de expiações, aspecto pouco notado por muitos.

Mais à frente, na mesma obra, encontramos:

Qual a finalidade da reencarnação?

“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça?”4

Nesta resposta, é enfatizada a expiação como mecanismo de construção do progresso dos Espíritos, sem distinguir ou destacar uma das duas modalidades.

Dentro deste entendimento, quando se diz que a Terra está caminhando para a categoria de Mundo de Regeneração, e, conforme já foi revelado, a consolidação desta transição está muito próxima, há que se observar que nesta nova etapa evolutiva do planeta ainda se darão muitas expiações para as almas que ainda têm que expiar – faltas passadas, acrescidas das expiações características da condição de Espírito reencarnado, ou seja, as dores e sofrimentos comuns a todos os seres vivos.


Referências:

1 KARDEC, Allan. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Tradução Wallace Rodrigues. ed. 5. Matão/SP: O Clarim, 1978.

2 KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução Evandro Noleto. ed, 2, imp. 1. Brasília/DF: FEB, 2013. Bem-aventurados os aflitos. cap. V, it. 9.

3 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Evandro Noleto. ed. 4. imp. 5. Brasília/DF: FEB, 2018. q. 132.

4 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução Evandro Noleto. ed. 4. imp. 5. Brasília/DF: FEB, 2018. q. 167.


 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita