Médiuns proféticos,
segundo Kardec, são aqueles que recebem a revelação de
coisas futuras de interesse geral e são incumbidos de
dá-las a conhecer aos homens, para instrução destes.[1]
A obra mediúnica de Chico Xavier antecipou-se a várias
conquistas do pensamento científico, portanto, podemos
considerá-lo como médium profético. Neste artigo vamos
examinar três notáveis revelações relacionadas à
dimensão biológica.
a) A
teoria da moralidade como desenvolvimento dos instintos
sociais
Durante quase todo século XX, permeou grande parte do
pensamento científico o provérbio romano, popularizado
por Thomas Hobbes, de que o homem é o lobo do homem.
Segundo essa concepção, os seres humanos são maus e
imorais por natureza. A evolução é resultado de um
processo sórdido e egoísta de sobrevivência do mais
apto, onde prevalece unicamente o interesse pessoal. O
que há de bom na humanidade, se é que existe alguma
coisa, é resultado da cultura e das instituições
humanas. Entregue aos próprios instintos, os homens se
autodestruiriam, porque assim determina sua natureza.
De alguns anos para cá, essa teoria deixou de ser
hegemônica. Acredita-se hoje que a natureza humana
abriga também um instinto social, que se mostra através
da cooperação, empatia e compaixão. Esse instinto já se
mostra em várias espécies animais, de tal forma que se
pode pensar a moralidade como resultado também da
evolução.
Stephen Jay Gould, um influente biólogo, escreveu:
- Por
que nossa maldade deveria ser a bagagem de um passado
simiesco e nossa bondade unicamente humana? Por que não
deveríamos ver continuidade entre outros animais para
nossos traços nobres também?[2]
Segundo a teoria da moralidade como desenvolvimento
dos instintos sociais existe uma continuidade entre a
moralidade humana e as tendências sociais de animais. As
tendências morais são vistas como produto da evolução.
As evidências empíricas são as seguintes: a moralidade
tem um alicerce emocional e intuito, os dilemas morais
ativam áreas cerebrais envolvidas com as emoções,
grandes primatas apresentam muitas das tendências
incorporadas na moralidade humana e bebês com menos de
dois anos, ou seja, antes do processo de socialização,
demonstram empatia e um senso de justiça.
A afirmação profética de
André Luiz é esta: o
instinto de solidariedade prefigura o amor puro[3]. Instintos
são impulsos naturais que levam alguém a agir de maneira
involuntária, sem se pautar pela razão ou inteligência.
Prefigurar é o mesmo que representar antecipadamente.
André está, portanto, mostrando que tudo aquilo que há
no sentimento humano que dá grandeza, beleza e
espiritualidade aos atos humanos - o altruísmo, a
compaixão, o amor, evoluíram de um instinto: o
instinto de solidariedade. Isso foi dito em 1958,
quando a possibilidade de se admitir um instinto para o
bem na natureza humana era sequer imaginada.
b) Revisão de conceitos
relacionados à evolução do Homo
sapiens
Acreditava-se que, há alguns milhões de anos, a África
tornou-se gradativamente mais seca; de um ambiente com
grande predomínio de florestas tropicais, foram surgindo
savanas e desertos. A modificação do ambiente
possibilitou que os símios pudessem escolher entre dois
caminhos: permanecer nas florestas ou “descer das
árvores” em busca de um novo habitat. Os antepassados
dos chimpanzés, dos gorilas, dos gibões e dos
orangotangos deixaram-se ficar dando origem aos primatas
atuais. Os antepassados de outros símios arrojaram-se a
abandonar a floresta e lançaram-se na competição com os
outros animais terrestres, já então adaptados ao solo.
Era uma empreitada arriscada, mas que foi venturosa:
esses símios deram origem ao homem.
Segundo Paulo Dalgalarrondo, a hipótese da “descida da
árvore” vem sendo questionada por paleoantropólogos
contemporâneos. O que dizem eles?
O principal candidato a ser o ponto de partida a partir
do qual houve a separação entre símios e a descendência
humana, o elo perdido entre o Homo sapiens e os
grandes símios, foi apelidado de Toumai. Seu
crânio quase completo foi encontrado no Chade, um país
africano, em 2001 e tem provavelmente 7 milhões de anos.
O Toumai preenche critérios para ser inserido
como membro da linhagem humana: além de fortes
indicativos da postura bípede (forma do fêmur, dos ossos
da pelve, da coluna vertebral e da parte posterior do
crânio), a presença de caninos pequenos e molares
grandes (geralmente com espesso esmalte dentário).
A região da África onde o
crânio do Toumai foi encontrado é hoje uma área
desértica, mas não era assim há 7 milhões de anos.
Naquela época, consistia em uma enorme floresta, com
pântanos e um grande lago com cerca de 400.000 km². Tal
fato não justifica uma “descida da árvore” por mudança
do habitat dos primatas de então, devendo a
paleoantropologia buscar outra explicação para a
bifurcação dos primatas e consequente surgimento dos
ascendentes humanos.[4]
Curiosamente, Emmanuel, reportando-se ao tema,
esclarece:
Reportando-nos, todavia, aos eminentes naturalistas dos
últimos tempos, que examinaram meticulosamente os
transcendentes assuntos do evolucionismo, somos
compelidos a esclarecer que não houve propriamente uma
“descida da árvore”, no início da evolução humana.
As forças espirituais que
dirigem os fenômenos terrestres, sob a orientação do
Cristo, estabeleceram na época da grande maleabilidade
dos elementos materiais, uma linhagem definitiva para
todas as espécies, dentro das quais o princípio
espiritual encontraria o processo de seu acrisolamento,
em marcha para a racionalidade.[5]
c) Epigenética
O reconhecimento da influência do ambiente no
funcionamento e na expressão de alguns genes,
substituindo a errônea crença de que somente os genes
controlam nosso destino, levou ao surgimento de um novo
campo de estudos, denominado Epigenética. A Epigenética
procura estudar os mecanismos através dos quais fatores
externos à sequência de nucleotídeos no DNA (como por
exemplo, o ambiente) intervêm na expressão gênica,
afetando a maneira como as células acessam, interpretam
e usam o DNA.
Vários mecanismos epigenéticos foram descritos. A
presença de um grupo metila (CH3) ligado a um segmento
de DNA é uma alteração epigenética. A ligação de um
grupo acetila (COCH3) às histonas, proteínas que se
relacionam ao DNA, é também uma alteração epigenética.
Essas ligações químicas não modificam a sequência do
gene, mas alteram sua expressão. Isso pode explicar
enigmas como as diferenças, às vezes notáveis, entre
gêmeos idênticos. Embora possuam o mesmo genoma, diferem
em relação às marcas epigenéticas que, no decorrer da
vida, acabam por acumular. As experiências que vivemos
(até mesmo dentro do útero materno), os hábitos
alimentares que cultivamos, o uso de fumo e álcool, o
fato de sermos criados por pais atenciosos podem carrear
para nossos genes marcas epigenéticas. As marcas
epigenéticas tanto silenciam genes previamente ativados,
quanto retiram a mordaça que havia sido posta em outros.
Esse fato pode contribuir para explicar como ambientes
diferentes fazem com que pessoas de genomas idênticos
acabem se tornando pessoas diferentes. O mesmo mecanismo
contribui para explicar como as células de nosso corpo,
com o mesmo DNA, possuem forma e funções diferentes.
Em 1958, quando Chico Xavier recebeu o livro Evolução
em dois mundos, essas ideias inexistiam por
completo. Pois nessa obra, acreditamos que o conceito de
epigenética tenha sido sutilmente apresentado. Carlos
Mourão Júnior, professor titular de fisiologia da
Universidade federal de Juiz de fora (UFJF) acreditava
fortemente que André Luiz relacionou o termo bióforo,
aos grupos metila e acetila, citados anteriormente, que
agindo sobre os genes poderiam interferir em sua
expressão:
[...] interpretando os cromossomos à guisa de caracteres
em que a mente inscreve, nos corpúsculos celulares que a
servem, as disposições e os significados dos seus
próprios destinos, caracteres que são constituídos pelos
genes, como as linhas são formadas de pontos, genes aos
quais se mesclam os elementos chamados bióforos, e
tomando os bióforos, nesses pontos, como sendo os
grânulos de tinta que os cobrem [...][6]
André Luiz relaciona os cromossomos, onde se encontram
os genes, com linhas contendo pontos, e sobre eles
agindo os bióforos, ou seja, as marcas
epigenéticas, que interferem na expressão gênica.
Lyderson Faccio Viccini, professor de genética da UFJF,
vê também a ideia, expressa no texto, de mecanismos
epigenéticos como recursos de intervenção dos Espíritos
na biologia reencarnatória. Acredita na possibilidade de
que o Espírito, através de suas irradiações mentais,
possa funcionar também como natural mecanismo
epigenético, participando, tal qual o ambiente, na
expressão dos genes de um organismo. A individualidade
encarnada, através de suas poderosas irradiações, se
projetaria no interior da célula, no conjunto de genes e
proteínas, expressando sua identidade espiritual, suas
características pessoais e suas necessidades evolutivas.
De forma equivalente, Espíritos desencarnados, poderiam
interferir na biologia humana:
[...] a criatura submete-se à lei da hereditariedade,
com o direito de alterar-lhe as disposições fundamentais
até ponto não distante do limite justo, segundo o
merecimento de que disponha. Para ajudar aos semelhantes
na escalada a mais amplas aquisições na senda evolutiva,
recolhe, assim, concurso precioso dos Organizadores do
Progresso, na mitose do ovo que lhe facultará novo corpo
no mundo, de vez que toda permuta de cromossomos, no
vaso uterino, está invariavelmente presidida por
agentes magnéticos ordinários ou extraordinários,
conforme o tipo da existência que se faz ou refaz, com
as chaves da hereditariedade atendendo aos seus fins.[7]
[1] O
livro dos médiuns, item 190
[2] Primatas
e filósofos, Frans de Waal
[3] Evolução
em dois mundos, parte I cap. 10
[4] Evolução
do cérebro, Paulo Dalgalarrondo
[5] A
caminho da luz, cap. 2
[6] Evolução
em dois mundos, parte I, cap. VII
[7] Evolução
em dois mundos, parte I, cap. VII
O autor - que integra o
Conselho Editorial d'O Consolador - é médico e
reside em Juiz de Fora (MG).