O mundo tem passado por significativas mudanças nas
últimas décadas. Tudo está sendo recriado, adaptado,
reinventado. Com o movimento espírita não deverá ser
diferente. Precisará se reorganizar de modo a não ficar
anacrônico, sem conseguir se comunicar com o seu
principal alvo: o ser humano. Não me refiro aos
princípios doutrinários do Espiritismo, mas à forma de
expressá-los e torná-los conhecidos.
Parece ser clara a necessidade de uma revitalização que
englobe novas formas e métodos de atuação e participação
que gerem um movimento espírita propositivo, de opinião
e colaboração junto à sociedade. Que não apenas seduza
pela reflexão dos seus princípios universais, mas que
comova e estimule os adeptos a participarem
convictamente do processo de transformação do mundo
através desses princípios.
O movimento espírita, dentro e fora do Brasil, tem
inumeráveis exemplos de homens que trabalharam
incansavelmente em muitas frentes de atuação, para
consolidar no seu meio o Espiritismo aplicado à vida
cotidiana. Sem os incríveis recursos que se tem hoje,
esses homens fizeram no passado, apenas com as mãos e o
coração, o que se espera de todo espírita consciente.
É espantoso o dinamismo, a convicção e a coerência
desses desbravadores, que devem servir de modelo para a
construção de um movimento espírita coerente, convicto e
dinâmico que possa atender às angústias e necessidades
dos homens contemporâneos.
Quanto mais atenta for a leitura das microbiografias que
deixo abaixo, mais se reconhecerá a grandeza moral
desses Espíritos, e quanto compreenderam com precisão a
Doutrina Espírita. Reparem na amplitude de suas
atividades. Reparem que todos viveram “no meio dos
homens, dos seus irmãos”. Exatamente como fez Jesus.
Anália Franco (1853-1919)
Professora, alfabetizou meninos e meninas, brancos e
pretos, pobres, enjeitados, combateu a fome e a
ignorância. Feminista, escritora, jornalista,
abolicionista e espírita convicta, defendeu os direitos
da mulher, apoiou mães e filhos, órfãos e viúvas. Montou
uma gráfica e publicou “A voz maternal” e “Álbum das
meninas” em defesa da educação e justiça para todos.
Fundou mais de 100 instituições de instrução e caridade.
Criou cursos profissionalizantes, ensinando muita gente
a “pescar”.
Cairbar Schutel (1869-1938)
Esse espírita escreveu em uma de suas mais importantes
obras (Vida e atos dos apóstolos) o vigorosíssimo
capítulo “Comunidade Cristã” no qual se lê isto: “quando
o povo perguntou a João o que deveria fazer, o Batista
respondeu: 'Aquele que tem duas túnicas, dê uma ao que
não tem; e aquele que tem comida faça o mesmo'”.
“A dizer com franqueza – continua Cairbar Schutel –
segundo a linguagem dos tempos atuais, os dois grandes
Revolucionários Cristãos (Jesus e João Batista)eram
francamente comunistas”. E finaliza: “Naturalmente que
não se tratava de um Comunismo materialista, mas
poderíamos intitulá-lo Comunismo Cristão”.
Cairbar Schutel teve importante participação no cenário
político e social do interior paulista, atuou fortemente
na imprensa espírita, foi escritor, radialista e
polemista. Farmacêutico, doava remédios aos pobres.
Acolhia doentes em sua própria casa. Culto e
desprendido, se impunha moralmente na defesa dos
princípios espíritas.
Eurípedes Barsanulfo (1880-1918)
Tornou-se espírita lendo Léon Denis. Nos seus estudos
viu logo a força da Doutrina para educar a população.
Altruísta, fez caridade a não poder mais; mentor da
instrução e da cultura, escreveu muito contra os ataques
ao Espiritismo, e por isso foi perseguido na Imprensa;
médium portentoso, foi perseguido pela Igreja. Educador
sempre lembrado. Sacudiu a pequena cidade de Sacramento
e todo o triângulo mineiro com a sua fidelidade
irrestrita à verdade.
Fundou centro espírita, fundou farmácia popular com
distribuição de remédios gratuitos. Fundou o Colégio
Allan Kardec onde se aprendia astronomia e fundamentos
da doutrina espírita. Atuou na política como vereador,
trabalhando muito pelos pobres. Na juventude envolveu-se
com as artes dramáticas.
Batuíra (1839-1909)
Fundou um jornal que se autodefinia como “órgão do
espiritismo científico”. Os recursos que amealhou com o
trabalho da vida inteira, aplicou-os junto aos pobres de
São Paulo. Vegetariano. Desprendido dos bens materiais.
Amante do Teatro, juntava estudantes e intelectuais em
suas apresentações culturais. Polemizava com religiosos
em defesa do Espiritismo. Abolicionista, protegia
escravos foragidos. Sua casa era um misto de albergue,
orfanato, hospital, centro espírita. Não desprezava os
ricos, mas dava-se melhor com os pobres.
Herculano Pires (1914-1979)
Fiel tradutor das obras de Allan Kardec. Presidente do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo e
vice-presidente do Sindicato dos Escritores de São
Paulo. Defensor intransigente dos princípios
doutrinários do Espiritismo. Denunciou adulterações de
obras espíritas, bem como os movimentos paralelos que se
intrometeram no movimento espírita. Mais de trinta anos
com uma coluna de crônicas espíritas no jornal Diário de
São Paulo. Escreveu mais de 80 livros. Fundou a revista Educação
Espírita onde expõe temas do interesse da pedagogia
espírita.
Jorge Rizzini (1924-2008)
Militou na literatura acadêmica, ganhando prêmios.
Escreveu para teatro e para a infância e juventude.
Biógrafo de Herculano Pires e outras personalidades. Fez
televisão. Polemista, defendeu com unhas e dentes o
Espiritismo e médiuns perseguidos pela igreja e pela
imprensa. Fez na França e Estados Unidos vídeos
históricos sobre Allan Kardec e as irmãs Fox. Foi
médium de poetas e músicos do além. Organizou famosos
festivais de músicas mediúnicas. Atuou dentro e fora do
movimento espírita. Referências ao seu nome são
encontradas em revistas de circulação mundial.
Idealista, autêntico e fiel à Doutrina Espírita.
Léon Denis (1846-1927)
Filósofo, escritor, participou de inúmeros congressos
espíritas. Além das questões doutrinárias, tratou de
relevantes temas sociais, discorreu sobre o valor da
mulher na sociedade. De ideias socialistas, compreendeu
muito bem as propostas originais da filosofia espírita.
Detalhou magnificamente os prejuízos causados pelo
catolicismo às ideias genuínas do cristianismo. Teve
sempre um bom relacionamento com as classes operárias,
colaborando com os seus trabalhos.
Selecionei esses nomes pela diversidade enorme de
atividades em que atuaram.
Conclusão
Esses nomes não apenas referendaram os princípios
fundamentais da Doutrina, como trouxeram contribuições
práticas e teóricas no sentido de ampliar o entendimento
doutrinário. Nenhum deles se preocupou com movimento
religioso em si, mas com a formação de homens melhores
na construção de uma sociedade melhor.
São praticamente unanimidade no que se refere ao seu
caráter pessoal, à lisura, à honestidade intelectual, em
que pese não serem perfeitos. Todos dedicaram suas vidas
ao próximo. Todos se empenharam no combate ao mal, à
ignorância. Todos viveram e lutaram pela educação
intelectual e moral dos seus concidadãos, pela justiça
social, pela transformação da sociedade através do amor,
do conhecimento, da arte, da ciência e da revelação das
verdades espirituais sem misticismos, sem religiosismo
ingênuo, piegas.
Este é o movimento que os espíritas contemporâneos
precisam construir doravante, coletivamente, inspirados
por estes ilustres personagens do passado recente. Um
Espiritismo que, erguendo a bandeira da caridade e
soprando o clarim da liberdade e fraternidade, “desperte
no povo gostos mais nobres, aspirações mais altas”; um
“Espiritismo que pode influir poderosamente sobre a
economia social e a vida pública”, como sonhava Léon
Denis.