Fronteira do Espiritismo
O pesquisador, cientista e médico Carlos Toledo Rizzini,
escritor espírita autor de trabalhos sérios e
importantes pela conexão feita entre diversas áreas do
saber, autor de “Fronteiras do Espiritismo e da
Ciência”, serviu de inspiração para essas reflexões.
A inspiração é muito mais pelas “fronteiras” do que pela
discussão entre o alcance da Ciência e do Espiritismo.
Allan Kardec na introdução de O Livro dos Espíritos, com
tremenda maturidade intelectual, algo absurdamente à
frente do seu tempo, quiçá de outros tempos, argumenta
com propriedade que a Ciência quando sai da “observação
material dos fatos” e procura explicá-los, está sujeita
às “conjecturas” (palpite, inferência, suposição,
segundo dicionário).
Allan Kardec ainda diz mais: “em termos de princípios
novos, de coisas desconhecidas, sua maneira de ver (dos
sábios) quase sempre é hipotética, visto que eles não se
acham mais livres de preconceitos do que os outros”. E
arremata dizendo que talvez os sábios tenham mais
preconceitos do que qualquer outro pela sua disposição
natural em subordinar seu pensamento naquilo em que é
especialista.
A Ciência Espírita requer um tratamento diferente
daquele utilizado pela Ciência convencional. O elemento
objeto da pesquisa é um ser pensante (Espírito), com
vontade própria e por isso com autonomia para responder,
participar, omitir, manipular ou até mesmo, como na
moda, desinformar.
Contudo, infelizmente, com real pesar, a discussão sobre
as fronteiras do Espiritismo não está nesse debate
agradável em que as diversas opiniões formam uma rede de
ideias que acrescentam, cada qual ao seu estilo, uma
pitada de reflexão que estimula o aprendizado. A
fronteira do Espiritismo que mais toca na atualidade é
da ética.
Seria a ética dos espíritos ou a ética dos homens? As
amigas e amigos leitores podem se valer do dicionário
filosófico, como fizemos, para aprofundar sobre o tema,
mas desde já, sem querer desapontá-los, a fronteira
entre a ética e o Espiritismo ainda é muito ampla e por
isso precisamos aprofundar quanto a qual fronteira
especificamente precisamos tratar. Nesse caso, a
fronteira ética é da divulgação do
Espiritismo.
Ao longo de toda história do Espiritismo, diversos foram
os atores sociais de destaque que se renderam às
evidências do mundo espiritual, como Arthur Conan Doyle
(autor de Sherlock Homes), Victor Hugo (célebre escritor
francês, autor de Os Miseráveis), pesquisadores como
William Crookes (inventor do Radiômetro, investigando
raios catódicos) e Ernesto Bozzano (um dos poucos
pesquisadores italianos a fazer parte da SPR – Society
for Psychical Research e da ASPR – American
Society for Psychical Research e do IMI – Institut
Métapsychique International). Estes e muitos outros
fizeram parte de um seleto grupo de pessoas que
compreenderam o alcance da nova Ciência e tudo que
fizeram foi em benefício da divulgação da nova Ciência.
Na atualidade, a nova Ciência (Doutrina Espírita) tem
ilustrado mentes inteligentes, que se dedicaram ao seu
estudo, ainda que arranhando a superfície do que pode
ser explorado, contudo, talvez por isso, utilizam do
Espiritismo como plataforma para ganhar dinheiro com um
conhecimento cuja fronteira é tênue. Diria, muito tênue.
Nos últimos trinta anos ouço falar da importância de se
divulgar Allan Kardec e os Clássicos. Quando leio obras
dos pioneiros da divulgação no Brasil como Carlos
Imbassahy e Herculano Pires, baluartes da divulgação, já
havia essa preocupação. Entretanto, todos estavam
envolvidos em atividades voluntárias. Não havia sequer
vestígio de algum ganho financeiro pessoal decorrente da
divulgação do Espiritismo.
Aliás, antes que alguém se apresse em concluir se
estamos falando de “a” ou de “b”, descobri, por meio de
um acesso recente em redes sociais (das quais não mais
utilizo), que não se limita a alguns mais conhecidos:
existe desde o pouco conhecido (conhecido regionalmente)
até o muito conhecido usufruindo de uma linguagem
fronteiriça ao que é divulgado no Espiritismo, mas que
não existem evidências factuais, materiais, salvo o
próprio divulgador (que é o mesmo na venda de seus
“produtos” e fazendo palestras espíritas) e por isso,
tudo é aceito, tudo é válido e os crentes (que existem
em todas as religiões) se empolgam aclamando seus
trabalhos.
Durante algum tempo debati intimamente se escrever ou
falar sobre isso poderia ser inveja. Sou anônimo,
imperfeito, pouco ou quase nenhum conhecimento
doutrinário, apenas com uma inquietação para escrever. E
nem por escrever me arvoro detentor da verdade. É apenas
uma opinião, fruto da observação pessoal, subjetiva.
Estudando um pouco de psicanálise pensei que pudesse ser
“projeção” ou “recalque” e até hoje não descarto que
isso talvez seja possível. No entanto, exatamente pelas
limitações de conhecimento e pela falibilidade de um
espírito em provas e expiações (mais expiações do que
provas) é que nos sentimos à vontade para tocar nesse
ponto porque se almejássemos projeção para nos tornarmos
“famosos”, nosso caminho não seria pela crítica e sim
falando o que as pessoas querem ouvir, utilizando
marketing, tocando em pontos que são, na maioria das
vezes, objeto de luta e problemas na vida das pessoas.
Por isso, leitora amiga e leitor amigo, acredito que
vivemos um processo diferente de divulgação do
Espiritismo na atualidade e que preocupa porque nesse
processo de divulgação está valendo tudo, menos
conhecimento Espírita.
Por ser um movimento “cosmopolitano” (antônimo de
“endêmico”), ou seja, espalhado, tentar encontrar a
“causa raiz” a essa altura do “campeonato” é perda de
energia. Culpabilizar os que fizeram uso do Espiritismo
para se beneficiarem, tanto no passado quanto no
presente, também é ineficaz.
Resta-nos, o alerta, para que voltemos demoradamente a
nossa atenção para as obras de Allan Kardec, os
clássicos e alguns poucos autores do passado (remoto e
recente) para fortalecermos a compreensão quanto ao
momento que vivemos, que não está bom. As instabilidades
do período em que vivemos, demonstram que o afastamento
daquilo que é espírita beneficia apenas aqueles que
tentam derrubar o pensamento Espírita, a mais ninguém.
Vende-se facilidade, utilizando o “efeito manada” como
se as questões mentais e consequentemente do Espírito
fossem passageiras e simples de se resolver com cursos
de milhares de reais parcelados em doze vezes no cartão
de crédito ou com desconto à vista, no pix.
Vigilância e amor no coração para compreendermos que não
estamos isentos de cair no “canto da sereia”, mas que
saibamos transitar por essa fronteira movediça, tendo
Jesus e Kardec como referências.
Muita paz a todos.
Nota do Autor:
Este e outros textos encontram-se publicados no blog
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de Estudos