Três almas
Na antecâmara do Céu três almas se reuniam, à espera do
Anjo da Passagem, que, por fim, veio atendê-las no
etéreo limiar. Uma em veste branca, outra em traje
dourado e a última em roupagem escura.
A primeira, ostentando nívea túnica, ataviada de lindas
guirlandas, erguia a desassombrada cabeça e dizia sem
palavras: — “Quem mostrará maior pureza que a minha?”
O mensageiro acolheu-a com bondade e abriu-lhe a porta
de acesso; contudo, ao transpô-la, como que aturdida por
invisíveis raios, a entidade recuou, exclamando: — Não
posso! Não posso!…
Disparando interrogações ao vigilante fiscal,
explicou-se este, afetuoso: — Realmente, envergas o
manto lirial, mas o teu coração permanece pesado e
escuro. A beleza de tua veste não representa virtude,
porque te acovardaste ante a luta. Salvaste as
aparências, à custa do suor alheio. Outros choraram e
sofreram, para que te mantivesses na pureza externa.
Volta ao mundo e santifica o vaso do sentimento.
Adiantou-se a segunda entidade, exibindo dourada coroa
na fronte. De aspecto grave, na bela túnica jalde em que
se envolvia, pensava: — “Quem saberá mais do que eu?”
Do sagrado pórtico, no entanto, retrocedeu, com
expressão de terror, e, fazendo perguntas ao Anjo, dele
ouviu novos esclarecimentos: — Mostras a glória do
saber, mas o teu coração jaz inerte e enregelado.
Adquiriste a palma da ciência; todavia, como pudeste
esquecer o labor dos que padecem pela exaltação do bem?
Torna à casa dos homens e acorda para a compaixão, para
o auxílio e para a caridade.
Logo após, a terceira aproximou-se hesitante, atendendo
ao chamado que o emissário do Alto lhe dirigia. Trazia,
a fronte humilhada e a vestidura coberta de lama e
cinza. Abeirou-se, em lágrimas, do milagroso portal,
exclamando consigo: — “Senhor, que será de mim?”
Em se colocando, porém, à frente das forças que fluíam
da abertura, claridade radiosa se fez em torno dela e o
que era barro e fuligem transformou-se em luz que
parecia nascer-lhe do peito, no imo do coração
transformado em sol.
A alma extática e venturosa partiu, demandando os
resplandecentes cimos.
E, porque as duas almas incapazes da subida lhe
dirigissem novas inquirições, o funcionário angélico
esclareceu: — Vimos agora um coração diligente na obra
do amor universal. Aquele viajante, que ora se dirige
para o Trono Eterno, veio até nós em condições que nos
pareciam desfavoráveis; no entanto, a lama que lhe
extravasava das mãos e dos pés, a nuvem de pó que lhe
cobria o rosto e os braços, enegrecendo-lhe as vestes,
eram os remanescentes da calúnia, da ironia, da maldade
e da ingratidão que lhe foram atiradas na Terra por
muitos e que ele suportou, com paciência, durante longo
tempo, na obra da fraternidade entre as criaturas. As
úlceras que se lhe abriram na alma ditosa, porém,
transubstanciaram-se em pontos de sintonia com a luz
celestial, que nele se inflamou, vigorosa e sublime,
descortinando-lhe o caminho da imortalidade. Determina a
justiça receba cada um de acordo com as suas obras.
E enquanto o obreiro aprovado se elevava, célere, no
Infinito, a alma branca e a alma dourada volviam ao
mundo de matéria espessa, a fim de se diplomarem,
convenientemente, no aprendizado divino do “fazer e
servir”.
Do livro Falando à Terra, obra
psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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